Cinema e Educação em John Grierson


Veja também biofilmografia sintética do diretor


CINEMA E EDUCAÇÃO

No Brasil, nas primeiras décadas do século XX, a relação entre cinema e educação deu origem a um intenso debate, em publicações da imprensa diária e em revistas especializadas de diversos setores sociais, tais como: educadores, cineastas, políticos, membros da igreja católica e de movimentos anarquistas. Desde a década de 1910, os anarquistas desenvolveram uma intensa reflexão sobre os usos do cinema, como um instrumento a serviço da educação do homem do povo e da transformação social (1), devendo este se converter em arte revolucionária. O pensamento católico também se dedicou à questão do cinema educativo, preocupado com a questão moral dos filmes exibidos. A Igreja criou os Cineacs, salas de cinema nas paróquias e associações católicas, que tinham por objetivo apreciar os filmes segundo as normas traçadas pela Igreja (2). Os educadores, por sua vez, combatiam o que eles chamavam de "cinema mercantil" e propunham a criação do cinema educativo que, segundo eles, poderia trazer benefícios pedagógicos aos alunos ao mostrar de forma mais real diversos aspectos da natureza e da geografia do Brasil. Para estes, o cinema educativo representava a luta contra o cinema "deseducador" e "portador de elementos nocivos e desagregadores da nacionalidade"(3).

Todo este debate deu origem em 1936 ao Instituto Nacional de Cinema Educativo, dirigido por Roquette-Pinto e tendo o cineasta Humberto Mauro como técnico do Instituto. No INCE, entre 1936 e 1964, Mauro realizou 357 filmes pedagógicos e científicos. Nas décadas de 1930 e 1940, principalmente, os filmes produzidos correspondiam ao objetivo de reinventar o Brasil, mostrando a natureza exuberante e o homem primitivo como marcas de nossa nacionalidade. Como coloca Sheila Schvarzman, "até 1940, o que se desenha é a imagem de um país naturalmente harmônico e equilibrado no cosmos (...) a imagem de um país portentoso, dotado de uma natureza pródiga, uma ciência capaz de decifrá-la e grandes homens aptos a conduzir a nação ao grande destino inscrito nas promessas da natureza. Forjou-se na tela um país excepcional" (4).

A possibilidade de uso do cinema como instrumento pedagógico, doutrinário ou de propaganda estava colocada, no início do século XX, em vários países do mundo e independentemente da ideologia que professavam. Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França, União Soviética, Canadá, estão entre os países que difundiram este uso para as imagens cinematográficas. Marc Ferro afirma, ao analisar a relação entre cinema e o poder soviético, que expressões como "apoderar-se do cinema", "controlá-lo", "dominá-lo" encontrava-se facilmente entre os altos escalões do governo soviético. Na URSS, "o cinema educativo, o cinema científico e de animação ocupam um lugar privilegiado no programa cultural (...) o documentário, o cinema 'para os camponeses', o documento-cinema são considerados igualmente como essenciais" (5).

A Alemanha Nazista e a Itália Fascista também atribuíram um estatuto privilegiado ao cinema como educação das massas e propaganda ideológica, tendo sido criados departamentos cinematográficos vinculados diretamente ao Estado. A estes dois modelos de uso do cinema como instrumento político e pedagógico é que, mais comumente, se referiam os formuladores do cinema educativo no Brasil, aparecendo também citações de experiências realizadas nos Estados Unidos e à produção de filmes científicos franceses.

Pelo que se pode observar na literatura sobre o cinema educativo, entre os anos de 1920 e 1930 no Brasil, é que havia um debate mundial sobre este uso do cinema e a produção de diversos filmes com este objetivo. As possíveis relações entre o comportamento humano em sociedade e as imagens cinematográficas, foram tema de artigos em jornais e revistas especializadas das mais diferentes áreas: medicina, psicologia, educação, religião, direito, etc, ou seja, as idéias sobre o cinema educativo estavam circulando nos quatro cantos do mundo.

Entretanto, na literatura dos formuladores do cinema educativo no Brasil, pouco se nota referências à produção inglesa de documentários das décadas de 1930 e 1940, especificamente do produtor John Grierson que foi um defensor do uso pedagógico do cinema (6). Grierson fundou o movimento documentário inglês. Foi ele quem aplicou pela primeira vez o termo documentário, ao se referir ao filme de Robert Flaherty, intitulado Moana, de 1926 (7). Realizou seu primeiro filme em 1929, Drifters, e após 1930 foi produtor de diversos filmes documentários que tinham como proposta um cinema de intervenção social. Para ele, o documentário tinha a capacidade de observar e selecionar cenas da própria vida e de interpretar os acontecimentos mais complexos do mundo real. A visão do documentarista precisava ser jornalística, mas, sobretudo, poética e dramática. Defendia que os filmes documentários poderiam também ser obras de arte e que "a escolha do documentário representava a escolha da poesia em lugar da ficção" (8).

Apesar da ausência de referências aos filmes documentários de Grierson na literatura brasileira correspondente aos formuladores do cinema educativo, a análise de seus escritos e de sua produção fílmica é importante para entendermos as propostas de cinema educativo do período, mesmo aquelas que foram formuladas no Brasil. As idéias de Grierson e seus filmes circularam por vários lugares e contribuíram para a constituição de uma estética e de uma ética do filme documentário, que por um período esteve fortemente vinculado ao que se denominou cinema educativo. Sendo assim pretendemos a seguir, analisar algumas das idéias de Grierson sobre o uso pedagógico do cinema, bem como suas concepções sobre a questão da educação e da propaganda, pelos seus escritos, deixando para um próximo trabalho a análise de sua filmografia. Para isso, foram selecionados os seguintes textos do autor: First Principles of Documentary; The Nature of Propaganda; Education: a new concept e Propaganda and Education.


POR QUE EDUCAÇÃO?

"Quando os instrumentos estão quebrados e são inutilizáveis, quando os planos voam pelos ares e o esforço não tem sentido, o mundo aparece com um frescor infantil e terrível, suspenso sem rumo num vazio". Jean Paul Sartre (9)

Os escritos de Grierson sobre a questão da educação estão contextualizados na Europa da Segunda Guerra Mundial, é a este cenário que ele se refere e é para a reconstrução do que a guerra havia destruído grande parte de sua preocupação. A análise que faz da sociedade inglesa do seu tempo possui o mesmo tom da frase de Sartre: "sem rumo num vazio". Segundo ele, várias mudanças de ordem econômica, política e tecnológica estavam acontecendo e a sociedade inglesa parecia não estar preparada para enfrentá-las. Nem tão pouco o antigo sistema educacional, baseado numa tradição estritamente acadêmica, estava apto a atender às novas exigências colocadas pelo mundo moderno. Entretanto, para Grierson, em tempos de crise, como os que a Inglaterra enfrentava, para a qual ele constatava uma desorganização social, os homens almejam um imperativo moral e a educação seria um meio para alcançar este objetivo. Por isso, sua proposta é a de rever o processo educacional, reformular seus métodos e sua filosofia, pois é pela educação que se poderia resolver parte dos problemas sociais.

A educação, segundo Grierson, é o processo pelo qual os homens são providos para servir sua geração e no qual as mentes são entalhadas para a tarefa de constituir bons cidadãos, os quais devem estar unidos em nome de um propósito comum (10). Para ele, a Inglaterra precisava de educadores e não de soldados, já que era necessária uma mudança de valores para que estes se adequassem à nova realidade e se constituíssem como cidadãos capazes de participar e intervir na sua comunidade. Valores do passado, tais como, àqueles referentes ao individualismo moderno, já não faziam mais sentido na sociedade contemporânea.

A educação, segundo ele, baseada somente nos direitos individuais teve por conseqüência a irresponsabilidade social, formou cidadãos voltados unicamente para seus objetivos privados, descolados de uma unidade pública e voltados exclusivamente para seu mundo pessoal. A crítica a "filosofia de vida que coloca o indivíduo e a sociedade como elementos antagônicos e define o sucesso em termos de expressão pessoal" (11), seria um dos temas centrais do pensamento de Grierson. Novos valores, portanto, deveriam substituir os antigos, numa relação que Grierson estabelece da seguinte forma:

Antigos Valores

Novos Valores
Livre empreendimento e competição Estado
Liberdade Deveres
Felicidade Sacrifício
Palavras Ação
Passado Futuro

Estes valores seriam acompanhados também de novas palavras-chave: disciplina, unidade, coordenação, esforço total e planejamento. O objetivo maior, do método educacional proposto por Grierson, seria o de formar o cidadão ativo, que tivesse sua ação concebida e corporificada numa comunidade de cidadãos e numa unidade pública.


QUAL EDUCAÇÃO?
O que Grierson estava propondo para a renovação do processo educacional não se reduzia ao aprendizado que se realizava nos bancos escolares. Pelo contrário, sua proposta para a formação de novos cidadãos, imbuídos de uma responsabilidade social, deveria ser desenvolvida por diversos setores vinculados ao Estado, ou ao menos, sendo este o responsável pelo planejamento central. Os novos métodos educacionais deveriam contar principalmente com a utilização dos meios de comunicação, como o rádio e o cinema.

Segundo ele, o processo tradicional de ensino não era mais capaz, sozinho, de realizar esta tarefa, estaria além de suas possibilidades. Segundo ele, a educação precisava extrapolar a sala de aula e atender às necessidades imediatas da sociedade e dos serviços públicos.

A nova chave para a educação no mundo moderno seria, portanto, a propaganda, que poderia contribuir para estabelecer a cooperação e uma cidadania ativa. Segundo ele, a propaganda podia ser utilizada como um instrumento pedagógico, de forma positiva. Não necessariamente precisaria ser formulada nos mesmos termos do Estado Nazista ou fascista, pois, sua proposta não pretendia negar os valores defendidos pela democracia. Mesmo porque, para Grierson, a propaganda se ajusta ao tipo de sociedade que a produz, logo, aquela que seria realizada na Inglaterra estaria relacionada aos valores políticos deste país.

A propaganda, com objetivos educacionais, seria um novo instrumento que auxiliaria os cidadãos a exercerem a democracia, que os orientaria com respeito às questões relacionadas à sociedade da qual fazem parte. A idéia de Grierson é que a sociedade inglesa vivia uma democracia ilusória, em que se acreditava que milhões de amadores, como ele chamava, pudessem opinar sobre tudo. Era necessário, portanto, dar condições para que estes cidadãos pudessem melhor julgar o que estava a sua volta e, desta forma, poderem interferir nos problemas que envolviam sua comunidade. A propaganda seria, então, este instrumento que possibilitaria os cidadãos se informarem, julgarem, se envolverem com a comunidade e participarem ativamente.

Grierson parte das idéias de Walter Lippmann, cujo livro Public Opinion de 1922, trata do distanciamento entre o cidadão e o governo. Segundo Lippmann, o cidadão sentindo que não podia mais obter as informações necessárias para participar do processo decisório, afastou-se do governo. A solução para este problema estaria no processo educacional (12). Esta mesma preocupação com a lacuna estabelecida entre o cidadão, a comunidade e o governo, aparece nos escritos de Grierson. Segundo ele, o novo processo educacional, baseado em métodos dramáticos, como o filme documentário, deveria fornecer elementos para aproximar estes pólos.

Sua proposta é de que o filme documentário poderia contribuir para uma melhora da sociedade, promovendo um funcionamento melhor da relação entre Estado e sociedade. Esta melhora deveria acontecer não apenas em termos materiais, mas também espirituais.

POR QUE O CINEMA DOCUMENTÁRIO?

O que John Grierson admira na propaganda é seu potencial dramático, ou seja, a possibilidade de aproximação do indivíduo à sua realidade não apenas pela razão, mas também pelo sentimento. Segundo ele, o uso do rádio e de filmes, para a educação de jovens e adultos, traz a comunidade para perto do indivíduo. Pessoas da comunidade, segundo exemplo dado por ele, como o bombeiro e o carteiro, podem contar para as crianças suas ações cotidianas de trabalho e despertar nelas os ideais de cidadania. O filme tem esta possibilidade de aproximar o cidadão e sua comunidade.

Segundo Grierson, o filme documentário não ensina o novo mundo pela análise do mesmo, ele comunica o novo mundo mostrando-o em sua natureza viva. Neste sentido, o filme documentário é uma proposta educacional para trazer ao cidadão o mundo, para acabar com a separação entre o cidadão e a comunidade a qual ele pertence. Ele considerava que era necessário envolver os cidadãos nas questões relativas ao governo, provocar o engajamento das pessoas nas questões relativas à administração cotidiana da comunidade. A fórmula para isso seria a dramatização dos diversos serviços públicos.

Para Grierson, o documentário é uma técnica de observação do mundo cotidiano atual, que pode fornecer às pessoas uma compreensão rápida do conjunto complexo de forças que movimenta a sociedade moderna. É um método de comunicação que transmite um sentido de corporação, podendo constituir uma mobilização nacional em torno dos ideais de cidadania. O cinema de Grierson adquire uma missão social e uma responsabilidade cívica. Os filmes documentários deveriam contribuir para a formação do cidadão, mostrando o mundo em sua natureza viva e incorporada (13). É neste sentido, que ele alia o cinema à educação.

As idéias de Grierson sobre o documentário estabeleciam uma oposição à produção hollywoodiana da época. Segundo ele "o material e as histórias extraídas da realidade em seu estado bruto podem ser mais (mais reais no sentido filosófico) que o material interpretado. O gesto espontâneo na tela tem um valor particular. O cinema possui a extraordinária capacidade de valorizar o gesto que a tradição tornou banal. Seu retângulo arbitrário revela especialmente o movimento. Valoriza o movimento no tempo e no espaço.

Acrescentemos a isso que o documentário permite atingir um nível de conhecimento imediato que os mecanismos artificiais dos estúdios e as interpretações 'delicadas' dos atores não conseguem igualar" (14).

Procurava, então, demonstrar que o cinema podia ter como material a vida cotidiana, e que esta podia ser muito mais interessante em termos sociais e artísticos do que as cenas interpretadas por atores em estúdios.

Evidentemente que os filmes de Hollywood não eram ideais para a proposta de cinema formulada por Grierson. Alguns filmes e diretores que estavam fora do circuito dos estúdios americanos é que serviram de inspiração para o filme documentário realizado por ele. Diretores como Serguei Eisenstein na União Soviética e Robert Flaherty nos Estados Unidos realizavam filmes que se aproximavam mais da idéia de Grierson quanto ao uso do cinema na educação dos cidadãos (15).

A ALEGORIA DE JOHN GRIERSON

Em seus escritos, Grierson, cita mais de uma vez o filósofo grego Platão, coloca a necessidade da sociedade retornar aos ideais platônicos de liberdade para servir a comunidade. Isto é, uma liberdade fundada não nas satisfações individuais, mas no bem comum. Neste sentido, os textos de Grierson sugeriram algumas relações com aquelas encontradas em Platão, mais especificamente, no Livro VII da República, em que o autor narra o mito da caverna.

Nesta narrativa, alguns homens se encontram numa caverna, algemados, tendo apenas um fogo, por detrás deles, como iluminação. Conseguiam apenas ver as sombras de homens e objetos que passavam por fora da caverna. Como estavam nesta condição desde a infância, julgavam as sombras que viam como realidade.

A saída da caverna, para qualquer um deles, seria penosa, pois depois de tanto tempo acostumados com o escuro seria penoso olhar para a luz. Num primeiro momento, qualquer um que saísse ficaria cego e somente aos poucos poderia enxergar o mundo a sua volta.

Na alegoria de Platão, quando um dos prisioneiros abandona a caverna, enfrenta uma série de desafios, passa por um caminho íngreme, tem dificuldades de enxergar por conta da luminosidade, seu corpo fica dolorido por causa dos movimentos. Quando se depara com a realidade, fica deslumbrado, mas ao mesmo tempo o sofrimento lhe traz a vontade de retornar à escuridão. Mas aos poucos vai se acostumando à luz e acaba por regressar a caverna para poder libertar os outros prisioneiros, tarefa esta também penosa.

Este prisioneiro que primeiro saiu da caverna e que passa a enxergar a realidade, não aprende a ver, pois isso ele já sabia, mas redireciona seu olhar das sombras para a luz. A alegoria nos fala de uma reeducação do olhar, uma mudança na direção do pensamento, que deixando de olhar as sombras, imagens da realidade, passa a olhar as coisas verdadeiras. A idéia é de que o olho do espírito educado, o olhar intelectual, torna-se capaz de ver a luz das coisas verdadeiras. O prisioneiro quando volta à caverna, o faz em virtude do seu forte compromisso com a libertação daqueles que ainda se encontravam lá. Desse modo, o prisioneiro assume, no plano da alegoria, a mesma função que cabe ao filósofo ao encontrar-se consciente de sua responsabilidade com os destinos da cidade em que vive e, portanto, com a educação dos cidadãos para o bem comum.

Segundo Jaeger, este papel de reeducação do olhar e do espírito, para Platão, cabe ao Estado, uma educação que versa sobre a alma do homem, na atitude de modelador de almas. O governante é o produto máximo da educação e a missão que lhe é designada é ser educador supremo de toda a cidade. "O homem perfeito só num tipo de Estado perfeito se pode formar, e vice-versa: a formação deste tipo de Estado é um problema de formação de homens" (16).

Da mesma forma, Grierson vê como solução para os problemas sociais de sua época a questão de uma reeducação, que passa por um cultivo do espírito e pelo redirecionamento do olhar. O espírito seria cultivado pela aquisição de novos valores, de novos sentimentos direcionados ao bem comum, proporcionados por uma renovação no processo educacional. O olhar seria convertido pelas imagens fornecidas pelo filme documentário, que mostrariam a realidade vivida pelos cidadãos ingleses, retratando o cotidiano daqueles que trabalham pela comunidade, que sacrificam suas satisfações pessoais em nome do bem comum. Desta forma, libertar-se-iam das sombras formadas por um sistema educacional ultrapassado e pela distância entre Estado e sociedade.

As imagens que Grierson propõe para o filme documentário dariam conta de revelar a própria sociedade para os indivíduos, um novo método de observação do mundo, modelando-os para se tornarem cidadãos responsáveis por sua comunidade. Era esta a tarefa que ele colocava nas mãos do Estado e nas novas tecnologias de informação, como o rádio e o cinema. O filme documentário para Grierson teria um papel de libertação, de comprometer os homens com os destinos da sua comunidade, teria, enfim, uma responsabilidade social.

DE VOLTA AO BRASIL

Na literatura sobre o cinema educativo, no Brasil, entre os anos de 1920 e 1940, encontramos algumas referências a Robert Flaherty, que trabalhou com John Grierson. No entanto, filmes como Moana e O Homem de Aran dirigidos por Flaherty distanciam-se da proposta descrita acima e formulada por Grierson.

Os filmes citados mostram as sociedades primitivas e a luta do homem contra a natureza gloriosa, mostram o equilíbrio entre o homem e sua cultura, reconstruindo costumes que já haviam desaparecido. A crítica que os ingleses fizeram aos filmes de Flaherty foi o ocultamento da destruição sofrida por estas sociedades, da exploração sofrida por eles, sendo desprovidos de uma crítica social.

Talvez, a ausência de Grierson na literatura brasileira se deva não ao desconhecimento dos filmes documentários realizados por ele, mas a um distanciamento quanto à proposta. Enquanto no Brasil havia justamente a exaltação da natureza, isto é, uma reinvenção do Brasil que passava pela natureza gloriosa, em Grierson há a exaltação da indústria, da cidade e do homem trabalhador. Nos filmes produzidos pelo INCE, "os conflitos humanos não tem lugar(...) o que se desenha é a imagem de um país naturalmente harmônico e equilibrado no cosmos" (17). Já em Grierson, são justamente os conflitos humanos que devem ser expostos, conscientizando os cidadãos de seu papel na sociedade.


Notas:

1. Ver FIGUEIRA, Cristina Aparecida R. O cinema do povo: um projeto da educação anarquista, 1901 - 1921. São Paulo: PUC-SP Dissertação de Mestrado, 1995.
2. Ver MORRONE, Maria Lúcia. Cinema e educação: a participação da "imagem em movimento" nas diretrizes da educação nacional e nas práticas pedagógicas escolares. São Paulo: FE/ USP, dissertação de mestrado, 1997.
3. TELES, Ângela Aparecida. Cinema contra cinema: o cinema educativo em São Paulo nas décadas de 1920/1930. São Paulo: PUC, Dissertação de Mestrado, 1995.
4. SCHVARZMAN, Sheila. O livro das letras luminosas, Humbeto Mauro e o Instituto Nacional de Cinema Educativo. In: FABRIS, Mariarosaria (org.) Estudos Socine de Cinema, Ano III 2001. Porto Alegre: Sulina, 2003. p.481
5. FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p.27
6. Paulo Emílio escreve num artigo de 1958, que "a primeira referência entre nós ao movimento criado por John Grierson encontra-se no n.1 da RASM (Revista Anual do Salão de Maio), editado, por Flávio de Carvalho em 1939. Ver, GOMES, Paulo Emílio. Crítica da Cinema no Suplemento Literário - Volume 1, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
7. Ver ELLIS, Jack C. The documentary idea. New Jersey: Prentice Hall, 1989. p.61.
8. Citado por ALMEIDA, Manuel Faria de. Cinema Documental: História, Estética e Técnica Cinematográfica. Edições Afrontamento, Porto, 1982.p.27
9. Citado por: ARENDT, Hannah in Homens de Tempos Sombrios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.p.195
10. Ver GRIERSON, John. Op.cit.
11. Ver GOMES, op.cit, p.311
12. Ver ELLIS, Jack C. The documentary idea. New Jersey: Prentice Hall, 1989. p.59
13. Grierson, John. Education: a new concept.p.199
14. John Grierson, primeiros princípios do documentário. Campinas , Cinemais, 1997., p.66.
15. Ver ELLIS, Jack C. Op.cit.
16. JAEGER, Werner. Paidéia, a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p.575
17. SCHVARZMAN, Sheila. Op.cit, p. 481


BIBLIOGRAFIA

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Publicado em out/03