Em 67 quando já
tínhamos feito os primeiros documentários, acontece o
primeiro festival de Viña Del Mar no Chile, onde pela primeira
vez, cineastas da América Latina se encontraram na América
Latina. Era comum até essa época, o pessoal se encontrar
em Pesaro, Veneza, Cannes, se encontravam na Europa, no Canadá,
mas foi a primeira vez na América Latina que cineastas latino-americanos
se encontravam em território latino-americano e a partir daí
começaram a se desenvolver uma série de relações,
e é desse momento que conheço o Solanas, o Miguel Littín,
o Sanjinés, Santiago Alvarez e vários outros, o Birri
estava aí naturalmente... Um livro que dá mais ou menos
essa conjunção de coincidências é o livro
de José Carlos Avellar, A Ponte Clandestina, que conta que como,
apesar de serem pessoas que não se conheciam, tinham projetos
mais ou menos semelhantes em diversos momentos e diversos países
da América Latina.
Você tinha a experiência do Sanjinés na Bolívia,
do Lettín no Chile, do Solanas na Argentina, o pessoal do Uruguai...
enfim, o pessoal do México, do Peru, da Venezuela, e assim por
diante. Esse encontro em 67, em Viña Del Mar, que consegue se
repetir em 68 em Mérida, na Venezuela e volta a ter em 69 em
Viña Del Mar e a partir daí desses 3 ou 4 encontros e
o que se realizam em 72, 70 e outros no Canadá, se forma um organismo
informal, chamado Comitê de Cineastas Latino-Americanos. Esse
comitê o que era: esse pessoal que se reuniu nesses vários
encontros internacionais na América Latina que tentava de uma
maneira ou de outra encontrar meio e forma para que o cinema latino-americano
fosse reconhecido e produzido pela América Latina. Então,
filme brasileiro na Argentina, algumas coisas começaram a ser
ensaiadas. Por exemplo esse tal argentino que veio para cá fazer
produção, o Edgardo Pallero, consegue levar junto com
Luís Carlos Barreto uma série de longas brasileiros para
serem exibidos na Argentina, é feito um longa chamado ABC, que
tinha um filme do Brasil, Argentina e Chile, que se eu não me
engano o Eduardo Coutinho participa num desses capítulos, enfim,
era uma série de tentativas desse tipo de integração.
Até aquele momento não havia tanto problema. Você
viajava mais ou menos tranqüilamente, dependendo do filme que você
levava na mala, mas ainda não havia atingido o auge da repressão.
Começa a complicar no Chile a partir de 73, na Argentina a partir
de 76, aqui no Brasil a partir de 71, até 70 e poucos você
mais ou menos conseguia viajar com uma certa tranqüilidade. A partir
dessa época, esse comitê que havia sido formado essencialmente
para estar voltado para os problemas de integração, co-produção,
divulgação, distribuição, o toma uma certa
forma mais política. Começa a dizer: olha, o Raimundo
Gleiser foi assassinado na Argentina, o Solanas tem que ir para Europa,
o Glauber está na Europa, o Littín tem que se exilar na
Espanha, e daí para frente. E mesmo assim algumas produções
internacionais conseguem ser feitas, por exemplo o Edgardo Pallero junto
com o Sanjinés consegue fazer nos anos 70 e tantos dois longas-metragens
na Bolívia, baseados em histórias verídicas de
mineiros de cobre, enfim, com muita dificuldade.
Até que em 79, se realiza o primeiro Festival Internacional de
Cinema Latino Americano de Havana, e de uma certa forma é esse
Comitê que consegue fazer chegar a Cuba filmes de países
nos quais Cuba não tinha relações diplomáticas:
então vai chegar filme do Chile, da Argentina, filmes de todas
partes, através dos mais tortuosos caminhos do mundo mas chegava
o filme. E esse Festival de Havana começou a ter grande importância
América Latina, por ser possível você ver num só
lugar, coisas que normalmente você não vê e lugar
nenhum. O Festival de Havana era esse ponto de encontro, junto com outra
decisão do Instituto Cubano e Arte Revolução Cinematográfica
que era sempre comparar tudo que era produzido na América Latina.
Durante muito tempo, eles comparavam cópias para se ter em Cuba
a demonstração da produção mais recente
de toda a América Latina coisa que aqui não chegava. Muito
bem, em 79 tem esse primeiro Festival, pois até 79 estava produzindo
coisas, e a cada ano ia se repetindo o convite, e de 79 até 85
eu não produzi mais nada, fiquei trabalhando na Cinemateca, voltei
a fazer publicidade, coisa que não gostava, para ganhar dinheiro...
Em 85 me convidam de novo para o Festival de Havana. Eu falei, "eu
vou esse ano senão nunca mais me convidam e quero aproveitar
essa viagem"... E encontro em 85, quando fui a Havana, com pessoas
que já conhecia desde os Festivais de Viña Del Mar, desde
1979 quando fui lá a primeira vez, gente que tinha posição
intermediária já estava em altos escalões, e fui
conversar com um cara que na época era o Diretor Presidente do
ICAIC, que é o Instituto de Cinema de lá.
Aí ficamos trocando figurinha de 6 anos que não nos víamos
e entre outras coisas ele me disse: "olha, lembra daquela discussão
que nós tínhamos sobre se valia ou não a pena ter
uma escola de cinema? Esse ano se decidiu formar aqui em Cuba uma fundação
de direito privado, vai ser lançada a idéia durante o
Festival de Cinema e vai ser feita uma data de nascimento, uma escritura".
Lá em Cuba, com exceção das leis revolucionárias,
as leis civis são as mesmas desde sempre, você pode ter
uma Fundação, o Direito Civil é o mesmo. Organizaram
uma Fundação de Direito Privado, que tem sede em Havana,
e é igual a qualquer Fundação, Rockfeller, Ford...
Então foi feita essa fundação (FNCL - Fundacion
del Nuevo Cine Latinoamericano) que tinha como matriz aquele grupo que
pertencia ao famoso Comitê de Cineastas da América Latina
que era informal mas existia enquanto grupo, e outras pessoas que não
eram, entre essas, foi convidado a participar o Gabriel Garcia Marquez
para ampliar o quadro de pessoas.
Julio Garcia Espinosa, Diretor Presidente do ICAIC comentou: "vai
ter esse negócio e pode ser que no final do Festival se anuncie
que tem esse projeto mas você não comente ainda"...
e eu estava de índio lá, disse para mim mesmo: "vamos
ver o que acontece no final". Na solenidade de encerramento no
Teatro Karl Marx, o Fidel fez um discurso, falou 45 minutos e disse:
"me informaram agora a pouco que se tem uma idéia de se
fazer uma escola Latino-Americana de Cinema e Televisão, eu apoio
integralmente essa idéia, a única ressalva que faço
é que tinha que ser também pro Caribe, para Ásia
e para África". Aplauso, fecha a cortina e na minha cabeça
pensei: "o ano que vem, deve ter uma maquete da escola, bonitinha
com folhetinho, aí no outro ano vai começar a construção,
aí daqui 2 anos está pronta, no 3a. ou 4a. ano é
que vai começar a ser escola"...
E desde 64 até essa época mantive contato com o Birri,
ou porque ia à Europa e o visitava em Roma, ou por carta, enfim
foi uma amizade que se manteve através do tempo, apesar das interrupções
de distância e de tempo, ele só veio para o Brasil de novo
em 83, desde 64, no festival de cinema do Rio de Janeiro. Para tornar
a estória curta, o que soube depois é que terminada essa
tal solenidade, me contaram que o Fidel chamou todo mundo de canto e
disse: "que estória é essa dessa escola, onde vai
ser, quando vai ser, quanto vai custar, com vai funcionar, como é
que é..." enfim, tinham que encontrar alguém, e o
Gabriel Garcia Marquez já tinha topado ser o presidente da Fundação,
mas a Fundação, enfim, a Escola vai pertencer à
Fundação, como é que é? O Garcia Marquez
disse: "para essa Escola, quero chamar, num primeiro momento, uma
pessoa da minha confiança para ser diretor da Escola e se essa
pessoa não aceitar nós podemos ver outros nomes".
Ele convida o Birri, porque o Birri estava preparando uma produção
de um longa-metragem de um conto dele em Cuba, que é "Um
senhor muito velho com umas asas enormes", um conto que ele adaptou
para longa-metragem, ia filmar em Cuba em 86.
E ele, o Birri, já tinha voltado para Europa depois do festival,
diz que o Garcia Marquez para ele pedindo que ele viesse até
Cuba para conversar sobre a escola. Chegou lá em janeiro, começaram
a discutir, começou a aparecer gente da UNESCO para dar informação
sobre Escolas de Cinema, e o Birri disse que aceitava se num primeiro
momento pudesse convocar para os dois ou três postos fundamentais
de direção da Escola, pessoas de sua confiança.
Aí ele chamou 3 pessoas e dentre elas eu. Eu para direção
docente, o Tarik Souki para produção, que é um
venezuelano e uma terceira pessoa que era uma cubana, a Lola Calviño
para direção administrativa da Escola, seria uma vice-diretora
das relações da Escola com o Estado Cubano.
Ele me telefona em fevereiro e me diz: "Sérgio, lembra aquela
idéia que se falou, você não quer vir passar uma
semana, 15 dias aqui para gente ver como pode ser".. E eu disse:
"bom, quinze dias não fazem mal a ninguém".
Fui lá, passei um mês, não sozinho, tinha umas 20
pessoas, o pessoal do ICAIC, gente que vinha de outros países,
durante 3 semanas ou mais, sentamos e trocamos figurinhas, enfim, resumindo,
ao final desse período tinha-se um projeto arquitetônico
do espaço que era possível ocupar, uma proposta de compara
de equipamentos, uma proposta de formatação do curso,
do curso regular e oficinas, seminários e apresentamos, isso
foi em março de 86.
Apresentamos para o Fidel na casa do Garcia Márquez ele falou:
"acho ótima a idéia", fez umas críticas
coerentes, disse que precisaria de mais espaço, que teria que
ter um lugar para os professores morarem, separados dos alunos, não
pode ser junto, enfim, resultou na seguinte coisa, para resumir: como
não havia espaço físico em Havana livre, nenhum
prédio livre e não havia brigada de trabalho que não
estivesse trabalhando, se descobriu que tinha nesse lugar que é
Santo Antonio de Los Baños que está a 40 km de Havana,
uma escola secundária que estava precisando de uma enorme reforma,
que tinha que ser desativada de qualquer jeito por causa dessa reforma,
que iria demorar um tempão... O Estado Cubano estava disposto
a pegar esse espaço, dentro de uma antiga fazenda, que no passado
era de uma irmandade de freiras, com não sei quantos alqueires
e disse: "Olha, nós vamos reformar esse espaço que
vocês dizem ser necessário para a Escola, vamos construir
dois prédios de apartamentos para os professores e diretores,
vamos fazer uma doação de equipamentos para vocês"
e, porteira fechada, o estado cubano doou tudo isso para Fundação.
Resultado: em abril de 86 se decidiu que ia ser essa escola, fui visitar
e ainda desconfiava, eu falei: pô até começar a
construir né? Quando voltamos em julho, para outra reunião
para saber como estava sendo encaminhada, o projeto já estava
em andamento, resumindo, de abril, quando começou a reforma,
ao final de novembro, a reforma estava feita, os dois edifícios
prontos, os apartamentos equipados, chegaram equipamentos do Japão,
da França, o Estado Cubano doou para Escola dois milhões
de dólares em equipamento e falou: é de vocês e
a partir de agora virem-se para manter esse equipamento; e durante um
certo tempo assumiu o compromisso de manter, de pagar as despesas que
fossem possíveis de pagar em moeda nacional, que era telefone,
combustível, água, salário dos professores cubanos
em pesos cubanos e passagem de avião a partir daqueles países
onde a Cubana de Aviação tivesse vôo, e foi feito
um acordo e durante muito tempo mantiveram essas relações.
Essa foi, digamos assim, a gênese de tudo.
|