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O Globo Repórter
desde sua criação, é um dos programas mais importantes
do jornalismo brasileiro. Mas, curiosamente, foram os cineastas que
criaram o Globo Repórter. Em seus primeiros anos, o programa
funcionava separadamente da Central Globo de Jornalismo. A equipe do
Globo Repórter trabalhava com certa independência da Central
Globo de jornalismo, pensava suas pautas e produzia seus programas sozinha.
O namoro da televisão com cinema sempre foi uma relação desconfiada. O cineasta intelectualizado achava a TV uma coisa menor. Mas havia um namoro. Tudo em verdade começou em 1967. Walter Clark era o diretor geral da Globo, ainda apenas uma emissora de televisão no Rio. Walter era o chamado executivo de sucesso, tinha vindo da TV Rio e tinha tudo para ser um vencedor. E tinha suas fantasias: sempre quis ser produtor de cinema. Por isso já vinha sendo cercado pelo Luiz Carlos Barreto e pelo Glauber Rocha para co-produções. Na TV, Walter queria documentários, embora uma vez, conversando com o cineasta baiano Paulo Gil Soares, tenha manifestado a vontade produzir um filme baseado no livro Judas - o Obscuro, de Thomaz Hardy, que estava em moda naquele período. "No momento não entendi e nem tive vontade de saber porque, achei apenas uma maluquice. Walter queria trazer gente de cinema para a televisão. Eu vinha de premiações internacionais por conta do Memória do Cangaço e ele me convidou para fazer um documentário sobre o Amazonas", conta Paulo Gil. Mas o cineasta baiano tinha outra idéia. "Eu propus fazer uma coisa sobre mitos e realidades, uma coisa que era muito a minha cabeça na época. Ele topou. Eu convidei Fernando Duarte, como fotografo, e José Antônio Ventura, como técnico de som, e juntos fomos para Manaus. Foi uma dos maiores enganos da minha vida", confessa. Nos primeiros dias de filmagens - em negativo preto e branco - com equipamento alugado, o gravador queimou. Era impossível falar com o Rio de Janeiro por telefonia comum. A equipe decidiu filmar sem som. Na volta, após o filme ser revelado no próprio laboratório da Globo, Paulo Gil descobriu que teria de fazer a montagem da maneira mais primária possível: ver a imagem em negativo, através de um visor (olho de boi) e quando colocasse o voz do locutor ou música, o negativo corria pelos trilhos nos 24 fotogramas por segundo tradicionais mas o som era ouvido no leitor sonoro que corria a 26 fotogramas por segundo. "Editávamos a fita na mão e para vê-la usávamos um projetor Bell and Howell, 16mm, que projetava em positivo, na parede, quando se virava uma chave. Era uma montagem absolutamente manual. Terminada a montagem, com a musica de Villa Lobos, A Floresta Amazônica, iniciando com planos aéreos sobre a selva e depois em sobrevôos de rios, a câmera descia e deslizava pelas águas e, nos paranás e ia descobrindo pessoas, pássaros, bichos e os mitos. Ficou um filme seco, sério, bonito numa aproximação honesta com aquelas gentes e paragens." Entregue o filme ele demorou de ser exibido. A equipe descobriu que as pessoas que vendiam comercial - não previsto no projeto inicial de Walter - tinham identificado uma oportunidade de alavancar o governo do Amazonas com alguns comerciais. "E lá se foi o trabalho para o brejo. Eles abriram o filme, aleatoriamente e sapecaram lá dentro, como recheio, tudo que puderam faturar. Bem, mas o pior vinha adiante. Levei três meses montando e seis meses para receber meu pagamento - eu precisava muito dele para viver. Desconfiei da Globo, reclamei do Walter que achou engraçado eu depender imediatamente do pagamento para continuar vivendo, riu muito e deu ordens para que me pagassem. Fui embora dizendo a ele que nunca mais voltaria." Mas voltou. Quatro anos depois, Walter Clark encontrou Paulo Gil no Bar Veloso (hoje Garota de Ipanema) e apresentou o projeto da Shell, que pretendia produzir 24 documentários. Diferente da primeira empreitada, desta vez havia dinheiro para pronto pagamento, para comprar equipamento e ser feito um trabalho profissional. "Já que tinha sofrido antes com a pobreza, tinha o direito de agora trabalhar com conforto. Walter me convenceu." brinca Paulo Gil. Paulo Gil Soares dirigiu os três primeiros documentários da série: Arte Popular, Testemunho do Natal e Como Come o Brasileiro - quando a Rede Globo, agora através de Armando Nogueira e Joe Wallach, pediu ao cineasta para coordenar a produção dos outros documentários e convidar novos cineastas para realizá-los. O contrato seria de dois anos, ganhando bem. Ele topou. Embora com alguns pequenos senões, como o gravador que não era síncrono com a câmera, a equipe começou a trabalhar em filme negativo colorido, sonorizado no laboratório de som da Cinemateca do MAM, no Rio. Carlos Della Riva e Goulart, conseguiam sincronizar o filme com seu som direto. E a montagem era feita em moviola - um fantástico progresso. No final de 1972, a Shell estava descontente com os últimos documentários da série. A proposta inicial de 24 documentários foi reduzida a 20 e por fim a Shell desistiu de continuar com o horário. O projeto saiu do ar. Paulo Gil tinha um contrato e ficou sem fazer nada por três meses, até que um dia leu nos jornais que Henry Kissinger - que negociava a paz na Guerra do Vietnã - declarou que "a paz está ao alcance da mão". A guerra do Vietnã estava nos noticiários todos os dias, mobilizava a rebeldia dos jovens americanos e chocava o mundo. "Mas como tinha começado aquela guerra? que país era aquele? Eu achei que se poderia fazer um belo "especial " com aquele tema." conta Paulo Gil. O jornalista Humberto Vieira era o responsável pelo espaço internacional do Jornal da Globo, na época e era amigo de Paulo Gil desde a Bahia, onde trabalharam juntos em jornal. Humberto tinha acesso às agencias internacionais, tinha material de arquivo e dominava o tema. Paulo Gil pediu então que ele escrevesse um texto-pesquisa para que pudesse compor o material e editar um programa. A proposta era fazer uma matéria como se fosse para a revista Realidade, da Editora Abril, revista que tinha o melhor time de repórteres especiais do país na época, entre eles o Hamilton Ribeiro que tinha feito matérias no Vietnã e, por fatalidade, virou capa da revista ao pisar numa mina e perder a perna. Paulo Gil foi a São Paulo e entrevistou o Hamilton para o programa. "Fizemos um belo especial que se chamou Vietnã, O Preço da Paz". Ele foi ao ar no mesmo horário em que era exibido o Globo Shell, onze da noite de uma sexta feira. Alguns anos depois, já no Globo Repórter eu trouxe o Zé Hamilton Ribeiro para nossa equipe", explica Paulo Gil. Trabalhar com material de arquivo era a especialidade de Luiz Carlos Maciel, que entrou no programa em 1974. Luiz Carlos era redator e editor do Globo Repórter. Seu primeiro programa foi A Era do Rock. "Eu juntava o material, organizava, fazia um roteiro e escrevia o texto. E na época, eu era metido a estar atualizado nesse negócio de rock n'roll." Alguns dos programas de Luiz Carlos também tinham material de externa produzido pela equipe da época. Outro programa feito somente com arquivo foi um especial sobre Marylin Monroe, do qual Luiz Carlos se orgulha muito: "Eu gostei muito de fazer este programa e acho que talvez ele tenha ficado mais bonito que o da Índia. É difícil decidir." voltar
ao topo da página Na segunda feira seguinte, quando Paulo Gil chegou à Rede Globo, a direção estava nervosa. Armando Nogueira não escondia suas preocupações. Otto Lara Resende mandou chamar Paulo Gil e disse que as chamadas "forças de segurança" tinham reclamado contra o programa afirmando "que ele tinha uma visão comunista da guerra". E era intencionalmente ideológico, pois apresentava cenas dos guerrilheiros risonhos e o general Giap fazendo brindes à vitória; os americanos estavam sempre sujos, feridos e, quando se mostrava o general Westmoreland, ele estava visitando feridos, demonstrava preocupações, era uma imagem de derrota. Otto disse para Paulo Gil que ele não deveria se preocupar, mas que se preparasse pois talvez tivesse de dar explicações àqueles coronéis responsáveis pela Censura que circulavam pelos corredores. Os censores estavam
sempre pela emissora de televisão, atentos a tudo que o jornalismo
produzia. A informação era uma arma de guerra. Paulo Gil
conta como era sua visão destes profissionais: "Os censores
eram fantásticos. Os primeiros eram militares. Eles só
viam fantasmas. Tudo era proibido deveria ser como a censura militar
queria. Eu me mantive tranqüilo, se é que era possível
alguém ficar tranqüilo diante da possibilidade de um interrogatório
militar e o eventual desemprego. Minha tranqüilidade se baseava
no fato do material que eu tinha usado pertencer à embaixada
americana. Eu havia conhecido antes, numa daquelas festas de Ipanema
dos anos 70, o Adido Cultural dos EUA, um americano bonachão
chamado Hart - não me lembro do seu primeiro nome - e quando
precisei de material para completar o programa, tinha recorrido a ele.
Em São Paulo eu tinha sido seguido até o Hotel Higienópolis, mas o espião - talvez por mais competência - eles tinham perdido no trânsito. Corri para a sala do Otto, ele chamou o Paiva Chaves, eu expliquei então a origem das suspeitas dos militares e acabou a vigilância. Por que? Eu estava produzindo a serie O Mundo em Guerra, escrita e editada por um sobrevivente do Gueto de Varsóvia e do campo de Mautthausen, Marcos Margulies. O narrador era o ator Walmor Chagas. Como Walmor viajava para os países que foram cenário da guerra, eu sempre pedia a ele para visitar as cinematecas e buscar material que nos ajudasse a fazer bons programas, Numa dessas viagens, a Stalingrado, Walmor voltou com a informação de que havia um documentário - que o Cosme Alves Neto, meu saudoso amigo, então diretor da Cinemateca do MAM, me disse que era maravilhoso - A Marcha Para O Oeste que mostrava a defesa de Stalingrado, Leningrado e Moscou. Era a guerra vista pelos olhos dos soviéticos, material que nem mesmo a Cinemateca de Berlim possuía. Pedi a José Cordeiro, nosso produtor de jornalismo, que fizesse contato com a embaixada e tentasse obter o material. A embaixada mandou seu Adido Cultural, Dimitri, para conversas iniciais, ver algum programa da nossa série e negociar a venda do material. Dimitri, depois de duas semanas, voltou com o documentário, negociamos o preço, na época 15 mil dólares - valia muito mais pelo que renderia a vários programas - e realmente começou a voltar à Redação do GR. Como era formal, sempre telefonava avisando antes que viria. Certamente - não sei ao certo, presumo - ou o telefone da embaixada ou o do GR, estava grampeado e os "vigilantes" acompanhavam ele. Não tenho a menor idéia se era ou não espião da KGB. Ele vinha porque a gente tinha se metido numa brutal confusão de moedas, diplomacia, espionagens. Fato simples: a embaixada não queria (ou podia ) receber em dólares, e até eu entender melhor, não queria receber nem em dólares, nem no Brasil. Queria pagamento em rublos e em qualquer lugar da União Soviética. Como era uma coisa muito confusa, a Globo não conseguia pagar. E o Adido voltava para reclamar. Nosso encontro no Santos Dumont tinha sido apenas coincidente. Íamos os dois para São Paulo no mesmo dia, no mesmo vôo. Nossos coronéis falaram com vários colegas e a coisa esmaeceu. Quando o Dimitri apareceu mais uma vez para cobrar, eu disse que nós ou pagaríamos em dólares através de nosso escritório em Nova Iorque ou em cruzeiros, imediatamente, através de um cheque administrativo contra recibo da embaixada. Um administrativo brasileiro da embaixada recebeu em cruzeiros mesmo o pagamento devido e ficou mais esta história da nossa admirável Inteligência da ditadura militar. Dela temos mais duas histórias: Primeiro compramos um material da Produtora Wolper, americana um documentário muito interessante que era a chegada de Jesus em Jerusalém e todos os outros episódios disso decorrentes; a traição de Judas, sua prisão julgamento e morte, como se tivesse visto e reportado por um repórter de época, buscando a verdade dos fatos. A censura não deixou passar as palavras exércitos (romanos...) generais (romanos...) traição (de Judas...) denuncia (contra Jesus...) processo... Segundo, compramos do grupo americano Time/Life um documentário, As Memórias de Kruschev, onde o ex-secretário do Partido Comunista da União Soviética denunciava os crimes de Stalin. Eles, os militares, proibiram que se exibissem os trechos da Revolução Bolchevique, as imagens de Lenin mobilizando as massas, a visita de Kruschev à ONU e mais vinte e seis cortes de seqüências inteiras. O resultado ficaria desastroso. Desistimos do documentário," conta Paulo Gil. Ficou a certeza
de que eles haviam descoberto um formato de programa com aproveitamento
de arquivos e entrevistas, descoberto um horário novo, só
faltava a Rede Globo decidir o que fazer. Em 1973 foi planejado um novo
programa jornalístico e numa reunião José Bonifácio
de Oliveira, o Boni pediu à Paulo Gil que ele visse uma fita
cassete, em U-matic, do programa americano Sixty Minutes, que poderia
ser o formato que se queria para o novo programa. A partir da experiência
do Globo Shell, Paulo Gil insistiu que se poderia fazer um programa
de jornalismo aprofundado, com o formato de documentário. Boni
aceitou a idéia e pediu que se fizesse um piloto. O piloto foi
feito mas ele não se convenceu de que aquele formato deveria
ser usado de imediato e ordenou que nas primeiras experiências,
num programa de 43 minutos úteis e 4 brakes comerciais, fossem
desenvolvidos quatro temas diversos. Nascia o Globo Repórter
com exibição às 23 horas de sexta-feira. A equipe
tinha que ter jogo de cintura. Afinal, o programa era feito sob a ditadura
militar, com sua censura e o medo dos militares criando uma outra censura,
a interna, embora ela se limitasse apenas à temática -
o que já era muito. Boni tinha ainda, uma outra preocupação
que terminava por ser também um formato censorial, os temas teriam
que buscar audiência cada vez maior. Embora cercado de barreiras
o programa crescia em sucesso, e com isso a Censura passou a ser mais
rígida. Um dos programas que Luiz Carlos lembra com mais carinho era sobre a presença da cultura japonesa no Brasil. "A Suave Invasão foi feito com arquivo e com entrevistas e é um programa que eu gosto muito. Mas um dos programas que eu mais gosto é sobre a Índia e o rio Ganjes, que acabei transformando num Globo Repórter sobre o hinduísmo; sobre a filosofia e a religião hinduísta. Usei as imagens de arquivo e a arte do texto. Importante dizer que as imagens foram selecionadas em função do meu texto e não o texto em função das imagens." O setor de análise e pesquisa identificou que se o programa fosse também exibido num segundo horário, diurno, ele teria outro tipo de publico e a soma dessas audiências poderia preparar o programa para um horário mais próximo da proposta de ampliar o espaço do jornalismo na grade de programação do horário nobre da rede. Em julho de 73 a Rede Globo preparava o lançamento do Fantástico - o Show da Vida para a faixa das 21 horas do domingo. Como a soma dos dois horários do Globo Repórter era boa, o programa ganhou o espaço das 21 horas, às terças feiras. Aos poucos, por artimanhas da equipe, o número de temas por programa foi diminuindo e, antes que alguém se desse conta, a equipe já trabalhava com um único tema, dando a ele tratamento de documentário cinematográfico. "Bons tempos em que o programa ainda era feito em película. Porque o programa foi desenvolvido a partir do Globo Shell, que era uma coisa que o Paulo Gil tinha inicialmente bolado para os documentaristas de cinema, para que o trabalho de documentaristas como ele aparecesse na televisão. Então, os cineastas filmavam em 16mm e a edição era feita nas salas de montagem, na moviola. Só o acabamento depois que era feito em VT, onde eram acrescentadas as cabeças do Sérgio Chapellin gravadas em VT," lembra Luiz Carlos. A equipe do Globo Repórter era composta de jornalistas que também tinham feito cinema e, por falta de produções com as constantes crises do setor, migravam para a televisão com uma perspectiva de fazer jornalismo com linguagem de cinema. Desde o projeto Globo Shell, Paulo Gil vinha convidando cineastas para trabalhar com ele. "Fracassamos com muitos deles. Eu pude (e soube) escolher melhor no Globo Repórter e pude ter como companheiros Eduardo Coutinho, Walter Lima Júnior, Luiz Carlos Maciel, Maurice Capovilla e João Batista de Andrade na equipe fixa, e vez por outra experimentava outros diretores," explica Paulo Gil. "Eu me ofereci", confessa Luiz Carlos. "Eu queria trabalhar em televisão. Já tinha trabalhado em jornalismo, teatro, cinema, mas ainda não tinha trabalhado em televisão. E como eu conhecia o Paulo Gil, era meu amigo de longa data, eu procurei ele e fui contratado." "Tenho certeza que trouxemos para a Globo, da época, algumas informações modificadoras: trouxemos a necessidade de novos equipamentos, sobretudo os portáteis, cinematográficos, formamos novos técnicos, trouxemos a preocupação com o enquadramento, a utilização de planos de narrativa do cinema, tínhamos uma preocupação permanente com a iluminação, a edição era de cinema e as filmagens externas, sempre. Mas como era TV, evitamos planos gerais, o enquadramento era sempre feito com planos mais próximo," explica Paulo Gil. "A maneira como o documentário é pensado para cinema é mais profunda do que da reportagem jornalística. Então esta foi a principal contribuição do Globo Repórter para a televisão. Foi a possibilidade de aprofundar os assuntos, que tratados jornalisticamente são superficiais, não tem uma vivência de assunto." comenta Luiz Carlos. O Globo Repórter era um programa de autores, onde seus diretores primeiro conversavam com as pessoas, depois montavam seu equipamento para colher depoimentos e filmar imagens que seriam posteriormente usadas no programa. O tempo do programa era outro. A linguagem do programa era outra. A proposta do programa era outra. "As vezes éramos criticados: Este programa se chama Globo Repórter, mas nem aparece o repórter! Mas tinha o diretor do programa, que não aparecia mas era um autor deste programa; no sentido de que o cineasta é o autor de um filme. Então eles tinham vivenciado o assunto de uma forma que o repórter não vivência." explica Luiz Carlos. Na verdade, o Globo Repórter mostrou para a televisão que existia a possibilidade de se fazer uma abordagem mais profunda dos assuntos. "O Globo Repórter daquela época era diferente da televisão. Trabalhávamos em um lugar sossegado, longe do alvoroço da emissora, do jornalismo. O telejornalismo diário é uma coisa da maior adrenalina, porque tem que ir ao ar todos os dias. Um programa semanal como o Globo Repórter era mais calmo. Além disso, a gente não trabalhava para o programa semanal, cada diretor tomava conta de seu programa. Eu do meu, o Walter Lima Jr. do dele. Na outra semana era o do Eduardo Coutinho, na outra era do Washington Novais. Então, na verdade, eu não fazia mais do que um programa por mês. O ritmo de produção do programa era de cinema" ressalta Luiz Carlos. O trabalho era cooperativo e solidário. Não havia reuniões formais entre os profissionais. O organograma era muito simples; um diretor, um diretor de criação, assim chamado como responsável pelas pesquisas e texto final, logo substituído pelo que seria o Chefe da Redação, editores que ficavam responsáveis pela orientação do programa, repórteres, cinegrafistas, operadores de áudio, produtores de jornalismo e seus produtores de campo e montadores de moviola. Nas viagens as equipes eram compostas de um produtor, um repórter, um cinegrafista e um técnico de som.. O editor informava ao repórter o que queria e orientava a captação das imagens, entrevistas, analisava o material recolhido, organizava a edição, colocava o texto e fazia o corte final. Essa a regra. Mas algumas vezes, nas premências, um texto era escrito e gravado no tempo do programa e a equipe corria atrás de imagens produzidas ou de arquivo e o programa ia sendo recheado. A grande preocupação da equipe era outra. "O grande problema era mesmo a pauta. A Censura era braba, ao vivo e em cores, presente. Eu era obrigado a enviar os textos para Brasília com oito dias de antecedência e o programa só era exibido se tivesse o certificado de censura obtido após a exibição em circuito interno para os censores. Essa dependência gerava insegurança na produção, era um programa semanal, se eles proibissem ou demorassem na aprovação, ameaçava a programação. Nós não tínhamos equipamento suficiente para produzir com folga - tínhamos agora 3 câmeras CP, com pilot-tone e gravadores Nagra, depois substituídos por película colorida, reversível - foi necessário então compor a programação mensal com documentários internacionais que adaptávamos, reeditávamos e, quando possível, completávamos com um segmento nacional produzido por nós." conta Paulo Gil. Eduardo Coutinho
fez vários programas sobre o nordeste brasileiro. Documentários
feitos em locação. Aqui cabe um mérito ao Globo
Repórter. Cabra Marcado para Morrer, o documentário mais
famoso de Coutinho, havia sido iniciado em 64, mas com a revolução
o cineasta se viu obrigado a abandonar o projeto. Somente depois de
seu retorno ao nordeste, propiciado pelos programas que fez para o Globo
Repórter, Coutinho conseguiu retomar e finalizar seu filme sobre
a revolta de camponeses. O importante, como tudo na época, era agradar o Boni. Se o Boni gostava já era sucesso começado. E se Boni gostava - e exigia cada vez maior competência - ele também facilitava acesso a informações internacionais, mandava que Paulo Gil viajasse para ver e comprar coisas, enfim, prestigiava e muito o Globo Repórter. Foi nesse momento que Paulo Gil teve a idéia de criar "selos" indicativos para as categorias que o Globo Repórter iria apresentar: GR Atualidades - baseado nos grandes temas jornalísticos quem marcavam o mês, GR Ciência, GR Pesquisa, GR Arte e os GR especiais, que eram mais complicados para se colocar no ar, pois era um programa absolutamente up-to-date como o assassinato de Sadat, o atentado ao Papa ou a guerra das Ilhas Malvinas/Falklands. O sucesso do programa
crescia. Crescia porque não havia nada igual nas televisões
daquela época. Havia uma carência que era suprida pelo
Globo Repórter. Era um programa nobre, de qualidade, responsável,
inquieto, instigador. De repente, professores e estudantes começaram
a solicitar os textos do programa e, logo, a tiragem para atendimento
externo foi ampliada. Até a Editora O Globo pensou em fazer uma
revista Globo Repórter, idéia que não foi adiante.
Anos mais tarde, quando dirigia a revista Amiga, da Bloch, o crítico
de televisão - hoje senador, Artur da Távola, passou a
publicar os textos num encarte especial. "Tudo isso ajudava o sucesso.
Nós éramos cuidadosos. Não usávamos nos
textos palavras difíceis ou rebuscadas, escrevíamos em
frases diretas, concisas, sem adjetivações, se a imagem
"contava" não usávamos textos." orgulha-se
Paulo Gil. Fora alguns problemas de vaidade, o programa ia muito bem.
"Aqui havia um outro pequeno problema que tínhamos de resolver
sempre: como havia na equipe alguns jornalistas só textistas
- quando as matérias eram solucionadas apenas com a narrativa
das imagens e das estórias que as pessoas contavam - isso prescindia
os textos - essas pessoas ficavam ressentidas pois se sentiam desimportantes."
explica.
O Globo Repórter ficou fora do ar por uns três meses. Robert Feith veio de Londres para dirigi-lo. Ele procurou Paulo Gil pedindo colaboração, mas o velho baiano se recusou. O Globo Repórter mudou seu formato, passou a fazer reportagens, deixou de ter equipes exclusivas, seus equipamentos passaram a compor o pool de equipamentos gerais, começou a usar repórteres dos telejornais e claro, começou a usar a linguagem dos telejornais e cada repórter começou a usar o formato do Stand-up e cada um fazia a sua versão pessoal da matéria e não mais a reportagem, ela mesma, ela própria. Para Luiz Carlos,
quando o Globo Repórter passou para a área de Armando
Nogueira, o estilo do programa mudou completamente. "O programa
deixou de ter o estilo de documentário cinematográfico
e passou a ser telejornalismo igual aos jornais, descaracterizou aquela
originalidade que o Globo Repórter tinha. O Globo Repórter
perdeu a personalidade" Na visão de Paulo Gil, se tornou
um programa como todos os outros. Hoje, a Central Globo de Jornalismo
tem nova direção - a segunda desde a saída do Armando
Nogueira - e o Boni também não trabalha mais com o jornalismo.
E o Globo Repórter volta ao tema único, ao documentário
clássico - exatamente aquele que foi recusado há 15 anos
passados. Luiz Carlos acredita que os documentários feitos hoje
para televisão por produtoras como a Conspiração
resgatam um pouco o antigo formato do Globo Repórter.
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publicado em 13/08/2001 | |||
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