Algumas considerações sobre o documentário Viramundo
por Carlos Henrique Gomes Pimenta*


O documentário Viramundo (Geraldo Sarno, 1965) pode ser compreendido como uma narrativa do processo de adaptação das pessoas que estavam inseridas no intenso fluxo migratório do nordeste em direção ao centro-sul (cidade de São Paulo) do Brasil pelos idos dos anos 60. Assim, uma das questões mais significativas está relacionada ao modo de representação no filme das dificuldades de "integração" destes migrantes neste contexto de grande ênfase numa racionalidade industrial, tecnológica. Com isso, os conflitos presentes no filme, na forma da oposição, entre emprego e desemprego, modernidade e atraso, norte e sul, capital e trabalho. Assim sendo, temos neste âmbito simbólico toda uma complexa inter-relação de cooperação e de conflito, em que estes valores (sofrimento, cura, caridade, fé) são estruturados e estruturantes, dando sentido às práticas dos fiéis (Carneiro, 2000).

A partir destas ambigüidades, o filme mostra acontecimentos expressivos do drama vivido por estas pessoas quando chega à caridade religiosa, ou mesmo, durante os cultos evangélicos e nos rituais umbandistas. Nas imagens de possessões, de transe, e das grandes efervescências religiosa, ocorre à omissão do narrador off no filme, expressando no limite, as dificuldades da construção de um documentário, em fazer um discurso racionalista sobre aquilo que insiste em fugir para o âmbito do impensável. Entretanto, essas imagens, com sua peculiaridade em documentar algo considerado, à época, como tabu, são significativas para elaborarmos nossa relação com filme, de estranhamento e aproximação.

Portanto, o importante nesse sentido é a coerência ganhada na evocação das histórias, através do encontro entre imagens e indivíduos, por meio da reconstrução do fluxo do tempo fílmico, que passa a existir com a projeção do filme, e que, torna significativo à busca da intersubjetividade. Nesta aproximação maior da "realidade" do cinema, temos a oportunidade de percebê-la como se fosse a nossa, porém sabendo que são coisas distintas. Por isso, o filme pode ser entendido como uma reconstrução de uma determinada realidade, mas que dela também se distingue.

A produção do filme Viramundo contou com a colaboração dos sociólogos Octávio Ianni, Juarez Brandão Lopes e Cândido Procópio F. de Camargo, para a elaboração do argumento central. Nessa direção, o argumento central do filme foi influenciado pela tese desenvolvimentista e por outros temas predominantes nas Ciências Sociais do período, como o tema da modernização, da industrialização e da urbanização. Estas relações foram, como já foi dito anteriormente, paradigmáticas para os "documentários sociológicos" ou "documentários etnográficos" que foram produzidos posteriormente no Brasil. Além disso, o uso de imagens que abordavam questões religiosas, da forma como foi feita em Viramundo, era considerado praticamente inédito até então para os documentários brasileiros.


Bibliografia:

CARNEIRO, Sandra M. C. de Sá. Resenha do filme Viramundo. Cadernos de Antropologia e Imagem. Rio de Janeiro, 11(2): 147-150, 2000.
XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2001 (Coleção leitura).

* bacharel em Ciências Sociais

publicado em 13/09/04