O documentário
Viramundo (Geraldo Sarno, 1965) pode ser compreendido como uma narrativa
do processo de adaptação das pessoas que estavam inseridas
no intenso fluxo migratório do nordeste em direção
ao centro-sul (cidade de São Paulo) do Brasil pelos idos dos
anos 60. Assim, uma das questões mais significativas está
relacionada ao modo de representação no filme das dificuldades
de "integração" destes migrantes neste contexto
de grande ênfase numa racionalidade industrial, tecnológica.
Com isso, os conflitos presentes no filme, na forma da oposição,
entre emprego e desemprego, modernidade e atraso, norte e sul, capital
e trabalho. Assim sendo, temos neste âmbito simbólico toda
uma complexa inter-relação de cooperação
e de conflito, em que estes valores (sofrimento, cura, caridade, fé)
são estruturados e estruturantes, dando sentido às práticas
dos fiéis (Carneiro, 2000).
A partir destas
ambigüidades, o filme mostra acontecimentos expressivos do drama
vivido por estas pessoas quando chega à caridade religiosa, ou
mesmo, durante os cultos evangélicos e nos rituais umbandistas.
Nas imagens de possessões, de transe, e das grandes efervescências
religiosa, ocorre à omissão do narrador off no filme,
expressando no limite, as dificuldades da construção de
um documentário, em fazer um discurso racionalista sobre aquilo
que insiste em fugir para o âmbito do impensável. Entretanto,
essas imagens, com sua peculiaridade em documentar algo considerado,
à época, como tabu, são significativas para elaborarmos
nossa relação com filme, de estranhamento e aproximação.
Portanto, o importante
nesse sentido é a coerência ganhada na evocação
das histórias, através do encontro entre imagens e indivíduos,
por meio da reconstrução do fluxo do tempo fílmico,
que passa a existir com a projeção do filme, e que, torna
significativo à busca da intersubjetividade. Nesta aproximação
maior da "realidade" do cinema, temos a oportunidade de percebê-la
como se fosse a nossa, porém sabendo que são coisas distintas.
Por isso, o filme pode ser entendido como uma reconstrução
de uma determinada realidade, mas que dela também se distingue.
A produção
do filme Viramundo contou com a colaboração dos sociólogos
Octávio Ianni, Juarez Brandão Lopes e Cândido Procópio
F. de Camargo, para a elaboração do argumento central.
Nessa direção, o argumento central do filme foi influenciado
pela tese desenvolvimentista e por outros temas predominantes nas Ciências
Sociais do período, como o tema da modernização,
da industrialização e da urbanização. Estas
relações foram, como já foi dito anteriormente,
paradigmáticas para os "documentários sociológicos"
ou "documentários etnográficos" que foram produzidos
posteriormente no Brasil. Além disso, o uso de imagens que abordavam
questões religiosas, da forma como foi feita em Viramundo, era
considerado praticamente inédito até então para
os documentários brasileiros.
Bibliografia:
CARNEIRO, Sandra
M. C. de Sá. Resenha do filme Viramundo. Cadernos de Antropologia
e Imagem. Rio de Janeiro, 11(2): 147-150, 2000.
XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e
Terra, 2001 (Coleção leitura).
* bacharel em Ciências Sociais
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