Ópera
|
por
Filipe Salles
|
A
ópera é um dos temas mais complexos da música; só
ela daria um tratado inteiro. Aqui, não posso me ater com tanta profundidade,
primeiro porque existem um sem-número de estilos e correntes diversas
que nos fornecem as diretrizes arquitetônicas sobre as quais se apóiam,
e segundo porque meu repertório operístico não é
tão vasto ao ponto de poder esmiuçá-lo com grande relevância.
Mesmo assim, posso traçar algumas linhas gerais bastante úteis
ao leigo.
|
Origens
|
A
palavra é da mesma origem que Opus, e representa, em latim,
o plural de "obra". Parece muito significativo que ela tenha sido
inventada no final da Renascença, mais precisamente em 1597. A característica
mais marcante deste período, e que justifica seu título de
fazer algo renascer, foi a necessidade da cultura européia promover
uma retomada do conhecimento científico, estético e filosófico
da antigüidade clássica (Grécia e Roma) e colocado tal
conhecimento em contraposição aos dogmas existentes pela ditadura
eclesiástica. O resultado foi uma expansão cultural inédita
no ocidente, que se refletiu formidavelmente na arte. Todos conhecem bem
a Arte Renascentista, que até hoje perdura, através de nomes
como Michelângelo e Leonardo, como das mais perfeitas e belas já
criadas pelo homem, referência estética atemporal. |
O
cenário musical evoluiu igualmente, mas foi necessário que
antes houvesse a absorção estética de todos os conceitos
da antigüidade. Passou-se o trecento, o quattrocento
e somente no final do cinquecento, é que este ideal estético
foi aplicado satisfatoriamente à música. É fato que
os gregos, naquilo que chamavam arte poética (que englobava a poesia
e o teatro), empregaram recursos sonoros bastante sofisticados, mesclando
palavras e música para criar uma emoção específica
(Aristóteles descreve bem os fins da tragédia em sua Poética),
a chamada catarse. Mas a música até o cinquecento não
tinha elementos para mesclar ambas as artes, uma vez que o estilo vigente
era essencialmente contrapontístico (que se deve à descoberta
e expansão da polifonia, antes amarrada pela ditadura eclesiástica
do cantochão). Ficaria muito complicado distribuir papéis
a cantores quando a onda da música era trabalhar com várias
melodias ao mesmo tempo (o contraponto).
Assim, apenas no fim dos anos 1500 é que a idéia de uma Obra
que unisse poesia, dramaturgia e música pôde tomar forma. A
literatura tinha Shakespeare, Cervantes, Molière, Racine, a pintura
tinha Caravaggio, Rembrandt, El Greco (só para citar alguns, e sem
falar nos cientistas todos), e faltava um correspondente a altura na música.
|
A
ópera nasceu, portanto, do estudo de alguns poetas e músicos
de Florença (Itália) no ideal da tragédia, espelhada
na poética aristotélica de estrutura, mas essencialmente
modificada para satisfazer necessidades musicais e dramáticas
do pré-barroco. Os primeiros librettos (o texto da ópera,
semelhante à um poema dramático, que serve à
encenação e que deverá ser musicado) foram escritos
pelo poeta Ottavio Rinuccini, e, não por acaso, todos tiveram
como tema a mitologia greco-romana, a maioria com várias reincidências:
Dafne (1597, a primeira que pode ser chamada de ópera)
e Euridice (1600, do mesmo autor - existe uma outra Euridice,
do mesmo ano, de Giulio Caccini), ambas com música de Jacopo
Peri (1561-1633). Eram ainda bastante rudimentares em termos de
narrativa dramática. Como toda experiência pioneira,
ainda não estavam firmes seus alicerces, e as óperas
eram colagens de melodias e árias que por coincidência
falavam da mesma coisa. |

Jacopo
Peri (1589) |
|

Claudio
Monteverdi |
Um
dos mais importantes compositores deste período, Claudio
Monteverdi (1567-1643), foi quem estabeleceu todas as bases estilísticas,
arquitetônicas e estéticas para o desenvolvimento pleno
da ópera. Ele foi o único, nestes primórdios,
capaz de tratar a ópera como uma unidade narrativa coesa, e
não um conjunto de árias formando uma história.
Além disso, tratou de acrescentar dramaticidade às árias,
expressividade advinda do potencial de união das palavras,
ação e da música, gerando efeitos musicais inéditos
e fascinantes, abrindo o período barroco. Suas peças
mais famosas (e também as únicas que nos chegaram inteiras,
são Orfeu (1607) e L'incoronazione di Popea (1642).
Monteverdi também escreveu uma Dafne em 1608. |
|
Ópera
Barroca
|
Considerando
então a entrada de um novo período, o barroco, a ópera
irá desenvolver suas habilidades narrativas tomando por base o estilo
de Monteverdi. Os temas mitológicos continuavam a manter hegemonia
sobre os demais temas, e assim temos Teseu (1675) de Jean-Baptiste
Lully (1632-1687);Dido e Enéas (1689), de Henry Purcell
(1658-1695); Hippolyte et Aricie (1733), Castor & Polux
(1737), ambas de Jean-Phillipe Rameau (1683-1764).
Lully foi o responsável por acrescentar uma sinfonie, isto
é uma abertura (a primeira vez que se usou o termo sinfonia foi para
designar um prólogo instrumental para a ópera). Consistia
de uma introdução lenta e majestosa, seguida por um movimento
rápido e desfecho lento. Foi desenvolvida mais tarde como gênero
da 'Abertura' e da própria 'Sinfonia' como conhecemos, e esta estrutura
era chamada 'Ouverture française'.
Haendel também escreveu muitas óperas, mas a qualidade
vocal de sua música está manifestada potencialmente num outro
gênero, que será tratado em outro tópico, o oratório.
O mesmo se pode dizer de Vivaldi: Suas quase 40 óperas estão
hoje completamente esquecidas, simplesmente porque seus concertos são
muito mais originais e cativantes, constituindo sua espinha dorsal produtiva.
Cenário
da suntuosa ópera barroca 'Il Pomo d'oro' (1666) de Antonio
Cesti (1623-1669)
|
Embora a ópera
barroca seja dotada de uma verve melódica intensamente rica e sobretudo
de uma beleza platônica, havia uma prática muito comum que
espelhava a necessidade preemente de realizar a todo o custo uma obra em
função de seu potencial estético. Essa soberania do
refinamento estilístico era conquistada, ainda que artificialmente,
pela tradição dos castrati. Execrada hoje como desumana,
o hábito de escolher um membro da família, ainda pequeno,
para se dedicar à música era equivalente a escolher a função
sacerdotal. A fim de que a voz fosse preservada, tirava-se os testículos
jovens dos futuros cantores, dando-lhes, realmente, uma voz privilegiada,
mas também uma aparência física um tanto disforme. O
último dos castrati morreu em 1922.
A ópera barroca rendeu um grande legado, utilizado até fins
do séc. XIX, que foi o bel canto. O bel canto é
um estilo de canto, aplicado à temática das óperas,
e que se traduz pelo refinamento e intensidade da expressão melódica,
ou seja, a melodia é tão bela e intensa que ela entra na memória
com facilidade. Este recurso nasceu junto com uma ópera menos dramática
(do estilo de Monteverdi) e mais lírica, e é atribuída
a Alessandro Scarlatti (1659-1725). Daí vem a expressão
'música lírica' para designar canto ou mesmo a própria
ópera. |
A
riqueza da ópera barroca não pára por aí. Uma
tradição bastante sui generis era o hábito de apresentar
um pequeno interlúdio cômico nos intervalos das óperas
sérias. Esta peça era na verdade uma pequena cena montada
com sentido irônico, apenas para distrair o público durante
a troca de figurinos e cenários da ópera principal. O problema
é que tal prática acabou tomando rumo próprio, levando
alguns compositores a especializarem-se nesses interlúdios, acrescentando-lhes
dimensão autônoma. Este gênero foi conhecido como Ópera
Bufa, e conta com dois bons exemplos, conhecidos deste lado do atlântico:
La Serva Padrona (1733), de Giovanni Batista Pergolesi (1710-1736),
e Il Matrimonio Secreto (1792), de Domenico Cimarosa (1749-1801). |
Ópera
Clássica
|
Após
o período renascentista e barroco, desenvolve-se uma outra vertente
de estilo musical, o tão famoso classicismo, e que irá igualmente
trabalhar sua facção operística equivalente à
música de concerto praticada normalmente. A ópera clássica,
manifestada pela técnica melodiosa do bel canto, terá
como porta-vozes alguns nomes de grande relevância, como Rameau, Gluck,
Haydn, Mozart
Orfeu e Euridice (1767) e Iphygénie en Tauride (1779)
de Christoph Willibald von Gluck (1714-1787), reformador da ópera
até então vigente e postulador dos elementos que darão
bases ao classicismo na ópera, assim como pequenas pinceladas no
que seria mais tarde o drama musical de Wagner.
No que diz respeito à estrutura da ópera clássica,
sua principal característica é a consolidação
da forma estrutural, já algo experimentado no barroco, mas padronizada
aqui, que é a divisão de cada parte em árias, duetos,
coros, intermezzos orquestrais, etc..., algo muito parecido com os modernos
musicais cinematográficos, que tem a trama da história interrompida
para que os atores cantem e dancem. Essas divisões na ópera
eram muito bem delineadas, embora o preenchimento da ação
fosse alternado entre música e diálogos rápidos (os
recitativos).
Apenas o Singspiel, gênero desenvolvido na Alemanha, tinha
longas partes faladas entre os números musicais. Destarte surgiram
grandes óperas, e estabeleceu-se uma distinção de gêneros
dentro da própria produção operística. Os principais
eram a opera seria, e a ópera cômica. A opera
seria tratava de assuntos épicos e engrandecedores, a ópera-cômica
era ópera de temática ligeira, sem pretensões além
da pura diversão, muitas vezes confundidas com óperas-bufas,
estas sim, de conteúdo satírico e intenções
humorísticas. Ambos se utilizavam, de maneira exagerada ou não,
do bel canto, que, de início, era caracterizado apenas pela
total supremacia da linha melódica vocal, ou seja, o prazer em ouvir
melodias cantadas de maneira rebuscada e intensa. Depois, adquiriu maior
envergadura e abarcou outros estilos. |
Joseph
Haydn não foi propriamente um bom compositor de óperas,
apesar de uns dez títulos de sua autoria. Quase nenhuma é
conhecida e também não aparecem com freqüência
nos programas das casas de ópera do mundo. Já Wolfgang
Amadeus Mozart (1756-1791) é uma espécie de porta-voz
do estilo clássico operístico, mas apenas em termos de estilo
musical, uma vez que, ao contrário de Gluck e outros autores, Mozart
preferiu temas sociais e psicológicos ao invés dos mitológicos
tradicionais.
Sendo criador dos mais geniais em qualquer gênero que se aventurasse,
não precisou fazer muito esforço para criar três
ou quatro clássicos eternos da ópera, como As Bodas
de Fígaro, Don Giovanni e a Flauta Mágica. Mozart
foi responsável por uma grande evolução na dramaticidade
da ópera. Como ainda se buscavam temas heróicos ou míticos,
muito do que a ópera tratava era destinado à platéias
afortunadas, de algum conhecimento poético e/ou artístico,
coisa que apenas era compartilhado pelas cortes e nobreza. Não
que tais óperas não fossem de boa qualidade,mas a reincidência
abusiva nestes temas acabou por saturar as combinações
temáticas, fazendo com que estas óperas ficassem cada
vez mais desinteressantes. Mozart foi o primeiro compositor que teve
a coragem de, a despeito de sua teimosia, enfrentar o protocolo oficial
das casas de ópera e escrever música para comédias
e dramas mais 'humanos', dando-lhes uma dimensão muito mais
abrangente de assuntos e de público. |

Figurino para o personagem Papageno, da 'Flauta Mágica' (1791)
|
Já Beethoven
não costuma figurar nos compêndios de ópera com muito
destaque porque só escreveu uma (Fidelio, 1804, apesar de
revisada várias vezes), e não é o melhor exemplo de
sua grandeza musical; citam-no mais por respeito à sua imensa contribuição
para as artes. Mas Beethoven tem um grande mérito na história
da Ópera. Foi o primeiro grande compositor que não precisou
dela para alcançar projeção e fama, o que indica mudança
de ares no gosto estético pré-romântico. |
Já
nessa época, final do séc. XVIII, O bel canto foi se
tornando extremamente refinado na Itália, vindo, logo em seguida,
a encabeçar uma série de compositores que
Gioacchino
Rossini, já no final da vida
|
se
tornaram mestres nessa arte. Através deles, a própria
ópera evoluiu pouco mais em estrutura e temática. Era
dominado pelo monopólio italiano de Vincenzo Bellini (1801-1835),
Gioacchino Rossini (1792-1868) e Gaetano Donizetti (1797-1848).
Predominam os temas lendários, como Guilherme Tell (1829),
Semíramis (1823) de Rossini, histórias fantásticas,
muitas de verve trágica, como La Sonnanbula (1830),
e Norma (1831) de Bellini; O Elixir do Amor (1832) de
Donizetti e óperas-cômicas, que descendem da ópera-bufa
barroca (O Barbeiro de Sevilha (1816), La Gazza Ladra (1817),
ambas também de Rossini). Na obra destes três mestres
italianos se encontra o que há de mais refinado, o ápice,
da exploração do bel canto, do virtuosismo vocal.
Todos fizeram enorme sucesso em vida e gozaram de regalias dignas
de um monarca. |
Apesar disso,
Rossini, pela fluidez melódica, temática e narrativa de suas
ópera, é considerado genericamente superior aos demais.
Nesta época, quando o bel canto atingiu seu apogeu, começaram
a classificar (tanto compositores como críticos) a natureza das árias.
Nelas, os solistas vocais empregavam toda asua maestria para levar o público
às lágrimas - ou ao delírio. Surgiram as árias
de bravura, as árias cantabiles (mais melódicas), ariettas
(ou cavatinas), mais breves e simples. Vem daí o hábito de
romper aplausos ao término das árias mais contundentes.
As últimas obras de cada um deles já preconizam sons eminentemente
românticos, é na estrutura clássica que se apóiam,
mas o caminho será definitivamente aberto por Carl Maria von Weber
e Giacomo Meyerbeer, que apesar do primeiro nome italiano, era alemão,
filho de um rico judeu berlinense. |
Ópera
Romântica
|
Carl Maria von Weber (1786-1826) não escreveu muitas óperas.
Era muito versátil como compositor, tendo se dedicado a vários
outros gêneros, como sinfonias e concertos, música de câmara
e solos de piano. Mas acabou ficando mesmo conhecido por suas óperas,
principalmente O Franco-Atirador (1821), Eurythane (1823)
e Oberon (1826). Weber é tido como o criador da ópera
alemã genuína. Até então, todos os compositores
de língua alemã - com exceção de Mozart - escreviam
as óperas em italiano ou, se fosse em alemão, em estrutura
italiana. Weber, que já é romântico, estabelece uma
nova relação entre as partes da ópera, sendo o primeiro
a utilizar temas da própria ópera em suas aberturas (antes,
a abertura não tinha nenhuma relação temática
com a ópera que se seguia).
Giacomo
Meyerbeer (1791-1864), muito ao contrário dos demais, foi
um compositor que, pela sua natureza familiar, essencialmente empreendedora,
comercial, soube perceber o momento pela qual o grande público
europeu - diga-se, a recém ascendente burguesia - passava e
aplicou seus esforços em tratar a música e a ópera
nesta direção. Qual era? o grande espetáculo
teatral. A Ópera era tratada como a maior expressão
possível nas artes, a Arte Maior, que unia a poesia, dramaturgia,
música e artes plásticas (novamente o arquétipo
da tragédia grega?) numa só concepção
estética. Balzac, por exemplo, admirava mais Rossini que Beethoven,
mais Meyerbeer que Mozart. A ópera passou a ser superestimada,
e os recursos barrocos e clássicos pareceram pobres para fazer
o público desfrutar de todos os seus efeitos. |

O jovem
Meyerbeer |
Cartaz
de divulgação da "Africana" de Meyerbeer
|
Meyerbeer
entra em cena justamente criando um novo gênero, a 'Grande Ópera',
que se traduzia justamente num espetéculo cênico de primazia
épica. Tudo deveria ser grandioso, a música, as palavras,
o cenário, embora os temas não precisassem mais ser
míticos e heróicos. Exemplos dessa arte hoje são
escassos, acabaram por passar por prolixos, mas há Robert
le Diable (1831), Les Huguenots (1836) e L'africaine
(1864).
De certa maneira, há um pouco desta estética grandiosa
nas óperas de Wagner, e também de Berlioz.
Hector Berlioz (1803-1869), compositor do alto romantismo francês,
essencialmente dramático, escreveu muita música sinfônica
e religiosa, sendo mais conhecido por sua Sinfonia Fantástica
(1830) e por seu Tratado de Instrumentação e Orquestração. |
Mas
no campo da ópera, também compôs algumas pérolas
da literatura operística do romantismo: Béatrice
et Bénédict (1862), La Damnation de Faust
(1846, que alguns consideram sua obra-prima) e Les Troyens
(1859).
Logo em seguida, Wagner irá sacudir radicalmente as bases da
composição dramática.A era romântica da
ópera se divide em duas grandes facções, os wagnerianos
e os anti-wagnerianos. |
Cenário
de Delacroix para a primeira montagem da Danação do
Fausto de Berlioz (1846)
|
|
Wagner
|
Wagner
|
Wilhelm
Richard Wagner (1813-1883) foi uma das figuras mais poderosas
e controvertidas das artes. Polêmico, grandioso, egocêntrico
e genial, Wagner é um capítulo à parte na história
da música, não só por ter revolucionado a forma
tradicional da ópera, mas até mesmo por ter deixado
de escrevê-las, e as substituído por outra concepção
cênica, o Drama Musical. O bel canto havia marcado profundamente
a estrutura da ópera, com uma essência lírica
e melodiosa, com floreios e as divisões convencionais de cada
seção, e assim padronizado um estilo corrente e dogmático.
O que Wagner fez foi aproximar, mais do que nunca, a ópera
da essência trágica grega no que chamou de "Obra
de Arte Total", onde música, drama, dança, pintura
e poesia são um só elemento, indissolúveis e
constantes.Não há mais divisões entre árias,
coros, duetos ou trios; o discurso é sinfônico, organicamente
trabalhado junto à ação dramática e ininterrupto. |
Wagner começou
escrevendo tradicionalmente à maneira de Gluck e com uma influência
pomposa da grande ópera de Meyerbeer, e assim escreveu As Fadas
(1834), Rienzi (1840) e O Navio-Fantasma (1841). Depois, começou
a utilizar uma técnica desenvolvida por Berlioz, a "idéia
fixa", e a adaptou à ópera como Leitmotiv, ou "Motivo
Condutor", onde um tema percorre a obra toda como signo sinal de determinado
personagem ou seu estado de espírito, por vezes ambos. Nesta fase
compôs duas obras-primas, Tannhäuser (1845) e Lohengrin
(1848), baseados na mitologia germânica que logo em seguida seria
sua maior fonte de inspiração. A partir de então desenvolveu
as premissas teóricas do que seria a obra de arte ideal, projetou
e construiu, com ajuda do rei Ludwig da Baviera (grande admirador de Wagner
e seu mecenas) um teatro especialmente para a encenação destas
obras - o teatro de Bayreuth, que foi, inclusive, durante muitos anos, o
melhor teatro do mundo em termos acústicos - e
Figurinos
para a montagem
de 1876 de 'A Valquíria'
|
começou
a escrever, já como Dramas Musicais e não mais como
óperas, a maior saga dramática que já foi posta
em música: O Anel dos Nibelungos, divididos em quatro
dramas, O Ouro do Reno (1854), A Valquíria (1856),
Siegfried (1871) e Crepúsculo dos Deuses (1874).
Juntas, esta tetralogia tem quase 20 horas de duração,
com cada ato, por sua vez, durando mais que uma hora sem interrupção
alguma do discurso musical (O Ouro do Reno, a primeira, é
na verdade um prólogo, e não tem nem ao menos divisão
de atos). Como se não bastasse, interrompeu duas vezes a composição
do Anel para escrever outros dois grandes dramas musicais,
Tristão e Isolda (1859), a música mais sensualmente
erótica já escrita, por suas harmonias suspensas e inseguras,
e suas melodias cromáticas que beiram os limites do sistema
tonal (que inclusive foi o principal fator que desencadeou a música
moderna), |
e
Os Mestres Cantores de Nurenberg (1867), sua única comédia,
cuja execução por vezes ultrapassa 5 horas. Coroou sua
carreira e sua obra com um último drama musical baseado na
mitologia fervorosamente cristã da Alemanha, a busca do Santo
Graal, na mais mística de todas as obras sinfônicas-dramáticas
para o palco, Parsifal (1882). Só por aí já
dá para se ter uma idéia da revolução
estética que este homem promoveu. Absolutamente ninguém
no mundo das artes ficou-lhe indiferente. Ao unir a narrativa sinfônica
(através de seu grande mestre Beethoven) à ação
dramática do palco e das vozes, Wagner não influenciou
|
idem,
1876
|
apenas o mundo
da ópera, mas de toda a música da segunda metade do século
XIX em diante, e daí sua importância capital para a música
como um todo, e não apenas para o universo operístico, antes
nitidamente separado das demais manifestações puramente instrumentais.
|
O Verismo
e a Ópera nacionalista
|
Da
mesma forma com que Wagner seduziu os artistas com sua sonoridade etérea
e grandiloqüente, outros tantos foram fervorosos detratores de sua
arte, demasiadamente moderna para os padrões da época, e nesta
segunda facção, os anti-wagnerianos, na ópera foram
representados pela escola verista. O verismo (em italiano, realismo) é
uma corrente também italiana e por eles dominada (impressionante
como os italianos gostam de espetáculos - vide os circos romanos),
que procurava tratar de

Pietro
Mascagni, um dos mais expoentes compositores veristas
|
temas
mais trágicos - com finais realmente trágicos, chegando
ao melodrama puro - e mais humanos, mais verossímeis, em outras
palavras, para diferenciarem-se dos temas míticos da ópera
renascentista e barroca, e que seria o equivalente do cinema neo-realista
de Rosselini e De Sica. O verismo conta com a estrutura tradicional
interna baseada em divisões formais de números isolados,
mas que foram levadas a conseqüências dramáticas
de ímpeto intenso, alguns chegando à essência
do melodrama. Dentro desta verossimilhança pretendida, os temas
passaram a ser muito mais ecléticos, ainda haviam alguns mitos
mas a inclusão de libretos baseados na literatura romântica,
de Goethe, Hugo, Byron, Dumas (e Shakespeare, mas por seu caráter
atemporal), por exemplo, foi substancialmente maior. |
E ainda haviam libretos originais, cuja colaboração
entre escritores e compositores veio a se mostrar das mais frutíferas.
Seus principais expoentes, na Itália são Giuseppe
Verdi (1813-1901), Giacomo Puccini (1858-1924), Ruggero
Leoncavallo (1857- 1919, I Pagliacci) e Pietro Mascagni
(1863-1945, Cavaleria Rusticana), Almicare Ponchielli
(1834-1886, La Gioconda) e, na França, Georges Bizet
(1838-1875), que tem o inexplicável mérito de ter escrito
apenas quatro óperas em suavida, sendo uma delas, a Carmen
(1875), considerada, com toda a razão, entre as melhores do
mundo - por isso morreu cedo -, Charles Gounod (1818-1893,
Fausto) e Jules Massenet (1842-1912, Thaís).
Uma escola à parte, com elementos wagnerianos, mas principalmente
com uma preocupação estética voltada para a busca
das raízes musicais e folclóricas de cada região,
principalmente no |

Cartaz
da Ópera 'La Gioconda' de Almicare Ponchielli, que contém
a famosa 'Dança das Horas' |
leste europeu, foi a ópera na Rússia de Modest Mussorgsky
(1839-1881, Boris Godunov), Alexander Borodin (1833-1887,
Príncipe Igor) e Piotr Tchaikovsky (1840-1893,
Eugene Onegin; Dama de espadas, etc.. - este mais verista e
ocidentalizado) e na Boêmia de Léos Janacék
(1854-1948) e Bedrich Smetana (1824-1884), que formaram os
expoentes da chamada ópera nacionalista.
Sem sombra de dúvidas, o maior compositor verista foi Giuseppe
Verdi. Nascido ironicamente no mesmo ano que Wagner, Verdi
foi seu principal opositor estético, embora tal consciência
crítica tivesse partido mais do público e dos cronistas
da época do que propriamente deles, que aliás, nunca
se encontraram pessoalmente. Ambos estavam cientes e seguros de suas
respectivas responsabilidades para com a música, e desenvolveram
trabalhos dos mais relevantes com |

Georges
Bizet |
parâmetros
estéticos bastante distintos. Enquanto para Wagner a parte vocal
é tratada como instrumento da orquestra, para Verdi a música
e as palavras têm autonomia própria, e cabe ao compositor encaixá-las
com competência. Por essa razão, Verdi possuía um senso
inato de coerência teatral, o que possibilitava um aproveitamento
dramático no palco muito mais verossímil e palpável
que o drama de Wagner.
Giuseppe Verdi
|
A
intuição teatral de Verdi é muito mais prática
e funcional no palco do que a idealizada por Wagner, e por essa
razão, a encenação wagneriana permite uma grande
ambigüidade de interpretações cênicas em
suas aventuras mitológicas. Mas, como pode-se perceber, são
dois objetivos distintos, perfeitamente alcançados em ambos
os lados.
Verdi começou compondo uma ópera cômica, num
estilo galante e pouco original, trabalho este que foi interrompido
pelo mais duro golpe de sua vida, a morte da esposa e dos dois filhos
pequenos. Como tinha um contrato a cumprir para com o editor, precisou,
neste clima funesto, terminar a ópera. O fracasso maciço
dela fez Verdi, amargurado, jurar nunca mais compor. Não
se sabe exatamente por que vias obscuras do destino,o empresário
do teatro conseguiu convencê-lo a escrever de novo,e então
nasce sua primeira obra-prima, Nabucco (1841).
|
O povo italiano,
oprimido pela dominação austríaca sobre um país
ainda fragmentado, encontrou em Nabucco seu canto de independência
e unificação, tornando a ópera um sucesso estrondoso.
A partir de então Verdi foi consagrado como o maior compositor de
óperas da itália e não desapontou, muito pelo contrário.
Continuou explorando as formas do bel canto levando-as aos extremos veristas
com uma elaboração cênica cada vez mais concisa e articulada,
chegando mesmo a criar personagens marcantes de uma densidade puramente
teatral (a exemplo de Mozart, muito tempo antes), onde a música acompanha
solilóquios vocais árduos que não exigem apenas bela
voz, mas sobretudo presença de palco e eminente senso dramático.
As melodias, de construção precisa, sucinta e de fácil
memorização (a exemplo dos Lieder de Schubert), contribuiram
ainda mais para que sua arte fosse elevada como a apoteose da produção
operística. Ao todo Verdi escreveu 19 óperas, as mais famosas
são La Traviata (1853), Rigoletto (1851), Il trovatore
(1852), La Forza del Destino (1861), Aida (1870), Otello
(1886) e Falstaff (1893). Após obter fama e fortuna com tão
abundante produção,
Verdi
preocupou-se intensamente com o ensino musical dos jovens de seu país
e patrocinou várias escolas e fundações de música,
todas de altíssimo nível. Em suas duas últimas
óperas, Otello e Falstaff, Verdi atingiu o apogeu de seu estilo
- usando inclusive elementos wagnerianos de leitmotivs - e que por
si só já fazem por merecer seu lugar entre os maiores
compositores de todos os tempos. |

Esboço
para os figurinos da estréia da 'Aida' (1871) |
|
Ópera
do Séc. XX
|
 |
A
ópera entrou no século XX bastante heterogenizada, com
remanescentes veristas em Puccini (La Bohème
(1896), Tosca (1900), Madama Butterfly (1904) e Turandot
(1924), entre outras) e os wagnerianos em Richard Strauss,
cuja dramaticidade beira o expressionismo. As mais famosas são
Elektra (1909) e Salomé (1905). Curiosamente,
Richard Strauss da metade da vida em diante, abandona o expressinismo
dissonante e começa a escrever música com uma delicadeza
mozartiana, mudando radicalmente a atmosfera de suas óperas,
mas preservando o estilo. É o caso do Cavaleiro da Rosa
(1911), Intermezzo (1924), Arabella (1933) e Capriccio
(1942).
cartaz da 'Madama Butterfly' de Puccini |
Cita-se também
a importância de Pélleas et Mélisande (1902),
de Claude Debussy, sua única ópera e com o singular
mérito de não conter nenhuma linha melódica completa.
Um discurso musical contínuo e ao mesmo tempo fragmentado onde o
autor dissolve as melodias com a mesma facilidade com que as cria, deixando
o público e a crítica desorientados. A grande revolução
do século foi a Segunda escola de Viena, liderada por Arnold Schoenberg,
e que dissolveu o sistema tonal que sustentou 4 séculos de música
na Europa. O novo sistema, baseado numa série atonal, chamado sistema
dodecafônico, produziu muita música experimental, mas também
óperas de grande poder dramático, como Wozzeck (1920)
e Lulu (1935), de Alban Berg. |
Opereta e
espetáculos musicais
|
Paralelamente
à ópera, surgiu no final do século XIX um outro gênero,
mais voltado para o espetáculo musical, com temas eminentemente
cômicos e despretenciosos, de melodias fáceis e sem nenhuma
preocupação trágica, a opereta, definida como "ópera
leve" . Seu objetivo é o entretenimento puro, embora muitas
obras-primas foram escritas sob esta classificação. Seus
grandes compositores foram Jacques Offenbach (1819-1880), Johann
Strauss Jr. (1825-1899, O Rei da Valsa - Não confundir com
Richard Strauss, que nada tem a ver com este), Otto Nicolai (1810-1849),
Franz von Suppé (1819-1895), e a primeira dupla, hoje tão
comum na música popular, Arthur Sullivan (1842-1900, compositor)
e William Gilbert (1836-1911, libretista).
Resumindo esta parte, a ópera é, para nós, de maneira
geral o que a tragédia grega foi no seu respectivo passado, uma
confluência de artes unidas por um fio condutor, que no caso da
ópera é a música. Dividem-se basicamente em dramas
trágicos e dramas melodramáticos, podendo em ambos estar
embutido um potencial cômico, sendo os primeiros representados por
Gluck, Mozart, Berlioz, Wagner, Richard Strauss e Berg, e os segundos
pelos italianos, mestres da arte do bel canto e do estilo Verista.
A orquestra utilizada pela ópera no período barroco e clássico
é ligeiramente maior que a utilizada em concertos, mas o romantismo
equaliza as duas sonoridades, chegando mesmo a inverter-se o quadro: As
orquestrações mais exageradas são de peças
sinfônicas (principalmente Mahler, R.Strauss e os Gurrelieder
de Schoenberg), não de óperas.
Para quem ainda acha que a única grande expressão da música
é a ópera, temos aqui alguns grandes compositores que nunca
escreveram uma ópera: Bach, Brahms, Bruckner, Mahler (apenas completou
uma inacabada de Weber), Chopin e Grieg.
copyright©2002
Filipe Salles
|
|
|