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O Cinema para além do entretenimento: novas fontes para os estudos históricos

O surgimento das produções cinematográficas ocorreu entre fins do século XIX e o início do século XX e os historiadores da época logo tratam de definir os filmes como atrações de feira. Sendo assim não era louvável que o bom historiador tomasse como objeto de análise ou como fonte de pesquisa um produto que era considerado pelos intelectuais da época como um truque, uma falsificação, uma invenção humana. 

Naquele tempo a produção histórica ainda se valia do método positivista na pesquisa e ainda defendia o seguinte lema: eis minhas referências, minhas hipóteses e minhas provas, conforme comenta Marc Ferro em um texto de 1976.

Entretanto, também no início século XX a historiografia passou por um momento de transformação, motivado principalmente pelo surgimento do movimento dos Annales na França, liderado por Marc Bloch e Lucien Febvre. A Escola dos Annales trouxe à tona novos objetos de estudo, novas fontes e novas interpretações para assuntos outrora consagrados pela historiografia tradicional.Através desta abertura as produções cinematográficas começaram a ganhar espaço como objeto de análise do historiador. A partir de novas leituras o cinema passa a ser visto como um instrumento adepto da história ou até mesmo como um registro da própria.

Entretanto, a consolidação da relação cinema/história e principalmente do papel dos filmes como fontes para a pesquisa histórica não ocorreram de uma hora para outra, muito menos de forma pacífica. As críticas de historiadores tradicionais contra a utilização do cinema como uma ferramenta aliada à pesquisa histórica foram constantes ao longo do século XX. O pesquisador da relação cinema/história, Jorge Nóvoa, comenta que muitos historiadores do século XX ficaram presos às ideias da historiografia positivista e por isso não foram capazes de mudar suas concepções não só sobre a história, mas principalmente sobre as novas fontes da história.

Os primeiros indícios de historiadores que reconheceram o valor do cinema/filmes como fonte de informação para os pesquisadores apareceram na década de 1920. Nesse período alguns historiadores consideravam o cinema, mais especificamente os filmes de ficção, como reflexo da realidade social, capaz de estabelecer uma relação direta entre o filme e o meio que o produziu. Ao longo da década de 1950 cresceu o número de historiadores que passou a reconhecer o valor histórico das produções cinematográficas.

Em um texto, publicado em 1992 na revista Estudos Históricos, a pesquisadora Mônica Almeida Kornis comenta que a década de 1960 marca o surgimento de uma discussão metodológica sobre a relação cinema-história propriamente dita e para isso o ponto principal da questão girava em torno da natureza da imagem cinematográfica. A preocupação com a natureza da imagem cinematográfica corrobora a concepção que apresenta o filme não apenas como uma obra de arte, mas também como um produto cujas significações não são somente cinematográficas. Ele vale por aquilo que testemunha.

Entretanto, cabe lembrar que a construção de uma narrativa histórica com base em fontes cinematográficas deve ser feita com cautela, uma vez que vários elementos devem ser levados em consideração na análise e interpretação de um filme e não somente a trama em si. Um filme pode ser encarado como uma representação do contexto de sua produção, como um agente da história e não só um produto, como um agente de conscientização e mais ainda, deve-se buscar o que existe de não visível, uma vez que o filme muitas vezes excede o seu próprio conteúdo.

A história de hoje não se faz tão somente com o longínquo passado, com os documentos oficiais e sobre os grandes heróis nacionais, mas também com e sobre o passado recente, dos avanços tecnológicos, das novas fontes e interpretações, dos novos sujeitos trazidos à tona pela nova historiografia.Sendo assim, não há como negar a legitimidade das produções cinematográficas como fontes históricas e seu valor para estudos atuais.

 

*Sobre o autor: Caio César Santos Gomes é Graduado em História pela Universidade Tiradentes (2008) e Especialista em Novas abordagens no ensino de História pela Faculdade São Luís de França (2010).

 

REFERÊNCIAS:

BURKE, Peter. A Revolução francesa da historiografia: a Escola dos Annales (1929-1989). 2ª ed. Trad. Nilo Odália.– São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1991.

FERRO, Marc. “O filme: uma contra análise da sociedade.” IN:LE GOOF, Jacques; NORA, Pierre. História: novos objetos.Trad. Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.

KORNIS, Mônica Almeida. “História e Cinema: um debate metodológico.” IN: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992. p. 237-250. Disponível em: http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1940/1079. Acessado em: 15/06/2009.

NÓVOA, Jorge. “Apologia da relação cinema-história.” IN: O Olho da História: Revista de História Contemporânea. N° 01, 1995. Disponível em: http://www.oolhodahistoria.ufba.br/01apolog.html. Acessado em: 10/08/2009.