Stranger Things 2, dos Irmãos Duffer

Um final de semana. Esse foi o tempo necessário para que uma série da Netflix, que não tinha nenhuma grande divulgação, nenhum tipo de comentário sobre e nenhuma expectativa por parte do grande público, conseguisse conquistar um mundo inteiro.

Foi isso que aconteceu em julho de 2016 quando Stranger Things entrou no catálogo do serviço de streaming e se tornou um dos maiores fenômenos televisivos dos últimos anos. Muito se deve ao fato de que os irmãos Matt e Ross Duffer conseguiram entregar uma série de aventura com elementos de terror, mistério e um pouco de ficção científica/fantasia, que remetesse aos anos 80 não somente pela ambientação fiel, somada a uma direção precisa que conseguia balancear o suspense com um clima de aventura e pura diversão carismática, mas também pelas inúmeras referências a filmes icônicos daquela época, o que gera uma gostosa nostalgia para os mais velhos, e um despertar de curiosidade sobre um período tão fértil de diversão cinematográfica nos mais novos.

Por isso não é difícil notar a alta expectativa em torno da segunda temporada, desta vez com um grande público muito ansioso por retornar ao universo oitentista de Stranger Things. Muitos, porém, desconfiam da continuação, pois geralmente muitas das séries que explodem de sucesso logo na primeira temporada têm altas chances de decair em qualidade e, no final, podem se tornar insatisfatórias para os fãs. O que para sorte e alivio dos aficcionados, não acontece com Stranger Things 2. Sim, é coerente que continuação tenha esse nome, pois por mais que seja uma série de TV, os irmãos Duffer tratam essa temporada como se fosse um filme de nove horas, com arco similar a estrutura de roteiro clássico, com começo, meio e fim definidos e com uma história muito fechada em si, que funciona perfeitamente para o formato streaming, permanecendo com um ritmo gostoso de assistir e que não cansa em nenhum momento.

Mesmo que o primeiro episódio soe como uma introdução parada, a série segue com um arco bem desenvolvido em uma trama bastante ambiciosa, mas sem perder a graça e o carisma dos personagens e dos atores. Quase um ano depois da primeira temporada, todos os personagens tentam seguir com suas vidas depois dos eventos com o misterioso Mundo Invertido, como é o caso das crianças Will (Noah Schnapp), Mike (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo) e Lucas (Caleb McLaughlin) curtindo a época do Halloween. Até que Will começa a ter visões de que alguma força perigosa vinda do Mundo Invertido está se aproximando até a cidade deles.

O grande acerto dessa temporada é que, mesmo que o foco seja a grande ameaça, consegue-se desenvolver ainda mais os personagens, bem diferente da primeira temporada que era algo mais introdutória não somente em relação aos personagens, mas também em relação ao clima que os irmãos Duffers queriam passar com essa história. Desse modo, alguns personagens que antes eram coadjuvantes atingem um protagonismo e uma nova camada que não conhecíamos, como se pode ver no caso do personagem Steve (Joe Keery), o namorado da Nancy (Natalia Dyer), que antes era o rapaz meio arrogante, que acaba por se tornar parte do grupo. Além de Lucas, que consegue ganhar carisma que antes não possuía, graças ao seu envolvimento com a nova garota do grupo Max (Sadie Sink).

Mas o que realmente impressiona é o arco de Eleven (Millie Bobby Brown), a personagem mais querida da série. Ela passa a trilhar um caminho sombrio ao buscar respostas sobre si mesma e seu passado, ganhando maior profundidade em suas motivações e ações. Tudo isso bem suplantado graças a excelente interpretação da atriz, provando que ela ainda possui muito talento em sua bagagem.

Com a temporada nova, também chegam os novos personagens, junto de Max vem seu irmão Billy, interpretado por Drace Montgomery, relativamente conhecido por ter interpretado o ranger vermelho no novo filme dos Power Ranger lançado esse ano. Apesar de ser um bom vilão, sua interpretação às vezes soa exagerada demais. Mas fora isso, o resto é ótimo, como a nova garota Max. Sadie Sink, que interpreta a garota, entrega uma personagem que, mesmo sendo obscura, consegue gerar a mesma empatia que as crianças protagonistas.

Outro personagem novo que recebe destaque é o namorado de Joyce (Winona Wyder, que continua excelente), Bob, interpretado por Sean Astin, cuja presença serve tanto para homenagear a cultura dos anos 80 - para quem não sabe, além de interpretar o Sam na trilogia O Senhor dos Anéis (2001, 2002 e 2003), ele também viveu Mikey, uma das crianças de Os Gonnies (1985), o clássico que foi uma das principais influências para a criação da série - quanto para mover o núcleo dos adultos

Falando em homenagens, a série continua com as referências gostosas aos filmes dos anos 80, especialmente aos filmes lançados no ano em que se passa essa temporada – 1984 – como, por exemplo, Os Caça-Fantasmas, Gremilins e O Exterminador do Futuro. Existem também referências a filmes de outros anos, como O Exorcista (1973), Ataque dos Vermes Malditos (1990), E.T. – O Extraterrestre (1982) e Warriors- Selvagens da Noite (1979), mas o mais importante é que as referências estão mais sutis, o que faz com que a série funcione por si própria e não as use como muletas como ocorria na primeira temporada. Assim, nessa segunda temporada, a série ganha uma identidade mais própria e autônoma.  

A direção dos episódios continua ótima, respeitando a fidelidade da ambientação estabelecida, e mesclando o horror com o fantástico, especialmente nos episódios “Dig Dug” e “O Espião” dirigidos por Andrew Stanton, mais conhecido por ter comandado as animações Procurando Nemo (2003) e Wall-E (2008). Os episódios em questão começam a elevar o perigo, mas como o diretor está acostumado a lidar com elementos fantásticos, típicos das animações, ele consegue criar um clima de tensão com o irreal, como nas cenas dentro dos túneis, impregnadas de criaturas assustadoras, algo clássico de filmes de terror de monstros estilo B.

Talvez a única coisa que destoe da série nessa temporada seja o episódio “The Lost Sister”, que apesar de ter uma peça fundamental para a resolução final da temporada, possui ritmo e identidade muito diferentes da imagem do resto série. Pelo fato de ele se passar fora da cidade, sua forma soa muito alinear em relação ao ritmo e à construção do suspense que os episódios anteriores entregavam. A impressão que dá é que sua função é apenas expandir a “mitologia” do universo dos irmãos Duffer em vez de acrescentar elementos relevantes à trama da série.

Apesar de não haver o impacto de novidade de quando a série estreou, a segunda temporada de Stranger Things eleva a qualidade que conquistou o mundo de maneira grandiosa e sombria, mantendo-se como umas das séries de entretenimento de maior qualidade nos últimos anos, provando que os irmãos Duffer estão com grandes intenções e merecem atenção nos próximos anos, pois se eles prometeram – e entregaram - coisas grandiosas para esta temporada, resta saber agora o que eles planejam para terceira temporada.

 

Ettore R. Migliorança é estudante de cinema, estuda roteiro e análise de filme e produziu dois curtas universitários.