Polícia Federal - Será que a lei realmente é para todos?

A imparcialidade é algo impossível de se alcançar, mesmo com muito esforço. Polícia Federal - A Lei É Para Todos (2017) - o primeiro filme de uma planejada trilogia – mostra o diretor Marcelo Antunez procurando dirigir sua primeira obra que foge da comédia e que retrata fatos reais, em uma história que segue um grupo de policiais federais, cujo líder é Ivan (Antonio Calloni).

O grupo, por meio de uma apreensão de tráfico de drogas, começa as investigações da operação Lava Jato. A obra retrata tal investigação, bem como seus responsáveis, de maneira heroica, e os políticos corruptos como vilões, tentando não demonstrar um lado partidário, embora falhe nessa última pretensão.

Claramente o filme tem um cunho de direita e apresenta personagens de esquerda de modo secundário e estereotipado, como é o caso da jornalista interpretada por Juliana Schalch e do pai de Julio, que briga com o filho por conta da investigação de Lula. Mesmo com a obra pendendo para um lado ideológico, o diretor afirmou que fez um filme sobre a Lava Jato e não sobre um partido.

É claro que se o filme não tentasse acobertar o seu “direitismo”, tornaria-se mais decidido. Mesmo com essa falha, Polícia Federal se torna um bom filme de ação policial brasileiro, baseado em fatos reais, e que também se mostra como um bom veículo de informação para o grande público sobre os eventos que estão ocorrendo no país. A operação Lava Jato é retratada todos os dias nos jornais, em pequenos inserts, como fatos isolados. Um cidadão comum, que não acompanha o jornal todos os dias, ou então que deixa a TV ligada, mas está preparando a janta na cozinha enquanto espera a novela começar, não sabe exatamente o que está acontecendo no cenário político brasileiro; conhece o básico: há uma operação que está atrás de políticos e empresários que cometeram corrupção e aparentemente todo dia prendem uma pessoa.

Essa informação básica foi transformada pelos roteiristas Gustavo Lipsztein e Thomas Stravos em um filme informativo. O roteiro, na fronteira entre o documental e o ficcional, destrincha o básico, levando aos espectadores informações relevantes que fazem pensar sobre como toda a ação que está ocorrendo nesse âmbito político interfere nas vidas das pessoas “comuns”. A operação já se tornou algo gigantesco, o que deixou a tarefa dos roteiristas ainda mais difícil, sobretudo se levarmos em conta que ela não está terminada, e que o caso de maior impacto - do ex-presidente Lula – não foi julgado, mas mesmo assim é retratado na obra.

Com certa dose de estereótipos e um pouco de diálogo simples e repetitivo, Marcelo Antunez consegue passar sua mensagem principal: nossa política está repleta de corrupção e há um certo grupo que pretende fazer uma mudança, mas a mudança principal deve vir do povo.

Antunez abre o filme apresentando o tema da corrupção, falando que os acontecimentos retratados ali acontecem desde abril de 1500 – quando da chegada dos portugueses ao Brasil -, seguido de uma citação um tanto “Hobbesiana”, que leva à sequência da captura de Alberto Youssef. Bebendo de CSI e de seriados policiais americanos, o diretor constrói o clima do grupo dos heróis e da perseguição aos corruptos vilões.

Para apresentar a história e os personagens, há um insert que, através de ótima montagem, mostra a chegada dos portugueses e passa por diversos marcos históricos do Brasil para tematizar a corrupção em nosso país. A ideia foi formidável e poderia ter sido mais utilizada; o fato da corrupção sempre ter existido torna-a um desafio ainda maior para ser vencido, e isso aumentaria a tensão no âmbito ficcional do filme. Porém, essa longevidade de mentiras e roubos pelos mais poderosos acabou sendo pouco aproveitada.

Há muitos elementos reais misturados de forma não efetiva com os elementos ficcionais do filme de forma que, mesmo com a combinação de uma boa montagem, pesquisa e produção, deixa-se a desejar em outra área: as personagens não são muito profundas e complexas, o único que se torna uma exceção a isso é Júlio, personagem de Bruce Gomlevsky, cujo relacionamento com a família é mostrado, permitindo que tenhamos empatia por ele.

Tal personagem também levanta como a operação Lava Jato causou uma polarização do Brasil. Seu pai argumenta que a operação é parcial e Julio rebate com a fala: “Pai, eu votei neles. Fiz campanha, lembra?”. A polarização entre os escritos “Morte ao Moro” e “Lula ladrão” se tornou muito comum de ser vista nos meios sociais de todo o país após as primeiras delações da operação e continua até hoje.

O cinema sempre teve um cunho político, e isso não é novidade. Desde O Nascimento de uma Nação (1915)*, os cineastas retratam suas ideologias políticas, sociais, econômicas, de modo que elas não podem ser encobertas, e tentar fazê-lo pode ser cavar a própria cova no que se refere a sucesso de público ou crítica. Apesar de incorrer nesse erro, Polícia Federal - A Lei É Para Todos é um filme que pode ser utilizado como um bom informativo sobre a operação que mobiliza o Brasil atualmente, e deve ser aproveitado como exemplo para politizar mais o audiovisual nacional, que, no âmbito comercial, tem estado acostumado apenas com comédias e com a teledramaturgia. Assim como política, a arte deve ser, acima de tudo, luminosa.

*Dirigido por um dos grandes pioneiros da linguagem cinematográfica, D. W. Griffith, o filme retrata a Guerra da Secessão americana, e vem sendo relido no sentido de problematizar a retratação preconceituosa que o cineasta fez dos negros.

 

Natália Marques é estudante de Cinema; escritora; roteirista e assistente de direção de dois curtas universitários e roteirista de quatro episódios do programa História POP da TV FAAP.