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O Rei do Show – Um espetáculo de arte, nomes e música

É interessante perceber como o estilo das músicas de filmes musicais mudou com o passar dos anos. Um dos primeiros filmes inseridos no gênero musical foi O Cantor de Jazz (1927) – curiosamente, o primeiro filme com a trilha sonora gravada e sincronizada – com sua grandiosidade e ritmo advindos, obviamente, da velha arte do teatro.

A Broadway sempre foi uma base quando se trata de musical e, não por acaso, é mundialmente reconhecida: suas peças são extremamente bem produzidas e interpretadas e amplamente adaptadas para o cinema. O público amante de musicais está acomodado com este estilo Broadway e ignoram que todos os estilos musicais devem ser representados. Na época de ouro de Hollywood (1920-1950) os musicais eram o gênero mais popular da indústria cinematográfica. Apesar de sua produção ter diminuído consideravelmente com o passar dos anos, nota-se como o gênero nunca morre, ele sobrevive se adaptando às novas gerações de público.  Há diversos exemplos de bons musicais que buscam inspiração na mãe Broadway, mas dançaram no seu próprio ritmo e se saíram muito bem, como A Escolha Perfeita (2012), que se utiliza, inclusive, de músicas prontas, apenas arranjando-as de modo diferente; da mesma maneira, Rock of Ages (2012) e até mesmo Across the Universe (2007). O mesmo acontece em O Rei do Show (2017).

O Rei do Show veio com muita grandiosidade na produção, muitos holofotes, homenagens e símbolos, mas suas músicas estão claramente adaptadas para o grande público de cinema e televisivo, elas puxam para o estilo pop, chega a ser “radiofônica”. Isso não é ruim, pelo contrário, busca público para o gênero musical, que hoje em dia se vê muito conectado apenas com a Disney; empresa e emissora que também se tornou fábrica de atores e atrizes e, inclusive, traz dois de seus pupilos para o elenco de O Rei do Show: Zac Efron (High School Musical) e Zendaya (No Ritmo).

A dupla compositora das canções originais do filme é Benj Pasek e Justin Paul (La La Land, de 2015), em parceria com John Debney e Joseph Trapanese. Músicas como “This is Me”, “The Other Side” e “Rewrite the Stars” devem ser lembradas no Oscar e a dupla pode levar mais um homenzinho dourado para casa – assim como fizeram com “City of Stars” em 2016, por La La Land – filme este que relembra os clássicos e é voltado para o “musical Broadway”.

O Rei do Show é dirigido por Michael Gracey, um estreante no cinema, com uma longa carreira na publicidade. Mostrando que tem potencial para a grande tela, Gracey traz para seu trabalho de estreia muito do que aprendeu em comerciais: montagem rápida – quase de videoclipe -, histórias emocionantes, temas universais e a adaptação temporal para empatia do grande público. Entretenimento de qualidade, assim como faria o personagem que inspira a história.

P.T. Barnum é interpretado por Hugh Jackman, que fez sua primeira aparição nas telinhas em 1999, em um filme para TV que era a gravação da peça Oklahoma, em temporada na Broadway na época. Os palcos de musicais foram sua porta de entrada no entretenimento, anos antes de ele estourar com o personagem Wolverine, em X-Men: O filme (2000). Ator de teatro musical, ele nunca deixou sua gênese de lado e continua atuando em filmes e peças musicais e vencendo prêmios por eles, como o Oscar por Les Misérables, em 2012, e o Tony por The Boy from Oz, em 2004.

É curioso perceber como, no filme, há muito de Hugh Jackman no personagem, até mais do que se sabe da pessoa que foi P.T. Barnum – um preconceituoso, racista e egocêntrico. O filme conta a história da criação do circo como se conhece hoje, uma tenda com um grande espetáculo, além, e é claro, do começo do show business. Infelizmente, o diretor de primeira viagem e os roteiristas escolheram por não adentrar em questões mais densas, formando uma bolha de espetáculo constante – havia muito mais pano para manga. A questão do racismo no século XIX nos EUA é mencionada algumas vezes e a trama do relacionamento do personagem de Zac Efron com Zendaya está na fronteira dessa discussão, porém se torna um tema de menor importância, já que não é passado de modo tão didático como o resto do filme, o tema do racismo está nas entrelinhas.

Apesar disso, o longa como um todo é impecável para os olhos e para os ouvidos. Todos os números musicais são bem interpretados – com destaque a Keala Settle, que se mostrou a melhor voz do filme em “This is Me” e passou a mensagem de respeitar as diferenças com muito talento -; bem coreografados; fotografados e com uma direção de arte digna de prêmios – há uma referência a Amor, Sublime Amor (1961) nos varais com lençóis estendidos, figurinos bem produzidos e maquiagens extraordinárias, principalmente as das “aberrações”.

Aliás, referências e homenagens estão presentes no filme inteiro, do teatro de sombras, a homenagens pontuais a outras invenções do entretenimento. E como já mencionado, é possível ver muito de Hugh Jackman no personagem em certas passagens e alguns simbolismos podem ter sido postos ali não por acaso; a última sequência está repleta deles: Jackman passa o bastão do entretenimento para Efron, que aceita e diz que ama aquele trabalho. E para finalizar o filme de maneira emocionante, P.T. Barnum fala sobre curtir mais a família. Claro, são os personagens e suas tramas, mas há um cheirinho de vida real rondando o picadeiro.

Para Barnum, entreter é uma arte superior a qualquer outra e, levando essa lição à diante, Michael Gracey faz O Rei do Show uma ótima forma de entretenimento, que aproxima o grande público do antigo gênero musical, adaptando este e trazendo novos nomes que ainda serão vistos muitas vezes nos futuros créditos, créditos esses que se você não costuma ficar vendo até o final, indico assistir os dessa obra, que conta com incríveis artes conceituais, que por si só já são um espetáculo.

 

Natália Marques é estudante de Cinema; escritora; roteirista e assistente de direção de dois curtas universitários e roteirista de quatro episódios do programa História POP da TV FAAP.