Bright, filme da Netflix

Ao se realizar um filme, e em qualquer construção narrativa, é necessário sempre decidir o que há de original e qual é o diferencial que seu produto pode oferecer, e isso não é um trabalho fácil, por mais experiente que um criador possa ser. Esse foi o pensamento que recorreu ao diretor David Ayer ao criar, para a Netflix, o filme policial “fantástico“ Bright.

A intenção parece, na primeira impressão, ser um típico filme “Buddy cop”(dupla policial) que remete a filmes como Máquina Mortífera (1987) ou Bad boys (1995), só que o tal diferencial mencionado é o cenário em que esse filme se passa: vemos a Los Angeles de uma realidade alternativa, em que humanos convivem com fadas, orcs e elfos,  como se fosse algo natural. Nesse contexto, acompanhamos a trajetória de dois policiais, o humano Scott Ward (Will Smith) e o orc Nick Jackoby (Joel Edgerton), vivendo uma perseguição por causa de uma varinha mágica “ilegal”, encontrada numa cena de crime e que dá poderes infinitos a quem possui-la.

O diretor opta por apostar em elementos de fantasia, muito por ser algo clássico e de gosto popular, por isso ele se apropria de elementos “clichês” que existem em toda narrativa de fantasia, como “profecia do escolhido”, “uma guerra que uniu todas as raças contra uma força das trevas”, objetos mágicos que só podem ser usados por “seres especiais”, entre outros. Também apresenta, para fazer uma nova forma de abordagem, a divisão social que existe na metrópole californiana de maneira metafórica, como se os clãs dos orcs fossem as gangues marginais da periferia, e os elfos, a “elite” no centro da cidade.

O que parece ser um cenário muito interessante de se abordar, porém, não se concretiza da maneira ideal. O filme opta em seguir a trama dos protagonistas e não consegue desenvolver muito seu universo, fazendo com que muitas das cenas que abordam oquestionamento de “arpartheid social” entre humanos e criaturas fantásticas soem sem conexão com a trama. O que melhor capta essa divisão é a figura do personagem de Will Smith, pois vemos um policial negro ter preconceito em relação a seu parceiro Orc, ainda que ambos personagens possuam certa química, ela não é o suficiente para levar a uma boa colaboração entre os policiais.

A trama em si é conduzida de maneira muito rápida e sem respiros para que se possa enxergar substância no roteiro, que, aliás, pecam muito com diálogos muitos expositivos, que se repetem diversas vezes ao longo do filme. Além disso, oferecem cenas de ação muito fechadas em si, com tiroteios e explosões. Assim, o filme oferece diferentes subtramas, sem que os elementos fantásticos e o elementos policias se amarrem de forma coesa.

Bright soa também muito esquisito esteticamente. Apesar das pretensões cinematográficas, os filmes da Netflix ainda carregam uma estética claramente televisiva, algo que até mesmo outro longa lançado esse ano, pelo próprio serviço de streaming, Okja, já demonstrou muito bem. A fotografia não consegue chamar atenção e dar uma impressão mais imersiva, deixando o filme mais para ser assistido do que para ser apreciado, de modo que o aspecto do filme fica muito mais próximo ao do cinema “pipocão”. O que mais  acaba chamando a atenção, em termos estéticos, é a maquiagem muito bem feita dos orcs.

Sendo visto como o primeiro blockbuster da Netflix, com uma trama mais claramente comercial e investimento em artistas famosos como Will Smith, Bright se revela como uma diversão descompromissada, para ser assistida em um fim de semana qualquer, mas nada além disso. O filme sofre de problemas básicos, como a falta de foco narrativo, que atrapalha a mensagem final que o roteiro buscava transmitir. Fica também a impressão de que essa trama funcionaria muito melhor se fosse uma série de episódios contínuos, o que daria mais chances ao diretor de abordar outros aspectos do universo tão interessante que se apresenta no início.

 

Ettore R. Migliorança é estudante de Cinema, com ênfase em roteiro e análise de filme, e já produziu dois curtas universitários