Aniquilação: Um filme desafiador

Por Ettore R. Migliorança

Nova Ficção Científica do diretor de Ex-Machina se revela um suspense alienígena tenso e carregado de questionamentos ao espectador

Uma das coisas mais difíceis de assistir um filme é enxergar o que há nele além do que a história conta e do que o criador da história quer transmitir. Isso pode bater com o que o expectador comum geralmente espera, já que na maioria ele gasta, ou seu tempo vago ou seu dinheiro, em um produto que satisfaz sua necessidade de assistir um filme. Sendo assim, pode até ser perigoso quando um espectador encontra um filme diferente, não consegue compreendê-lo e então sai dizendo que odiou por simplesmente não entender nada, como provavelmente ocorreu com muitos daqueles que assistir ao último filme de Darren Aronofsky “Mãe!” (2017), que, por sua temática e linguagem difíceis, acabou afastando muita gente

De todos os gêneros, o mais provável que sofra essa complicação é a ficção científica, um gênero que foi reciclado ao longo de gerações e se viu transformado por conta de roteiristas e escritores que não são capazes de criar uma narrativa que cumpra os requisitos que o gênero pede e assim atingir o maior público possível. Sendo assim, há u equilíbrio muito difícil de se atingir numa arte tão comercial como o cinema, prova disso é a divisão de público gerada pelo clássico definitivo de Stanley Kubrick 2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968). Muitos enxergam no filme a genialidade do diretor e outros acham o filme apenas monótono e chato.

Talvez como uma possível resposta aos problemas enfrentados por esse gênero em questão, o cineasta Alex Garland, antes pouco conhecido e agora mundialmente reconhecido por dirigir o excelente e instigante Ex-Machina- Instinto Artificial (2014), assume o comando da adaptação do suspense extraterrestre escrito por Jeff VanderMeff, Aniquilação, lançado internacionalmente pela Netflix.

O filme acompanha a personagem de Natelie Portman, Lena, uma bióloga especializada em células, cujo marido está desaparecido. O marido, interpretado por Oscar Isaacs, retorna de repente, mas a impressão de Lena é de que há algo de errado com o comportamento dele. Ela então descobre que ele havia retornado de um local chamado “Brilho”, um território contaminado por interferências biológicas vindas do espaço e que está remodelando o ecossistema do local. Ela então decide, junto com um grupo de mulheres cientistas, sair em busca do ponto zero da contaminação e retornar com vida.

Como já havia demonstrado em seu filme anterior, Alex Garland demonstra ser hábil em sequências de suspense. Se em Ex-Machina ele se centra num enredo contado em cantos fechados de uma casa no meio do nada, aqui a trama se concentra numa área extensa e aberta. Com o fator de efeitos especiais a seu favor, o cineasta cria um universo visual cheio de detalhes ligados à natureza extrapolada por uma biologia possivelmente alienígena, seja através de criaturas exóticas e possivelmente perigosas ou até mesmo das passivas vegetações do local. Jogando também com terror e o suspense, o filme tem por inspiração a literatura de “Horror cósmica” de H. P. Lovecraft, famoso por sua literatura que desafia a concepção e repertório do leitor para se criar uma sensação de medo de maneira dúbia, sem detalhes explícitos. Tanto que esse filme remete principalmente ao conto A cor vinda do espaço de Lovecraft. Pode-se perceber essa influência tanto na premissa como na temática, como fica claro na reflexão que ambas obras levam a cabo sobre até que ponto a interferência da natureza, e de elementos exteriores, pode remodelar o convívio do ser humano com mundo em que ele vive.

Tendo consciência disso, o diretor, que também assume a escrita do roteiro, opta por uma livre adaptação do livro original para poder construir reflexões visuais, cheias de camadas, sobre autodestruição e a força aniquiladora e desconhecida da natureza. Talvez muitas dessas camadas possam soar enfraquecidas pela trama mais imediata das cientistas, mas cada camada permanece lá, sempre latente.  O elenco feminino, aliás, é composto não só por Natelie Portman, mas também por Tessa Tomphson e Jeniffer Jason Leight.

Conforme a trama se aproxima do grande clímax, no entanto, revela-se uma contemplação visual que desafia nossa concepção de lógica. Aqui o filme pode se tornar pouco palatável para o espectador médio, que exige uma explicação satisfatória e conclusiva, mas ao invés disso, Alex Garland opta por deixar a resolução da mensagem do filme através de signos escondidos pelo filme, de interpretação das falas de seus personagens e de reviravoltas complexas no enredo.

Percebe-se então que mesmo se tratando de um filme cujo objetivo é atrair grande público, Aniquilação é um filme que pode não agradar a todos, pois o filme não chega a uma resolução clara e perfeitamente lógica. Cabe ao espectador atribuir significado ao enigma deixado por Garland. Mesmo assim, é um filme que garante um bom clima de tensão e merece ser discutido pela audiência após a sessão, pois o mais importante é que seu caráter corajoso para o gênero de ficção científica representa a capacidade do diretor de criar filmes com tramas simples, mas com camadas de interpretação profundas muito desafiadoras.

 

Ettore R. Migliorança é estudante de Cinema, com ênfase em roteiro e análise de filme, e já produziu dois curtas universitários