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Existir em Nossos Próprios Termos

Nanette (2018) aprofunda, através do humor, as questões da mulher lésbica que nega os padrões estéticos e sociais de feminilidade.

Como garantir nossos direitos se somos invisíveis? Como fazer a manutenção de nossas vidas se só parece ter o direito de existir quem é visto? E como fazer tudo isso sendo tímido ou reservado?

No especial Nanette (2018) de Hanna Gatsby ela apresenta uma das imagens LGBTQ com menos visibilidade até agora: a da mulher lésbica que nega os atributos da feminilidade e que é a imagem da própria Hanna.

Uma anti-musa, a anti imagem do corpo espetacularizado da mulher. Uma mulher que é mais voz do que corpo e nem por isso perde seu direito ao desejo, como no momento em que descreve a briga com um homem que viu que ela estava flertando com a sua namorada. O desejo discreto, sem necessidade de megalomanias, nem de sensualização pública, sem regras normativas. Mas que também é o desejo que se descoberto é reprimido de forma brutal.

Hanna coloca um debate político e estético que é sobre o seu visual, mas também é sobre sua maneira de se portar, como também é sobre quem merece o título de “Artista” com A maiúsculo. É sobre as estruturas de poder que operam na academia e na mídia.

Como lutar por nossos direitos sem deixar de viver do nosso jeito?

 O que é ser gay para além das paradas, marchas e festas?

Aos oprimidos muitas vezes se nega a banalidade, o cotidiano, suas vidas parecem ter que ser uma eterna batalha pela sobrevivência sem alívio sequer na arte, onde suas representações tem que sempre continuar trágicas. Mas Nanette consegue trazer os dois: as piadas sobre sair do armário, sobre o movimento gay e o desabafo sobre os abusos. A vida de uma oprimida em todas as suas complexidades, enfim o direito de ser completa e não precisar ser só mais uma vítima, nem mais um mártir.

A fórmula é a mesma usada pelas vanguardas do teatro e do cinema: quebrar a quarta parede. Ainda que o que isso possa significar no século XXI e suas novas formas audiovisuais seja bastante controverso.

Mesmo assim, sem dúvida o que Hanna faz é quebrar com a ideologia invisível. Ela coloca de forma não só visual mas também verbal (para que fique bem claro) quem está na palco e fazendo o quê. Como a figura de alguém como ela foi apagada, como ela individualmente foi silenciada e como ela se usa da forma do stand up para fazer com que o grupo opressor sinta um leve gosto, ainda que falso e passageiro, do que alguém como ela sente sempre e de forma muito real, na pele:

A tensão de ser o alvo.

 

Julia Gimenes é  formada em cinema e trabalha como montadora e fotógrafa desde então.