Mostra Brasil VII (Urbe e Cinefilia) - 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Mostra Brasil VII (Urbe e Cinefilia) - 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Por Henrique Guimarães

 

O cinema, como todas as artes, permite diversas interpretações sobre um mesmo tema. Sendo assim, os artistas da Mostra Brasil 7 – Urbe e Cinefilia, ofereceram seus olhares acerca da relação entre o espaço urbano e o cinema, entre a criação de imagens e os responsáveis por elas.

 

Os curtas-metragem da Mostra Brasil 7, de nome “Urbe e Cinefilia”, são os principais responsáveis por abordar a relação do cinema com o cotidiano urbano no 34º Curta Kinoforum. Seja em forma de homenagem, ao mostrarem o que acontece por trás das câmeras em sets e salas de projeção ou, é claro, ao explorarem o impacto do cinema na vida de todos os envolvidos. As produções, mesmo com as individualidades e diferentes usos da linguagem cinematográfica, são contemporâneas ao tomar os espaços físicos das cidades como matérias de análise de seus filmes.

 

O primeiro deles, O Filme Perdido (2022), de Luiza Sader, é um falso documentário em que a própria Luiza é a guia pela Cinemateca do MAM no Rio de Janeiro. Mas enquanto ela e seu cinegrafista passeiam pelo espaço registrando o acervo de documentos fílmicos e entrevistando os trabalhadores, percebem comportamentos estranhos e uma atmosfera insólita. 

 

O curta se torna um found footage - subgênero em que se simula a visualização de uma “filmagem perdida” - de terror, que transforma a própria cinemateca em um ambiente misterioso e a matéria física do filme (o rolo de película) em um perigo. Com certeza, uma forma criativa de homenagear os trabalhadores que garantem a manutenção dos acervos históricos e uma ode a lugares importantes como as cinematecas, já que ao final “as pessoas vão e o acervo fica”. 

 

Se o filme de Luiza é uma homenagem, o de Márcio Picoli e Victor DiMarco, Rasgão (2023), é uma denúncia. Nele, um alienígena, P3RFEIT0, vem à Terra para descobrir o porquê de humanos estarem tentando fugir do planeta. No Brasil, encontra um espaço indefinido com um dispositivo que reproduz falas preconceituosas de Bolsonaro em relação a pessoas com deficiência, e assim o extraterrestre encontra o motivo que queria. 

 

O problema é que, apesar do experimentalismo com as fotografias, os sons e as cores do espaço como reflexo da angústia provocada pelo discurso de Bolsonaro, a denúncia e a rápida descoberta fazem do curta um filme impessoal, que não propõe mudanças e não consegue utilizar a mesma vontade que tem ao denunciar, para calar a figura abjeta que expõe. 


Ainda na proposta de usar o cinema em função da crítica, Cama Vazia (2023), de Fábio Rogério e Jean-Claude Bernardet - figura célebre no cinema brasileiro, por conta de seu trabalho como teórico, crítico e diretor, e que hoje em dia convive com um câncer sem tratamento - direciona as suas palavras aos hospitais e às máquinas que tentam mantê-lo vivo, como mostram as fotografias que compõem o curta e indicam uma vida que está escorrendo pelo tempo.

 

(Cama Vazia, Fábio Rogério e Jean-Claude Bernardet)

 

“A máquina precisa manter nossa longevidade para se expandir e lucrar”, diz Bernardet, construindo um dilema por estar vivo por causa da máquina que o mantém como  produto do sistema para continuar operando e lucrando. Ao contrário do que acontece em Rasgão, a resolução de Cama Vazia é mais corajosa dentro do que se propõe, já que, para quem se cansou de viver sendo um produto, morrer é um último ato de resistência. 

 

Para voltar à metalinguagem mais direta, Quebra Panela (2022), de Rafael Anaroli, retrata a vida de Solange, manicure em uma cidade de Pernambuco, que tem a sua rotina afetada pela montagem de um set de filmagem na frente de casa. Apesar de poder abrir a porta e se deparar com o cinema, ou até participar do filme que está sendo realizado, Solange estranha tudo aquilo, como se aquele fosse o seu primeiro contato, não somente com a câmera, mas com o cinema em si. 

 

É bonito enquanto ilustração da vida que se dá por trás das câmeras, das grandes produções, até porque o realismo que o cinema tanto busca sempre esteve fora dele. Entretanto, quando finalmente as pessoas reais aparecem no filme de mentira (o que está sendo gravado na frente da casa de Solange), o filme de verdade - o que tenta ser Quebra Panela - se torna um clipe musical, de mentira. É um tanto anticlimático, um mal causado pela encenação que não acredita na sua própria matéria como filme, e então se contradiz.

 

Enquanto O Filme Perdido é uma homenagem aos trabalhadores responsáveis pela manutenção dos acervos fílmicos, O Condutor da Cabine (2023), de Cristiano Burlan, é um documentário dedicado aos projecionistas, representados aqui por Valmir, funcionário do Cinesesc. Ele nos dá seu depoimento sobre a sua relação com o cinema e diz como o trabalho o fez descobrir essa paixão, que remonta a suas descobertas de infância.

 

São preciosas as falas de Valmir, porque é difícil encontrar pessoas que falem de maneira tão apaixonada pelo que fazem como ele, e tão raras quanto são as imagens oferecidas ao projecionista por Burlan. O diretor mais prolífico dentre os nomes da mostra Urbe e Cinefilia exibe a sua experiência nos planos pretos e brancos sem se esquecer de Valmir, que também se reconhece como artista em seu ofício. Afinal, homenagear é também garantir que o homenageado se reconheça como tal.

 

(O Condutor de Cabine, Cristiano Burlan)

 

Para encerrar a mostra, uma animação que une diretamente o urbano e o cinema, como prevê o tema. Noite no Ar (2022), de Nino Pereira, dá vida tanto a um grafiteiro quanto à cidade de São Paulo. Através do desenho, o personagem e o espaço se integram, as letras dos bares ficam em relevo e o grafiteiro flutua, perdido como uma barata (que também é sua representação aqui), no mapa. O que acontece com ele não é certo e nem precisa ser, mas se antes era um transeunte que depois mergulhou na cidade para se tornar um anjo, é melhor que sua história fique com esse fim indefinível, para que ele possa se juntar ao filme na tentativa de se manter vivo nos traços da Noite no Ar.


Integração talvez seja a palavra que consolide a mostra Urbe e Cinefilia, seja entre a cidade e o povo como em Noite no Ar, entre os gêneros cinematográficos em O Filme Perdido, a metalinguagem e a realidade de Quebra Panela, a revolta e a necessidade em Cama Vazia, ou a denúncia e a repulsa de Rasgão. E também pela crítica, homenagem, angústia, perdição ou pertencimento, todos os curtas integram os espaços urbanos à sua própria maneira de entender a cinefilia.

 

 

 

Biografia: 

Henrique Guimarães é estudante, crítico e pesquisador de cinema, curioso pelas possibilidades que as imagens podem oferecer. Realiza curtas universitários e independentes, escreve para diversos portais.

 

 

A cobertura do 34ª Festival Internacional de Curtas de São Paulo - Curta Kinoforum faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos à Atti Comunicação e Ideias e a toda a equipe da Associação Cultural Kinoforum por todo o apoio na cobertura do evento. 

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta, Apoio de produção e Transcrição das entrevistas: Rayane Lima