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Retrospectiva Prêmio Estímulo | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Retrospectiva Prêmio Estímulo | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Por Felipe Palmieri

 

A 34º edição do Festival Curta Kinoforum retorna com a mostra “Retrospectiva Prêmio Estímulo”, que contempla esse âmbito histórico da produção curta-metragista em São Paulo.

 

A programação do Curta Kinoforum de 2023 conta novamente com exibições que buscam trazer à tona a história do cinema brasileiro, através de descobertas ou redescobertas que voltam aos holofotes, décadas após os seus lançamentos. É o espírito incorporado pelo programa especial “Retrospectiva Prêmio Estímulo”, que se consolida como tradição do Festival de Curtas de São Paulo. Neste ano, o programa apresenta 32 filmes distribuídos ao longo de 8 sessões, as quais serão realizadas no Museu da Imagem e do Som (MIS) entre os dias 29/08 e 01/09. 

 

O Prêmio Estímulo, que dá nome à mostra, é um fomento para a realização de curtas-metragens no estado de São Paulo que já existe há mais de 50 anos, e contribuiu na formação de cineastas paulistas de grande relevância. Dentre estes, pode-se ressaltar nomes como Carlos Reichenbach, Ana Carolina, Ugo Giorgetti, Tata Amaral e Beto Brant - os dois últimos presentes na programação do 34º Kinoforum.

 

(A Garota das Telas, 1988, Cao Hamburguer)

 

Os entrelaces históricos são um fator evidente na curadoria da Retrospectiva Prêmio Estímulo do 34º Kinoforum, realizada pelo cineasta e ex-diretor do MIS, André Sturm, com parcela significativa dos filmes explicitando os tempos e lugares nos quais foram realizados. Estes servem como representação, direta ou indireta, de uma memória nacional construída através da imagem e do som.

 

Pode-se dizer que quase toda a seleção de curtas engloba tal pensamento de uma forma ou outra, mas alguns filmes permitem exemplificar o discurso com mais clareza. Este é o caso de dois filmes cujas abordagens são profundamente divergentes: Hip-Hop SP (1990, dir. Francisco Cesar Filho) e História Familiar (1988, dir. Tata Amaral).

 

 

 

(Hip-Hop SP, 1990, Francisco Cesar Filho)

 

O filme de Cesar Filho é um documentário, em preto e branco, que retrata a presença da cultura do hip-hop na juventude paulistana. O filme se utiliza tanto de imagens de arquivo quanto de captações originais, trabalhando com uma estrutura fragmentada que tange das performances musicais e de dança até as raízes históricas e sociais que estruturam a existência das práticas retratadas. A violência policial, o comércio transatlântico de povos escravizados e a influência estadunidense são todos tópicos presentes nesse registro social, o qual ainda carrega muita relevância em seu discurso. Grande parte da obra de Cesar Filho foi dedicada ao estudo documental de movimentos culturais e musicais, e aqui se observa uma versão curta e direta de tal visão.

 

A ponte a ser traçada entre os curtas de Cesar Filho e Tata Amaral é a presença da tecnologia como chave do registro histórico: a caracterização do avanço tecnológico de um tempo como a sua marca. Assim, podemos adentrar no curta História Familiar, um filme de ficção que narra os acontecimentos da noite de um casal heteronormativo estereotipicamente comum. A relação estabelecida é entre o amor idealizado nas telas e o amor presente na convivência real, com o filme A Força do Amor (1983, dir. Jim McBride) - uma reimaginação americana do clássico Acossado (1960), de Jean-Luc Godard -, passando na televisão o tempo inteiro. As interferências constantes de aparelhos de comunicação dão ritmo ao conflito de um casal que parece querer atingir o amor ideal do filme, mas é impedido pela realidade. 

 

A temática abordada pela diretora é uma crítica que atravessa o universo imagético do cinema em si, feita em um ponto da carreira da cineasta em que ela ainda não era uma figura consolidada, e nos permite abstrair uma dinâmica metalinguística complexa a partir de uma estrutura simples. História Familiar dialoga com outra faceta histórica da seleção: as representações indiretas, em filmes que retratam tempos diferentes dos que foram realizados. 

 

Isso nos leva ao clássico A Garota das Telas (1988, dir. Cao Hamburger), uma animação em stop-motion que eleva a metalinguagem ao máximo. Acompanhamos o protagonista percorrendo uma aventura através de diversos gêneros cinematográficos para conquistar a paixão da mulher idealizada. Os paralelos entre A Garota das Telas e História Familiar são muitos, mas a perspectiva adotada por Cao Hamburguer é muito mais otimista e romântica: não configurando uma crítica, mas uma homenagem às imagens impregnadas no imaginário coletivo.

 

 Um outro fator relevante a todos os curtas mencionados é a influência internacional: em Hip-hop SP, a força norte-americana na música é muito sentida, tal qual a hegemonia do ideário estadunidense no subtexto de História Familiar. Em A Garota das Telas, o cinema hollywoodiano é adotado não apenas como referencial, mas como parte da linguagem, em emulações paródicas constantes. É uma linguagem pop, que antecede o sucesso comercial que o diretor Cao Hamburguer teria mais tarde na televisão. 

 

No entanto, há um filme que abraça o aspecto internacional mais que os outros: Dov'è Meneghetti? (1989, dir. Beto Brant). Também um filme de época, o curta do renomado diretor de O Invasor (2001) é uma mescla de convenções de gênero que precedem o estilo mais cru e direto que se tornou marca do autor. Aborda-se com bom humor a representação do criminoso Gino Meneghetti - um conhecido fora da lei, que recebeu o apelido de “gato de telhado” pelo método que usava para fugir das cenas de crime - e que aproveita  a narrativa para ilustrar a cultura ítalo-paulista em seus exageros e contradições. Apesar do tom estereotípico dos personagens no curta, aqui tem-se a incorporação mais assumida de uma cultura estrangeira, interpretada pelo elenco com teatralidade máxima, o que consuma o tom paródico e leve do curta.

 

(Dov'è Meneghetti?, 1989, Beto Brant)

 

Apesar da restrição inevitável do ato de selecionar - também exercido no presente texto -, a Retrospectiva Prêmio Estímulo do 34º Kinoforum consegue realizar um panorama justo e interessante da produção de curtas-metragens no estado de São Paulo nas décadas finais do século XX. Os 32 filmes exibidos merecem a atenção e o apreço público como marcos relevantes da realização do cinema em território brasileiro, denotando, sejam estes de cineastas conhecidos ou não, as múltiplas facetas formais, temáticas e de gênero no curta-metragem.

 

 

Biografia:

Felipe Palmieri é estudante de Cinema na FAAP. Absolutamente fascinado por todas as pluralidades e sutilezas que a linguagem cinematográfica é capaz de abrigar, e pelas infinitas perspectivas que foram e serão materializadas através disso.

 

 

A cobertura do 34ª Festival Internacional de Curtas de São Paulo - Curta Kinoforum faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos à Atti Comunicação e Ideias e a toda a equipe da Associação Cultural Kinoforum por todo o apoio na cobertura do evento. 

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta, Apoio de produção e Transcrição das entrevistas: Rayane Lima