logo mnemocine

hitch.png

           facebookm   b contato  

Mostra Brasil IX (Mitos e Mistérios) | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Mostra Brasil IX (Mitos e Mistérios) | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Por André Quental Sanchez

 

Apelidada de "Mitos e Mistérios", a IX Mostra Brasil inclui cinco curtas que refletem sobre o folclore brasileiro, a relação com a natureza, entidades como os orixás e histórias atemporais.

 

Utilizando como inspiração as religiões de matriz africanas presentes em comunidades por todo o país, a IX Mostra Brasil do Festival Kinoforum se inicia com o curta A Alma das Coisas, um documentário/experimental de Felipe Herzog e Douglas Soares que retrata a vida e morte de uma escultura produzida para um desfile de Carnaval. Ao longo da produção, acompanhamos as reflexões desta escultura denominada Babalotim, ídolo menino, e seus pensamentos sobre a vida, a morte e o que ocorre depois, ao mesmo tempo que faz relações com os Orixás que estão presentes na produção, tanto de maneira verbal como por rituais e danças.

 

(A Alma das Coisas, Felipe Herzog e Douglas Soares)

 

Por conta de o protagonista ser uma escultura imóvel e somente acompanharmos seu pensamento por meio de uma voz off, a repetição desta estrutura satura-se após um tempo. Esse fator não compromete o todo, que discute desde o Carnaval até a nossa relação com a África, e faz um retrato de algumas de nossas marcas como brasileiro: o carnaval, a religião, o tradicionalismo, entre outras.

 

Em seguida, somos apresentados ao curta "Romeu e Julieta em Libras”, dirigido por Adriana Somacal e ganhador do prêmio de melhor filme no festival “Despertacular 2022”, ocorrido no Distrito Federal. O projeto adapta a peça de William Shakespeare para os dias atuais, fazendo uso somente da língua brasileira de sinais (LIBRAS). Utilizando uma estética teatral, ele ganha destaque principalmente em sua direção de arte e cinematografia, transportando a cena para o Carnaval de Verona, onde ocorre a tragédia. A adaptação faz um retrato satírico e atual do Brasil como o programa “Verona Urgente”, uma paródia do programa “Brasil Urgente” de José Datena, e realiza assim um retrato da violência e da intolerância do povo brasileiro.

 

Compartilhando a temática da re-imaginação e reflexão de mitos e histórias, o curta Bucho de Peixe, dirigido por Johann Jean e ganhador do prêmio de melhor atriz no 16º festival de curta Taquary , neste ano, faz uso do folclore brasileiro e de uma atmosfera onírica para retratar a história de uma família afetada pela presença do Boto Cor de Rosa. Ao invés de didaticamente explicar o personagem, o curta faz uso de uma figura já conhecida do nosso folclore, para retratar a história de uma mãe e os traumas ocasionados para a sua família após o contato com tal entidade.

 

Fazendo uso de planos estáticos e de uma forte coloração azul, o filme estabelece uma  reflexão e examinação cautelosa dos acontecimentos, auxiliando na criação de um clima de tensão e opressão que permeia todo o curta - até o seu final, que nos leva a refletir sobre a vulnerabilidade humana ao destino e as ocasiões que fogem ao nosso controle.

 

Continuando a reimaginar personagens do folclore brasileiro, o curta Energúmeno, dirigido por Luis Calil, conta a história de um professor de biologia que se isola em uma chácara distante para trabalhar. Seu repouso é interrompido, entretanto, pela aparição de uma figura que remete ao mito folclórico do Corpo Seco. Calil dirigiu, produziu, escreveu, fez fotografia e a trilha do filme, tornando o projeto uma obra particularmente autoral.

 

A tensão é eficaz, auxiliada pela trilha, composta por instrumentos de percussão. O projeto é muito bem dosado com situações cômicas, desde cenas em que o protagonista tenta subir de roupão em uma árvore, até um momento em que grava um áudio de despedida para a esposa. Por ser um filme de costumes, o curta foca em uma análise comportamental do protagonista e em um retrato de uma situação, sem ter o objetivo de ocasionar grandes arcos na personalidade dos personagens.

 

Terminando a sessão da Mostra Brasil IX, temos o filme Verde, de Rodrigo Ribeyro e Gustavo Auricchio, que retrata a vida de Marieta, uma agricultora no interior do Brasil que começa a ser atormentada por sombras do passado. Enquanto Bucho de Peixe e Energúmeno retratam personagens do folclore brasileiro, Verde se relaciona mais com A Alma das Coisas, na medida em que tanto Marieta quanto seu marido se relacionam a entidades como o Preto Velho. 

 

Ao filmar a natureza, o curta apresenta uma linda cinematografia e quase nenhum diálogo, deixando o papel principal para o design de som magistral, composto por uma variação entre ruídos e silêncios - trilha é introduzida somente no momento final em que Marieta já está totalmente iludida por este passado.

 

Retratando a natureza e a cultura tradicional, Verde consegue resumir em si o principal objetivo desta mostra: o ode à natureza e às histórias tradicionais que permeiam nosso país, retratando as influências e adaptações que elas geram em nossa cultura, estando presentes da mesma maneira que séculos atrás, ao mesmo tempo em que se abrem à  possibilidade de reimaginação e de serem utilizadas como combustível artístico em diferentes objetivos e técnicas.

 

 

Biografia:
André Quental Sanchez é graduado em cinema na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), onde roteirizou e dirigiu um curta-metragem. Tem muito interesse na área do som, crítica e roteiro, tendo interesse e gosto pelo campo cinematográfico desde que se enxerga como gente. Pretende seguir vida acadêmica no futuro.

 

 

A cobertura do 34ª Festival Internacional de Curtas de São Paulo - Curta Kinoforum faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos à Atti Comunicação e Ideias e a toda a equipe da Associação Cultural Kinoforum por todo o apoio na cobertura do evento. 

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta, Apoio de produção e Transcrição das entrevistas: Rayane Lima