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Homenagem a Gilda Nomacce | Mostra Internacional | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Homenagem a Gilda Nomacce | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Por Esther Menah

 

Composta por cinco curtas-metragens, a Mostra “Homenagem a Gilda Nomacce” celebra a maestria da atriz na arte da atuação em diferentes gêneros e produções, homenageando a sua capacidade de se reinventar a cada papel.

 

Gilda Nomacce se consolidou como um dos grandes nomes do cinema brasileiro através de notáveis atuações em curtas e longas-metragens, passando também pelo teatro e pela televisão. Desde jovem, iniciou a sua jornada como atriz nos palcos e peças, o que a levou a perseguir o seu sonho de atuar em novelas. Apesar de, em um primeiro momento, não ter recebido as oportunidades que almejava na TV, foi no cinema onde alvoreceu o legado de sua carreira, engatilhada com o curta de terror Um Ramo, dirigido por Marco Dutra e Juliana Rojas em 2007. 

 

A partir desse momento, a presença e o talento de Gilda se alastraram pelas produções brasileiras, principalmente em curtas-metragens. Sempre aberta para acolher diferentes projetos e personagens, especialmente vindos de jovens cineastas, a artista expressa a sua versatilidade na escolha de gêneros, se aventurando pelo terror, pela comédia, ou por dramas queer, entre outros.  Atualmente, ela explora outras vertentes da Sétima Arte com a produção de um documentário pela Tatu Filmes, produtora idealizada e comandada pela própria Gilda. 

 

Para celebrar as múltiplas facetas encenadas por Gilda Nomacce, o 34º Festival Curta Kinoforum reuniu cinco curtas de temáticas bem distintas entre si. Em cada produção, é possível ver como a atriz se entrega de corpo e alma para as narrativas, bem como a liberdade de sua expressão artística exteriorizada em cada personagem. 

 

No curta Romance (2021), dirigido por Karine Teles, Gilda protagoniza Juliana, uma mulher que enfrenta o amor romântico como o principal obstáculo para cumprir uma tarefa simples: chegar em seu escritório para trabalhar. Ao conseguir sair do apartamento de seu amante, que tenta persuadi-la com palavras amorosas, Juliana insiste em seus compromissos e em sua independência, oralizada  pelo rugido de um leão sempre que a pressão do homem tenta se sobrepor às suas vontades. 

 

Em seu trajeto, Juliana também se depara com o seu ex-marido, Luís, que luta pela reconciliação do casamento durante uma carona, utilizando um romantismo barato e exacerbado. Após negá-lo, ele a abandona em um campo de futebol, onde a mulher reencontra João, um antigo namorado. Enquanto tenta contatar o escritório, Juliana novamente se vê sufocada pelo romance e pelas lembranças da antiga relação. 

 

Trabalhando com a câmera sempre em um plano distante, o curta desconstrói o amor romântico e idealizado como força motriz na vida das mulheres, e que muitas vezes consome as suas verdadeiras aspirações. Em um mundo que ainda dita a felicidade feminina pela métrica de um relacionamento amoroso, Juliana luta para se livrar dessas amarras até o final, quando se encontra encurralada por todos os personagens.

 

 

(Romance, Karine Teles)

 

Ao intercalar cenas em que a protagonista corre e rodopia, livre, pela praia, e cenas da mulher sufocada pelos homens ao seu redor, a atmosfera do curta se transforma ao final, com Juliana manchada de sangue e com uma corrente no pescoço, que sinaliza o brutal resultado da liberdade. 

 

Transitando para uma temática mais obscura, no curta Nua Por Dentro do Couro (2014), de Lucas Sá, Nomacce dá vida a uma mulher misteriosa, que inicia a narrativa comprando carne e um bonito bolinho no mercado. Ao retornar ao seu apartamento, esbarra com uma jovem que possui um olho de papel na face, também residente do condomínio.

 

Ao receber a  carta de um laboratório de análises clínicas, a jovem foge do ambiente caótico de  sua casa e decide ir até a estranha mulher, que anuncia a venda de bolinhos em sua porta. Ao comprar um dos doces, uma sucessão de trágicos eventos culminam na mutilação de uma das partes do corpo da garota, planejada pela personagem de Gilda, que comete o crime no banheiro de sua casa. 

 

Os intensos acontecimentos do curta permitem um leque de interpretações, mas o que se destaca é a liberdade corporal e artística que o papel oferece a Gilda. A questão do corpo é explorada a partir de diversos recursos, desde o título do filme até elementos explícitos, como as cenas em que a mulher corta brutalmente a carne comprada no mercado, limpa o chão sangrento do banheiro e atinge o ápice durante o crime, enquanto uma figura musculosa de um tentáculo surge da banheira, representação literal de seu instinto nu e cru. São imagens que advogam a libertação de impulsos que não podem ser contidos por contornos bem definidos.

 

Seguindo ainda uma temática sangrenta e dramática, o filme Jiboia (2011), dirigido por Rafael Lessa, apresenta a atriz em um papel polêmico e ousado ao interpretar Aurora, uma cabeleireira que mantém um relacionamento amoroso com uma adolescente de 14 anos, Gracekelly, a filha da dona do salão. 

 

Apesar do desconforto gerado pelo relacionamento entre Aurora e Gracekelly, o curta aborda importantes questões, principalmente voltadas  às imposições estéticas não somente sobre o  corpo feminino, mas também de menores de idade. Gracekelly busca constantemente a aparência de uma mulher adulta, através do corte de cabelo, da tinta loira, das roupas e da vontade de realizar uma mamoplastia de aumento, algo que coloca a menina em situações de assédio por homens mais velhos.

 

(Jiboia, Rafael Lessa)

 

Dentro deste contexto, Aurora surge como uma figura igualmente problemática na vida da menina, que se ao  mesmo tempo tenta impedi-la de realizar a cirurgia, também a manipula moralmente. A continuidade do impacto do curta se amplia  ainda mais em sua conclusão, quando Aurora comete outro crime ao assassinar a garota durante uma briga corporal, causada pela vontade de Gracekelly se ver livre das amarras da namorada. Uma discussão sobre anulações de uma  juventude constantemente presa pela influência de imagens irreais, que mais uma vez se desconstroem para revelar impulsos agressivos e irracionais.

 

Deixando de lado os dramas mais sombrios, na poética produção Minha Única Terra é na Lua (2017),  de Sérgio Silva, Gilda ultrapassa as barreiras da Sétima Arte e interpreta o próprio diretor do curta. Com um discurso introdutório de Luc Moullet, recheado de astrologia, misticismo e referências a cineastas piscianos, o curta metalinguístico retrata o amor, a arte, o autoconhecimento e o ímpeto  de se investigar o outro, de trazer para si uma personalidade além da sua e tentar compreendê-la.

 

(Minha Única Terra é na Lua, Sérgio Silva)

 

Imersos em uma atmosfera simples e intimista, Sérgio responde 36 perguntas sobre a sua vida pessoal, feitas por Gabriel, para fazer o homem se apaixonar por ele. Apesar das cenas majoritariamente compostas pelo diálogo do casal, Gilda cativa com a sua atuação envolvente ao exteriorizar com gestos, expressões e olhares, as camadas da personagem enquanto relata a sua história de vida. Em alguns momentos, Nomacce intercala a interpretação com o próprio diretor, respondendo perguntas relacionadas a temas sensíveis como a depressão, as relações familiares, as frustrações amorosas, a dor do passado e o medo do futuro. 

 

As perguntas trazem à tona sentimentos universais que todos acabam experienciando em algum momento durante a vida, fator que torna o curta fácil de se conectar. A cena final, marcada pelas lágrimas de Sérgio ao responder a última pergunta e iniciar o mesmo questionário, agora para Gabriel, retrata a vulnerabilidade causada pela  escolha de amar alguém e ser amado de volta, pela coragem de permitir acesso a memórias dolorosas, e outras felizes. É sobre a abertura das  experiências que nos constituem como pessoas,  que podem ser expostas sem máscaras, armaduras ou atuações e permitir conexões mais profundas pela revelação de nossa essência. 

 

Por fim, o curta This is not dancin´ days (2020), de Julia Katharine, apresenta pelo título a conexão com a história pessoal de Gilda, que decidiu se tornar atriz por conta do trabalho de Glória Pires na novela Dancin´ Days. Durante uma aparente conversa com alguém por trás da câmera, Nomacce interpreta uma atriz, ao mesmo tempo em que encena ela mesma, que divaga por diversos pensamentos, nostalgias e aflições geradas pelo contexto da pandemia da COVID-19.


Em conjunto com uma produção caseira, sem a linearidade de um roteiro, e com uma narrativa que lembra um fluxo de consciência, Gilda incorpora uma protagonista que enfrenta a ansiedade de realizar a sua primeira live stream, isolada em casa. Mergulhada em um mar de preocupações, a atriz navega por detalhes aleatórios da própria casa, como a planta com buraquinhos ou o caderno com a capa da Barbie, algo que remonta ao que muitos viveram durante esse período desesperançoso: a necessidade de se agarrar às coisas cotidianas ao nosso redor e torná-las interessantes o suficiente para ocupar a mente.

 

(This is not dancin´ days, Julia Katharine)

 

Assim como no filme de Sérgio Silva, a direção  de Julia Katharine foca nas falas das personagens, fator que, em primeira instância, pode não prender a atenção. Porém, mais uma vez, Gilda Nomacce transborda talento ao abraçar os sentimentos e preocupações geradas pela ocupação profissional da personagem. Assim, é mostrada a dureza da introspecção neste episódio vivido pela humanidade, em que na pele de uma atriz se abre uma margem para um exercício de incorporação de outras personalidades, com dores universais. 

 

Apesar de não ser possível definir a trajetória de Gilda em apenas cinco curtas, a homenagem destaca a importância da artista que, com ousadia e dedicação, explora as profundezas da complexidade humana, capaz de deixar uma marca inextinguível na indústria e na memória do público. Sua habilidade em dar vida a personagens complexos e a capacidade de se reinventar em cada papel são um testemunho da potência da atuação. Com esse tributo, o festival reconhece não apenas a carreira notável de Gilda Nomacce, uma artista cuja presença e talento continuarão a brilhar nas telas por muitos anos, mas também a magia dessa arte que aprimora e transforma a nossa compreensão da vida e do mundo.

 

 

Biografia:

Esther Menah é estudante de Letras e adora escrever e explorar os símbolos e as artes através da Literatura.

 

 

A cobertura do 34ª Festival Internacional de Curtas de São Paulo - Curta Kinoforum faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos à Atti Comunicação e Ideias e a toda a equipe da Associação Cultural Kinoforum por todo o apoio na cobertura do evento. 

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta, Apoio de produção e Transcrição das entrevistas: Rayane Lima