Levante (2023, Lillah Halla) | 31º Festival Mix Brasil

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Levante (2023, Lillah Halla) | 31º Festival Mix Brasil

Por Gabriela Saragosa

 

O longa-metragem Levante, de Lillah Halla, abre a trigésima primeira edição do Festival Mix Brasil. Premiado pela crítica no Festival de Cannes ― segunda participação de Halla no evento; seu curta-metragem Menarca, de 2020, também estreou no festival ―, o filme propõe um olhar à realidade do aborto no Brasil através da história de Sofia (Ayomi Domenica Dias), uma jovem jogadora de vôlei com uma carreira promissora à sua frente que inesperadamente se vê grávida. 

 

A claustrofobia de se viver em um corpo capaz de engravidar, em um país que restringe a autonomia desses corpos, é central na trama. Sofia busca todos os recursos possíveis ― um aborto clandestino, um aborto legal no Uruguai e até o desferimento de socos e outros golpes contra seu próprio abdômen ―, mas não consegue se ver livre dessa condição indesejada. O que ilumina a trama é o amor entre Sofia e suas colegas de time, personagens cheias de vida que estão dispostas a fazer qualquer coisa ao seu alcance para ajudá-la. Entre a sensação de impotência e a fidelidade total das amizades representadas, o enredo e a atmosfera remetem, nesse sentido, ao filme Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (Eliza Hittman, 2020), que retrata o processo do aborto sob uma perspectiva norte-americana.

 

A tentativa de aborto legal no Uruguai confere uma dimensão fundamental à discussão proposta por Levante. Sofia é filha de mãe uruguaia, já falecida, mas nasceu no Brasil, e o pai  brasileiro, não tem os documentos necessários para que possa ser realizado o procedimento (e nem tempo hábil para providenciá-los). Como cidadã uruguaia, Sofia poderia ter interrompido a gravidez rapidamente, com uma pílula. Esse momento da trama é um lembrete da estagnação brasileira quanto à descriminalização e regularização do aborto, enquanto diversos países vêm tendo progressos significativos, incluindo alguns de nossos vizinhos sul-americanos. 

 

Logo que descobre a gravidez, Sofia tenta resolver a questão em segredo, e é quando encontra uma suposta clínica de aborto clandestino que se depara com a crueldade da moral  cristã, determinada a persegui-la e fazê-la levar a gravidez adiante; preferem vê-la morta do que interrompendo a gestação. Fica explícito, ao máximo, um dos maiores inimigos do progresso da questão do aborto no Brasil: o fanatismo religioso que domina um Estado laico. 

 

A progressão narrativa do filme é sutil e fluida, traçando um caminho do desespero e impotência à raiva e confronto. Cru e essencialmente brasileiro, o filme traz com naturalidade múltiplas questões de gênero, sendo a vivência queer intrínseca ao enredo e à vida de Sofia: ela desenvolve uma relação romântica com Bel (Loro Bardot) e seu time de vôlei é constituído por uma pluralidade de identidades. Confrontando diretamente a onda conservadora que tomou o país nos últimos anos, Levante define o tom da edição de 2023 do Festival Mix Brasil.

 

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Biografia:

Gabriela Saragosa é estudante de Cinema no Centro Universitário Armando Alvares Penteado (FAAP), com experiência nas áreas de pesquisa, roteiro, direção, produção e direção de arte.

 

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A cobertura do 31ª Festival Mix Brasil faz parte do programa Jovens Críticos, que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos à Atti Comunicação e Ideias, Marcio Miranda Perez e a toda equipe da Associação Cultural Mix Brasil por todo o apoio na cobertura do festival.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta e Assistente de Produção: e Rayane Lima