Entrevista com Leonardo Lacca (Seu Cavalcanti, 2024) | 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes

Entrevista com Leonardo Lacca (Seu Cavalcanti, 2024) | 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes

Por Davi Krasilchik

A 27ª Mostra de Tiradentes aconteceu em Janeiro, trazendo uma nova safra de filmes brasileiros para o festival que todo ano toma conta da cidade mineira. Entre os destaques que representaram o cinema nacional contemporâneo, merece menção o tocante Seu Cavalcanti (2024).

 

Filmado durante muitos anos, a produção acompanhou um longo período da vida de Severino Cavalcanti, o adorável avô do diretor Leonardo Lacca. A Mnemocine teve a chance de entrevistar o cineasta durante o festival, onde pudemos conversar com ele sobre o processo, sobre as motivações para o projeto, e como o documentário pensa a memória de maneira geral. 

 

Davi Krasilchik: Pra gente ir começando, você veio filmando o seu avô desde quando?

Leonardo Lacca: Venho filmando o meu avô desde 2002 ou 2003. Desde que eu tive acesso a uma câmera, desde que eu tive uma câmera em mãos. Porque naquele momento não era muito simples de ter uma câmera. Eu digo uma câmera mini DV de uma melhor qualidade. Não existiam celulares com câmera. Claro, em algum momento ou outro eu estive com uma VHS e filmei a família. Mas foi nesse período que comecei a filmar meu avô especificamente.

 

DK: Quando você soube que queria transformar o material em um filme?

LL: Isso foi exatamente em 2007, quando eu já tinha filmado algumas fitas e comecei a ver o material numa ilha de edição. Comecei a ter contato com o material e comecei a entender um pouco o que estava rolando. Naquele momento, Kleber (Mendonça Filho) e Emilie (Lesclaux), do Janela, me convidaram para fazer uma vinheta do festival. E, como eu estava na época olhando o material do meu avô, eu experimentei e comecei a fazer as vinhetas e pensei que eu queria fazer um filme sobre isso. Mas foi o início do processo. A partir dali, em 2008, eu comecei a filmar com mais intenção.

 

DK: Como ele lidava com a presença da câmera? Percebia, atuava muito?

LL: De certa forma, ele percebia a câmera, mas a aceitava de uma maneira tranquila. No iniciozinho mesmo, eu filmava de um jeito discreto. Até que uma vez eu estava com um microfone de boom. Eram aqueles microfones que têm uma capa protetora, que são bem peludas. Então, eu estava com aquilo ali, meio que perto, pendurado. E ele perguntou o que era isso. Então, eu disse que era um bichinho de pelúcia. Ele riu sem acreditar. Depois disse que era um microfone. Então, aos poucos, eu fui revelando e deixando tudo aparente. Porque, inicialmente, eu achava que, de repente, o fato de ele ter uma câmera, ele mudaria a forma dele. Porque a minha vontade inicial foi de tentar registrar uma coisa mais banal, a vida dele e tal. E, depois que ele aceitou a câmera, eu também entendi que eu poderia começar a pedir coisas para ele. Começar a dirigi-lo. Ele embarcou de uma maneira muito natural no campo da atuação. Mas não é que eu pedi pra ele ser o ator do filme. Não. Isso foi aos poucos. Eu dizia “Faz isso, faz aquilo.” E ele fazia. E ele sabia que eu fazia cinema. Ele se via. Ele via meus trabalhos e tudo.

 

DK: Como era dirigir o seu avô?

LL: Era muito interessante, porque ele não era ator, mas ao mesmo tempo ele ficava muito à vontade diante das câmeras. Eu o levava para as filmagens, ele fazia figuração, ele fazia participação, então ele ficava de boa. Dirigir ele era muito simples e muito surpreendente, porque ele entregava muita coisa que eu não pedia, como se fosse uma improvisação. E aí também, em alguns momentos, ele interagia com pessoas atuando também, e virava um jogo mesmo, bem empolgante. 

 

DK: Como foi encontrar essa relação entre algo pessoal e ao mesmo tempo universal no desenrolar do projeto?

LL: Isso é um norte para mim, para o meu trabalho artístico. Apesar de querer falar de temas muitas vezes pessoais, eu almejo que as pessoas se identifiquem, que não seja algo hermético, fechado, ensimesmado. Isso foi uma preocupação sempre. Nesse momento aí, 2006, 2007, 2008, começou a ter uma tendência de filmes que se chamava de “filmes umbigos”. E eu não queria que esse fosse um filme umbigo. Eu queria que ele explodisse esse rótulo. Isso estava no meu coração, mas eu não sei exatamente qual é a fórmula disso, para fazer algo mais universal com algo tão íntimo e pessoal. Porque, nesse processo artístico, você está fazendo a obra que você quer. Não tinha ninguém nos controlando, nos aperreando, nem falando do prazo. É um filme muito particular que levou só de montagem 10 anos. Então, eu estava ao lado de pessoas certas, muitos colaboradores que me fizeram também enxergar, me fizeram e contribuíram muito para o processo de fazer esse filme.

 

DK: O que pensa pra projetos futuros, voltar a trabalhar com essa questão da memória?

LL:  Depois desse processo de 20 anos, eu quero ter processos mais curtos. A minha vontade atual é fazer um filme de ficção “normal”, com uma pré-produção de dois meses, uma filmagem de oito semanas, uma montagem de quatro meses, fazer um processo um pouquinho mais tradicional. Lançar esse filme foi uma libertação de algo que eu venho fazendo há muito tempo, mas que começou a fazer parte da minha vida, não só artística, mas pessoal. O filme me habitou ao longo desse tempo e agora eu estou disponível para novos processos. Eu tenho um longa pra filmar, tô finalizando uma série de TV policial chamada Delegado. A memória sempre vai ter lugar no meu trabalho, mas acredito que nunca mais como foi em Seu Cavalcanti.

 

 

Biografia:

Davi Galantier Krasilchik é estudante de Cinema e Jornalismo na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), onde já roteirizou e dirigiu dois curtas-metragens. Ele também já fotografou dois projetos curriculares, além de produções por fora, e escreve críticas e reportagens para meios como a revista universitária Vertovina e o site Nosso Cinema. A sua paixão pela Sétima Arte se manifesta desde a infância, e atualmente ele trabalha na Filmoteca da TV Cultura, onde ajuda a preservar esse material pelo qual tem tanta paixão.

 

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A cobertura do 27º Mostra de Cinema de Tiradentes faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos a toda a equipe Universo produção e a ATTI Comunicação e Ideias por todo o apoio na cobertura do evento.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino, Fernando Oikawa e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Rayane Lima