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O dia em que Marlon Brando morreu

Por Silvia Cobelo

Dia ensolarado, parecia inócuo. Quando ouço a notícia, aparece crua, auto – explicável; ele tinha oitenta anos, algum dia teria que morrer e coisas do gênero.

Anuncia-se muito a morte. Morte é notícia. Em 1990 foi seu filho primogênito: matou o espancador marido de sua irmã, a qual tira sua vida quatro anos depois. Leio que um dos seus vários filhos é autista, que era vizinho do Jack Nicholson. E volto a lembrar dele na telona.

Horror. Horror. Brando é o próprio Apocalipse. Se papel como Coronel Kurtz – um homem enlouquecido pela guerra hedionda, narcotizado pelo poder.

O meu ídolo a dançar seu Último Tango naquele frenesi dele, flexionando seu torso ao compasso de Gato Barbieri, enroscando a Maria Shneider, fazendo-me debulhar em lágrimas junto com ele – ao conversar com o corpo para sempre inanimado de sua mulher suicida, no monólogo improvisado mais intimista da história do cinema. A verdade é que ele já havia me feito chorar em Queimada!, quando ele trai seu amigo e companheiro de rebelião.

E voltando mais ainda, confirmando sua fama do homem mais bonito do seu tempo, ouço seus gritos desesperados, chamando por Stella no Bonde Chamado Desejo e nos leva às lágrimas no Sindicato dos Ladrões, pelo qual ganhou seu primeiro Oscar. O segundo, pelo Poderoso Chefão, o qual foi recebido por uma bela suposta índia – remexendo as entranhas da apática Hollywood, mostrando aquilo que ninguém quer ver ou saber, mas que existia, como uma ferida gangrenada, corroendo lentamente em silêncio. Índios? Quem queria saber dos native americans? (é o eufemismo americano atacando a palavra indians). Brando se importava. E muito. Narrou o documentário brasileiro Raoni, sobre os caiapós.

O dia continua glorioso. Fico sabendo que morreu ontem à noite. Ando pela rua e tenho vontade de gritar; - Marlon Brando morreu! Ligo para meus amigos, eles me consolam, confortam, lembrando que ele estava gordo, era velhinho, como se passando uma certa idade é permitido morrer. E o pior que é assim mesmo. Não há outro final, sem exceção tudo e todos acabam um dia. Agora baixou o pleonasmo.

Morreu meu último ícone, o homem mais charmoso, lindo e inteligente da indústria do cinema (o outro foi Cary Grant). Ao som da trilha do Last Tango in Paris, acendo uma vela, penso na cara da minha Madrinha, na hora em que ela vir o grande Brando passeando lá por cima. Seguramente vai confirmar o provérbio antigo – no final somos todos iguais.


publicado em 10/06/2005 - publicado originalmente na revista "ESSENCIAL" em outubro 2004