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Macunaíma: um herói sem causa

Esse trabalho tem como objetivo analisar o filme "Macunaíma", de Joaquim Pedro de Andrade, no sentido de perceber como o personagem / herói desenvolve a sua trajetória e quais são os possíveis significados simbólicos contidos nesse percurso e perceber como a questão do negro é colocada ao longo do filme.

 

O filme "Macunaíma", realizado em 1969, é baseado no livro homônimo de Mário de Andrade escrito em 1928. A recuperação de uma obra modernista no final da década de 60 traduz uma relação íntima entre os dois contextos históricos. A preocupação com o caráter nacional, com a definição do que é brasileiro, em contraposição ao produto importado, as tentativas de descolonizar a produção cultural do país, são traços marcantes do modernismo e do cinema novo.

A obra de Mário de Andrade é expressão de ampla pesquisa sobre a realidade e o folclore brasileiros. Sua estratégia básica era usar as formas populares de expressão em um nível erudito, buscando a síntese entre a arte popular e a erudita e alcançando o povo através de sua própria produção cultural.

Alcançar o grande público também era uma das preocupações do cinema novo em sua segunda fase, que começa depois de 64, quando o questionamento da forma de produção autoral e a maior abertura ao esquema industrial trazem em si a reformulação do que seriam a realidade e a verdade a serem alcançadas.Os cinematovistas percebiam que não tinham conseguido criar um diálogo com o grande público nem atingir as camadas populares.

Num plano mais geral, a década de 60 é marcada pela crescente urbanização, pelo desenvolvimento dos meios de comunicação e da propaganda. No palno cultural, o tropicalismo, inicialmente oriundo do contexto da música popular, sintetizava a tentativa de encontrar uma linguagem brasileira para expressar os problemas brasileiros.

Nesse contexto, os modernistas são revisitados. Dois anos antes da adaptação de Macunaíma para o cinema, José Celso Martinez Correia dirigiu a primeira representação da peça de Oswald de Andrade, "O Rei da Vela"(1933), dedicando-a ao cineasta Glauber Rocha depois de ter visto "Terra em transe".

Como aponta Randal Johnson ," há muitos paralelos entre o modernismo e o cinema novo. Ambos os movimentos foram reações contra o código dominante nas suas respectivas áreas de significação: o modernismo, contra o parnasianismo e sua linguagem bacharelesca, artificial e idealizante que espelhava a ideologia da estrutura de classe arcaica da sociedade brasileira; o cinema novo, contra a chanchada e os filmes sérios produzidos em São Paulo, especialmente os da Vera Cruz, os quais refletiam, ambos, uma visão colonizada, idealizada e inconsequente da realidade brasileira."(1)

Mas haviam também diferenças básicas entre os dois movimentos. Para o Cinema Novo não bastava investigar a realidade brasileira, era preciso transformá-la, enquanto que os modernistas estavam desligados dos acontecimentos políticos da época.

Para o Cinema Novo, a grande questão era atingir o público sem perder a visão crítica da realidade e a possibilidade de transformá-la. "Macunaíma" , lançado em novembro de 69, foi o primeiro filme verdadeiramente popular do cinema novo. O filme se insere dentro do contexto do tropicalismo, cujo procedimento básico, segundo Roberto Schwartz, "consiste em submeter os anacronismos à luz branca do ultramoderno, apresentando o resultado como uma alegoria do Brasil."(2)

A preocupação em representar o país, em entender a conjuntura de crise que se apresentava com o fim do sonho de uma revolução popular e os novos ventos do regime militar sob a vigência do AI-5, engendraram novas formas de linguagem e expressão. Muitos cineastas encontraram na alegoria uma forma que sintetizava a nessessidade de criação pessoal diante das dificuldades de se colocar abertamente questões relevantes da realidade brasileira da época. Segundo Ismail Xavier , "as alegorias entre 1964 -1970 não se furtaram ao corpo a corpo com a conjuntura brasileira; marcaram muito bem essa passagem, talvez a mais decisiva entre nós, da promessa de felicidade à contemplação do inferno, passagem cujo teor crítico não deu ensejo à construção de uma arte harmonizadora, desenhada como antecipação daquela promessa, mas sugeriu, como ponto focal de observação, o terreno da incompletude reconhecida. Ou seja, o melhor do cinema brasileiro recusou, então, a falsa inteireza e assumiu a tarefa incômoda de internalizar a crise."(3)

O filme de Joaquim Pedro pode ser considerado como uma alegoria do Brasil moderno, um Brasil que tem que dar respostas para a crise de representação do poder, do esvaziamento dos projetos alternativos e uma nova reflexão sobre a sociedade de consumo.

2. O filme

Em sua pesquisa, Randal Johnson conclui que "o Macunaíma de Mário de Andrade é uma mistura de vários heróis encontrados nas lendas coletadas por Koch-Grünberg: Konewó, um herói astuto e corajoso; Kalawunseg, um mentiroso; e Makunaíma, herói tribal. A natureza ambivalente e contrditória de Macunaíma está contida no seu própriio nome. O nome é composto da raiz maku, que significamau, e o sufixo -ima, que significa grande...Macuníma, como um herói, é bom e mau, corajoso e covarde, capaz e inepto. As mesmas caaractrísticas foram mantidas por Mário de Andrade na composição de o herói sem nenhum caráter."(4)

Para a análise da caracterização do herói no filme de Joaquim Pedro, iremos buscar referência na obra de Junito Brandão sobre Mitologia Grega, quando trata do mito dos heróis.(5) Deixaremos sómente como pano de fundo as questões relativas à antropofagia, canibalismo já que essas caractrísticas da obra de Joaquim Pedro foram amplamente exploradas por autores como Randal Johnson e Ismail Xavier.

Ao acompanhar o itinerário do herói, do berço ao túmulo, para caracterizá-lo enquanto tal o autor determina algumas características fundamentais com as quais tentaremos fazer um paralelo com as peculiaridades de Macunaíma e perceber , pela sua trajetória,até que ponto o nosso herói é herói.

2.1. A Infância

Segundo Junito Brandão,em primeiro lugar, via de regra, os heróis têm um nascimento complicado, como Perseu, Teseu, Héracles e muitos outros. Descendem de um Deus com um simples mortal e podem ter um nascimento irregular, como consequência de um incesto. Além de um nascimento difícil ou irregular são expostos ao mundo, por força normalmente de um oráculo, que prevê a ruína do rei, da cidade, ou por outros motivos caso o recém nascido permaneça na corte ou na pólis.

Macunaíma nasce de uma mãe velha , masculina e branca. Ele é negro e já formado, não é uma criança. Não se sabe quem é o pai e a mãe não tem nenhuma dificuldade em parir, muito pelo contrário, ela está de pé e ele cai de dentro de seu vestido.

O nascimento do nosso herói não é complicado e , até aonde sabemos, ele não é descendente de nenhum Deus. Aqui cabe uma observação sobre a sua descendência - ele parece nascido da própria terra e nesse sentido existe um caráter mágico que emoldura a sua chegada ao mundo. Essa magia tende para uma comicidade na figura de Grande Otelo fazendo o papel de um recém nascido. Em relação a presença do oráculo, a própria mãe se encarrega de profetizar sua má sina - "Macunaíma...nome que começa com Ma tem má sina".

Poderia se pensar Macunaíma como simbolo do brasileiro que nasce já sem infância , exposto ao mundo sim, como todos os heróis, mas com a questão da sobrevivência enrolada no pescoço. É filho de mãe solteira e a falta de paternidade traz uma conotação de abandono , de falta de autoridade, pois o pai, na simbologia, é a representação de toda forma de autoridade: chefe, patrão, professor e protetor. O pai representa, ainda, a fonte da instituição, é aquele que dá as leis. Nesse sentido, o herói do filme nasce como que abandonado à sua prória sorte. É um herói às avessas, sendo que na sua a sua jornada não se configura um sentido maior, pelo menos por enquanto...

Junito Brandão coloca que, exatamente por ser um herói, a criança já vem ao mundo com duas virtudes inerentes à sua condição e natureza: a honorabilidade pessoal e a excelência, configurando a superioridade em relação aos outros mortais. Nesse ponto, o nosso herói tem prós e contras a seu favor . Por um lado, como no livro, Macunaíma passa mais de seis anos sem falar e seu divertimento maior é decepar formigas, duas características que não atestam a superioridade de ninguém. Por outro lado, Macunaíma apresenta um apetite sexual incomum para sua idade ( que se consuma quando vira príncipe) e uma esperteza inata apresentada na sequência em que, como explica o narrador : "...o bananal apodreceu e caça, ninguém pegava mais. Nem algum tatu galinha aparecia. A fome bateu no mocambo." Enquanto os irmãos tentavam pescar ele permanece na terra comendo as frutas que havia escondido.

A esperteza de Macunaíma não é explicada, não se sabe como conseguiu guardar as frutas ficando a façanha por conta de uma certa magia mesclada à outra característica do herói que é a malandragem, que, como um anjo da guarda, o ajuda a se dar bem sempre.

Essas características da personalidade de Macunaímas se não atestam sua superioridade em relação aos outro pessonagens, pelo menos, o envolve numa aura de natureza mágica e fantástica que o diferencia dos outros pesonagens, com os quais nada de mágico ou fantástico acontece.

Essa aura mágica também se manifesta em alguns episódios, ainda na sua infância, como no caso de sua transformação em príncipe quando fuma o cigarro mágico que Sofará prepara para ele. Como aponta Randal Johnson, a transformação de Macunaíma é apenas superficial. Sua roupa é feita de papel e êle logo volta ã ser a criança negra que se diverte com uma chupeta e come terra.. A caracterização de Macunaíma - príncipe de Joaquim Pedro é, assim, diferente da de Mário de Andrade, onde o herói, através de seus próprios poderes de transformação, torna-se um "príncipe fogoso".

Outros acontecimentos mágicos merecem atenção. É o caso do encontro de Macunaíma com o Currupira., que além da sua conotação antropofágica, também demonstra o livre acesso de Macunaíma ao mundo mágico dos deuses, já que, nas lendas folclóricas brasileiras, o Currupira é um deus que protege as florestas. O nosso herói ainda encontra com a Cotia, que no filme é uma mulher velha, que é quem lhe mostra o caminho de volta para casa.

2.2. A Busca da maturidade

Junito Brandão segue sua análise em relação a trajetória do herói. Para ele, um dado importante para que o herói inicie seu itinerário de conquistas e vitórias, é a educação que esse recebe, o que significa que ele vai desprender-se das garras paternas e ausentar-se do lar, por um período mais ou menos longo, em busca de sua "formação iniciática". A partida, a educação e, posteriormente, o regresso representam o percurso comum da aventura mitológica do herói, sintetizada na fórmula dos ritos de iniciação: separação - iniciação - retorno.

"Separando-se dos seus e, após longos ritos iniciáticos, o herói inicia suas aventuras, a partir de proezas comuns num mundo de todos os dias, até chegar a uma região de prodígios sobrenaturais, onde se defronta com forças fabulosas e acaba por conseguir um triunfo decisivo. Ao regressar de suas misteriosas façanhas, ao completar sua aventura circular, o herói acumulou energias suficientes para ajudar e outorgar dádivas inesquecíveis a seus irmãos."(6)

No filme de Joaquim Pedro, esse esquema circular da trajetória do herói está presente. A morte da mãe, simbólicamente a provedora, a protetora, é o acontecimento que marca o final da infância e o início do itinerário do herói em busca de sua formação iniciática,que no caso é sua ida para a cidade grande, para grande aventura.

São vários os ritos de passagem , ou iniciáticos, que Junito Brandão destaca: o corte de cabelo, a mudança de nome, o mergulho ritual no mar, a passagem pela água e pelo fogo, a penetração num labirinto, o androgenismo, o travestimento.

Em relação ao filme, a passagem pelas águas está presente duplamente. Numa primeiro momento, quando Macunaíma se banha nas águas de uma fonte, que mais parece um esguicho, e se torna branco. É como branco que ele vai em busca de sua formação iniciática.

Aqui cabe refletir sobre a transformação de Macunaíma para homem branco. Em primeiro lugar , pode-se pensar essa transformação como tendo semelhança com a mudança de nome,no sentido de uma mudaça de identidade e assim, teria um caráter de rito de passagem., quando os heróis recebem o seu verdadeiro e definitivo nome. Mas a transformação de Macunaíma tem um outro significado dentro do contexto histórico do filme, que é assumir o racismo como um dado da realidade brasileira. No filme, Macunaíma só se dá bem quando é branco, seja quando cosegue namorar Sofará como um príncipe branco, seja quando vira branco e vai para cidade.

A passagem pelas águas como rito de iniciação, no seu sentido pleno, acontece na travessia, de Macunaíma e seus irmãos, por um grande rio, dentro de uma canoa, em direção à cidade grande. Esse fato marca a busca da aventura que representa a ruptura do passado, a infância, em relação ao futuro, a maturidade do herói.

Junito Brandão aponta para outra característica à que o herói está fundamentalmente ligado em seu percurso: a luta. O têrmo "herói", observa o autor, permaneceu nas línguas modernas sobretudo com o sentido de guerreiro, de combatente intrépido. E talvez tenha sido esse o significado mais antigo da palavra e é principalmente essa a conceituação que Homero empresta aos bravos da Guerra de Tróia.

O autor coloca a luta como o destino principal de um herói, como o sentido último de sua vida. A luta tem sempre como objetivo o bem comum, a coletividade.A caracterização de Macunaíma como herói tem aqui o seu ponto fraco, pois a luta pressupõe uma causa e é justamente o que falta à Macunaíma, a não ser quando vai em busca do Muiraquitã, quando o herói assume um objetivo definido no filme, mas mesmo assim cabe ressaltar que é uma luta que não visa o bem comum,mas apenas a posse do amuleto em benefício próprio.

No que se refere a esse ponto, pode-se dizer que o nosso herói enfrenta duas lutas distintas. A primeira é com Ci, na garagem quando ela o toma por alcagüete, ele explica que despistou os seus perseguidores e que veio ao seu encontro porque estava sentindo o seu cheiro e porque ela era muito bonita e ele "estava com uma vontade danada" dela. A luta entre eles começa quando ela bate nele depois que ele tenta abraçá-la. Jiguê aparece, com uma pedra grande nas mãos e golpeia Ci. Macunaíma, então, "brinca" com Ci que está inconsciente. Ela gosta, se apaixona e será o grande amor de Macunaíma.

Essa luta não tem um cunho de batalha heróica, é antes de mais nada um estratagema de sedução por parte de Macunaíma.

A verdadeira e única luta travada pelo nosso herói é com Venceslau Pietro Pietra, "o gigante Piaimã, comedor de gente", pela posse do amuleto muiraquitã. Pode-se considerar essa luta em três etapas. A primeira corresponde a visita que Mcunaíma faz a Venceslau, travestido de mulher sedutora e atraente. O episódio trancorre num clima cômico, caricatural e absurdo, com Venceslau vestido de smoking roxo com shorts verde e ligas que seguram suas meias, tudo acompanhado por um tango argentino que dá um toque "caliente" à tentativa de sedução por parte de Macunaíma. Essa primeira tentativa de conseguir o amuleto acaba com Venceslau correndo atrás do nosso herói nú, desmascarado, aos berros: "Eu não tenho preconceito! Vem cá filho!"

A segunda etapa da luta contra o gigante Piaimã se dá com a ajuda da macumba. Através de Exu, que encarna o espírito do gigante, Macuníma dá uma surra em Venceslau, mas não consegue ainda o amuleto.

Na terceira e última etapa, finalmente Macunaíma consegue o amuleto. Ele é convidado para uma feijoada em comemoração ao casamento da filha de Venceslau. A feijoada é servida dentro de uma grande piscina, onde carne humana dos próprios convidados substitui as carnes típicas. É num balanço, ao lado da piscina que se dá o duelo final. Venceslau convence Macunaíma a se balançar sobre a piscina, mas esse consegue sair do balanço, arrancar o amuleto e fazer Venceslau subir no balanço.Apanha um arco e flecha e atira no traseiro do gigante.

Junito Brandão observa que, no mito do herói, a vitória do herói e sua volta à vida é sempre medida pelos benefícios que estas trazem para toda coletividade. "Ao regressar de suas misteriosas façanhas, ao completar a sua aventura circular, o herói acumulou energias suficientes para ajudar e outorgar dádivas inesquecíveis a seus irmãos."(7)

O amuleto, simboliza uma força mágica, que traz uma relação muito especial entre aquele que o possui e as forças que representam. Nesse sentido, a vitória de Macunaíma é individual, não tem uma dimensão social , não se consuma dentro dos padrões da trajetória dos heróis.

2.3. O Retorno

Macunaíma e seus irmãos retornam ao lugar de origem, a casa materna, cumprindo a circularidade do itinerário do herói. Atravessam as grandes águas novamente só que, agora, levam com eles uma infinidade de eletrodomésticos. Esses, representam a sua transformação na jornada, traduzida pela assimilação dos valores da sociedade capitalista da grande cidade. O nosso herói, transformado, toca guitarra sentado na canoa, gesto que sintetiza um sincretismo de valores do mundo rural e urbano.

Esse retorno também não representa um valor coletivo, ao contrário, é solitário e melancólico - a maloca está caindo e o jardim está abandonado e coberto de mato. Os irmãos saem para procurar comida e quando voltam encontram Macunaíma dormindo. Furiosos, os irmãos percebem que ele está mentindo quando diz que foi à caça. Como Macunaíma se recusa à cooperar com o coletivo acaba sendo totalmente abandonado e fica à deriva durante algum tempo. Um dia acorda "com um novo desejo em seus múculos, se lembrou que fazia certo tempo não brincava..." Ele se dirige para o rio e vê uma moça bonita, enquanto a narração nos informa que é Uiara, comedora de gente...Macunaíma entra dentro d'água para seguir a moça e, no último plano, aparece apenas sua jaqueta verde flutuando com sangue borbulhando debaixo dela.

Para Juanito Brandão, se o herói tem um nascimento difícil e complicado; se toda a sua existência terrena é um desfile de viagens, de lutas, de sofrimentos, de desajustes, de incontinência e de descomedimentos, o último ato de seu drama, a morte, se constitui no ápice de sua prova final: a morte do herói ou é traumática e violenta ou o surpreende em absoluta solidão.

Ainda segundo o autor, a morte do herói se constitui no climax de sua trajetória pois lhe confere a condição sobre-humana. Através de seus despojos, que são carregados de poderes mágicos-religiosos, continua atuando sobre os vivos durante longos séculos. Nesse sentido, poderia-se dizer que os heróis se aproximam da condição divina graças à sua morte.

A morte de Macunaíma é voraz, não deixa restos mortais, nada sobra,ele é totalmente devorado e com isso, a sua existência desaparece por completo. A sua morte não é apenas solitária, ele foi abandonado e esquecido por todos. Assim, a morte de Macunaíma é uma morte decadente, que não deixa rastros para a humanidade.

3. Conclusão

Apesar da trajetória de Macunaíma obedecer algumas características do destino de um herói na mitologia grega como a trajetória circular, o contato mágico com os deuses, os ritos de passagem pela água, a luta com Venceslau como ponto alto da narrativa e uma morte solitária, a sua trajetória como herói falha justamente num ponto muito importante. Segundo Junito Brandão a vida do herói é pautada pelo bem comum,todos os seus passos reverterão em benefício do coletivo , alcançando finalmente, o posto e as honras a que tem direito. O fio condutor de sua vida é uma causa pela qual ele luta. Para o nosso herói o que falta é justamente uma causa maior, ligada ao bem comum, ele não está à serviço da comunidade.

Herói de consciência individual, egoísta e encimesmado, ele não tem lastro para cumprir o papel de herói, é um anti - herói. Um herói sem causa, morre em vão.

Símbolo de um Brasil sem projeto, em crise com a sua identidade. Um país sem uma noção forte de coletivo é um país que tende para a autodestruição, um país que devora a si mesmo.


*Sarah Yakhni é formada pela Faculdade de Ciências Sociais da USP. É montadora, diretora de cinema, diretora de televisão e roteirista. Atualmente faz mestrado em cinema na Unicamp.

data de publicação: 27/06/2000