Minha primeira vez no cinema - Nelson Soriano

Por Nelson Soriano - Meu pai!

Os primeiros cinemas que frequentei foram os cines Jaraguá, Nacional, e depois, o cine Carlos Gomes, na Rua Doze de Outubro, todos no bairro da Lapa.

O cine Carlos Gomes, em particular, era um dos mais belos que já visitei, lembrando um antigo teatro, com *frisas nas laterais.



Minha trajetória até os cinemas, contudo, não foi nada simples. Para conseguir dinheiro para os ingressos, eu tinha que ser criativo. Vendia gibis, engraxava sapatos no Largo Tito, em frente à Padaria Laika - que ainda existe -, e durante a semana, comercializava desde biju e pirulitos até coxinhas, que na época eram uma novidade. Cresci em uma família onde o dinheiro era escasso, então, para ter algo ou ir no cinema, eu precisava me virar e fazer pequenos bicos.

Essa fase da minha vida foi bastante desafiadora, mas eu faria tudo de novo. Sem saber, já estava me aventurando no empreendedorismo, recolhendo materiais recicláveis como vidros, latas velhas, fios de cobre e bronze. Essa foi a forma que encontrei para comprar meus gibis e frequentar os cinemas dos bairros.

Ao redigir este texto, é como se um filme passasse na minha mente. Foi um período difícil, mas foi também como construí minha história e minha trajetória através dos cinemas de bairro, vendendo produtos, engraxando sapatos.

Viva o cinema! Essa maravilhosa arte que enriquece a cultura humana. Recordar esses tempos é como estar de novo na sala escura, assistindo a um filme.

Obrigado pela oportunidade de compartilhar minha jornada até o cinema!

*frisas: camarotes quase ao nível da plateia.


Minha primeira vez no cinema - Vittorio Tamburini

Por Vittorio TamburiniConsultor de Marketing.

Eu digo sempre que seria maravilhoso, de vez em quando, poder entrar naquele túnel do seriado de TV O Túnel do Tempo e voltar, mesmo que só por um instante, até a minha infância e pré-adolescência. Puxa! Como seria bom!



Minha família morava em Higienópolis, subúrbio da Zona Norte do Rio de Janeiro. Aos domingos, tínhamos que ir à igreja, mas sempre íamos mais cedo do que nossos pais. Mas não era todo domingo que chegávamos até igreja, pois tínhamos muitas tentações pelo caminho, como a pelada com os amigos de rua e as matinês de domingo do cine Palácio Higienópolis, com filmes de Tom & Jerry e do Tarzan (com Johnny Weissmulller ou Lex Barker). Logicamente, que muitas vezes acabávamos não indo para a igreja...

Não perdíamos nenhuma das matinês de domingo, nunca! O Palácio Higienópolis, com mil lugares, ficava sempre cheio e a garotada fazia sempre a maior algazarra. Era realmente muito divertido!

Como eu morava na Zona da Leopoldina, existiam vários cinemas que frequentávamos na região de Higienópolis até na Penha.

Os cines Melo e Paraíso ficavam em Bonsucesso. O Melo exibia lançamentos, mas o cine Paraíso só reprisava filmes antigos. O cine Rio Palace, em Ramos, era muito bonito, mas a programação não era tão boa e o cinema realmente nunca deslanchou. Do outro lado da linha do trem, tinha o cine Ramos, que também como o cine Paraíso, só exibia reprises.

Mas, o melhor cinema da Vila Leopoldina era, na minha opinião, o cine Mauá, que tinha um teto azul claro cheio de estrelas, que se acendiam entre as sessões. Era, realmente, muito bonito e de muito bom gosto! Pertencia ao Circuito Marc Ferrez & Filhos

Já os cines Rosário e Santa Helena, em Olaria, só exibiam lançamentos.



O cine Leopoldina se caracterizava, quase que exclusivamente, por exibir reprises de filmes antigos, e eu como adorava rever "As Loucas Aventuras de Rabbi Jacob, A Noviça Rebelde, Ben-Hur, Hercules e até "Horizonte Perdido anos mais tarde, não perdia uma sessão por lá.

O último dos cinemas na Vila Leopoldina, que frequentei muito quando mudamos para a Penha, foi o cine São Pedro, que nos seus tempos áureos, sempre exibia os grandes lançamentos. Era um grande cinema com mais de 1300 lugares. Assisti lá "As Sandálias do Pescador".



Naquela época, as maiores companhias americanas ainda dividiam o seu produto entre os diferentes circuitos de exibição, o que não ocorre mais hoje em dia. Luiz Severiano Ribeiro, Livio Bruni, Marc Ferrez & Filhos, Roberto Darze e a própria Metro-Goldwyn-Mayer eram, na época, os principais circuitos cinematográficos do Rio de Janeiro.

Ter comentado um pouco sobre as antigas salas de cinema me fez voltar no tempo, um tempo que eu me recordo com carinho e com muita alegria no coração. 

Minha primeira vez no cinema - Marcelo Libeskind

Por Marcelo Libeskind - Engenheiro Civil

Nasci em 1960, uma era antes da TV colorida, que só surgiria em 1972, um período no qual o cinema assumiu um papel fundamental no entretenimento e na cultura popular.

Entre os cinemas que marcaram minha vida, o cine Guarujá foi especial durante as férias na minha infância. Localizado no Guarujá, litoral paulista, frequentei de 1963 até 1970. 



Comparado com seus primos paulistanos, era pequeno e antiquado, mas possuía um astral maravilhoso de férias, repleto de amigos e diversão. 

Um segurança, carinhosamente apelidado de 'Boi', por sua estatura grande e forte, tentava manter a ordem entre a garotada travessa. 

Lá, assisti a todos os clássicos da Disney, desde "Bambi" até "20.000Léguas Submarinas", musicais como "Sete Noivas para Sete Irmãos", filmes de ação como "As Aventuras de Flash Gordon" e outras relíquias soterradas pelas areias do tempo.

Inaugurado em 1961 e projetado pelo meu pai, o arquiteto David Libeskind, o cine Astor era de grande significado para mim e, rapidamente, se tornou meu favorito. Reconhecido por seu conforto excepcional, qualidade de imagem e acústica, destacava-se com seus 1000 assentos. As lembranças de subir a rampa sinuosa, que na minha infância parecia imensa, de entrar na sala que parecia se estender ao infinito e de me acomodar nas poltronas, tão largas quanto uma Romiseta, são inesquecíveis.



Com a chegada das novas tecnologias, as salas de cinema tiveram que se adaptar aos novos tempos. No entanto, para mim, o cinema sempre será insubstituível, com sua pipoca salgada e sem manteiga, para não fazer lambança nas cadeiras.

Abril/2024

Foto do cine Guarujá : Arquivo Histórico do Guarujá.

Minha primeira vez no cinema - Arthur Vianna

Por Arthur Vianna - Atleta, cinéfilo e apaixonado por leitura.

Eu era bem pequeno, pequeno o suficiente para as memórias acabarem se tornando preciosos flashes, borrões que mudariam a minha vida.

Em um final de tarde de um sábado, no Shopping Eldorado, o pequeno Arthur e seu pai, se direcionavam aos cimos mágicos do cinema. Com pipoca em mãos, toda a agitação de ver meu primeiro filme ‘de verdade’ era imensa!



O ambiente de entrada, cheio de pessoas e conversas sobre cultura pop já me encantaram pelo clima. Logo ao entrar, pelo corredor vermelho, era como se eu estivesse entrando em um outro mundo.

O tamanho da tela e a altura do som me assustaram, tenho que confessar, foi o tipo de frio na barriga que sentimos em uma montanha russa.

O filme era Thor” (2011) e tudo que acontecia na tela eu queria comentar com meu pai ou perguntar para ele. Meu pai comentou: “Você não está sozinho! ”. Aí eu realmente entendi o porquê tinha gostado tanto daquele lugar. Depois disso, eu assisti ao filme sem comentários e, no final, ao sair da sala, me senti o próprio Thor!



As pessoas, a reunião de homens, mulheres, crianças e pessoas de todos os tipos para um interesse em comum formam e moldam um ambiente de muito conforto e liberdade, para apreciar um bom filme e se divertir.

A partir desse dia, todo novo filme no cinema era como entrar em um novo mundo e me sentir um novo herói!

Abril/2024

Minha primeira vez no cinema - Sílvia Torres

Por Sílvia Torres - Professora particular.

Copacabana, dezembro de 1970. Meu pai foi a trabalho para o Rio de Janeiro e, como ficaria uma semana, resolveu levar a família para conhecer a cidade tão famosa.

E lá fomos nós, minha mãe, meus dois irmãos e eu, com apenas 4 anos na época.

Empolgados com a viagem, mesmo sendo de carro, não queríamos ficar no hotel, estávamos doidos para ir à praia. Claro que gostaríamos de ficar no mar, mas meus pais escolheram um dia para passearmos pela cidade.

Andando por Copacabana, a sensação térmica devia ser de uns 45°C., então, começamos a procurar um local para nos refrescarmos um pouco.



Caminhávamos na avenida Atlântica. Estávamos bem suados e vermelhos e paramos em frente ao cinema Rian. Meu pai, um advogado que adoraria ter sido historiador, começou a contar que o nome era em homenagem à fundadora, viúva do Marechal Hermes da Fonseca, Nair de Teffé, que fora inaugurado em 1932 e, antes que continuasse, minha mãe falou:

“Olha! Está passando Bambi! As crianças vão adorar, até porque tem ar-condicionado. Vamos assistir?”

Pronto! Resolvido. No meio da tarde, sem programar ou ler a sinopse do filme, entrei pela primeira vez num cinema. Fiquei admirada com a quantidade de assentos, mais de mil. Também estranhei a penumbra, as falas sussurradas, pessoas bem arrumadas, como se estivessem numa festa, olhando para uma tela enorme, bem maior do que a lousa da escola.

Sentamos mais na frente por causa da minha altura e também porque o ‘lanterninha’ nos encaminhou para lá. Obedecemos. Tocava uma música ao fundo e algumas luzes ainda estavam acesas, mas, de repente, as luzes se apagaram, a tela se iluminou e o som alto tomou conta do ambiente. Nem minha mãe conseguia ouvir o que eu falava e olha que mãe costuma escutar tudo, né?

Fiquei paralisada. Não tirava os olhos da tela, nem me mexia. Parecia que eu ia entrar dentro do filme e sentia que podia tocar Bambi com as minhas mãos. Estava adorando, até o momento de uma das cenas mais tristes - a morte da mãe do pequeno cervo. Nossa! Não podia acreditar, era tão real que comecei a chorar e pedir que alguém a salvasse. Levantei da poltrona e implorava para pararem o filme e ajudarem a mãe dele, para que ela ressuscitasse e tudo voltasse ao normal, mas ninguém me ouvia. Apenas algumas pessoas que se sentavam atrás de mim pediam para que eu fizesse silêncio. Será que eles não estavam percebendo o que tinha acontecido? Bambi perdeu sua mãe! E agora? Ele era tão pequeno e indefeso!

Fiquei tão emocionada que minha mãe teve que me pegar no colo para tentar me acalmar, dizendo que tudo iria se resolver. Fiquei até o final do filme esperando que se resolvesse, mas ela não voltou. A sessão acabou, as luzes se acenderam, as pessoas começaram a sair e eu fiquei ali, sentada, esperando que o filme começasse de novo só para ver se dessa vez ela não morria.

Meus pais tentavam argumentar, explicando que era apenas um desenho, que não era de verdade, mas como eu poderia acreditar neles? Vi com meus próprios olhos e estava bem perto de mim. Ela havia mesmo morrido e não viu seu filho crescer. Ele ficou sem a mãe, era muito triste. Insistia para continuar ali, mesmo soluçando, não podia deixar o Bambi sozinho de novo.

Depois de várias tentativas, meu pai pediu ao ‘lanterninha’ que conversasse comigo, dizendo que ele faria companhia ao Bambi e que eu poderia ir tranquila. Fiz ele jurar e só depois disso, levantei da poltrona e saí, com os olhos vermelhos e um pouco traumatizada com a minha estreia.

E pensar que os animadores haviam desenvolvido storyboards mais detalhados de como ela perdeu a vida, mas o escritor Larry Morey achou que a cena seria impactante demais e resolveu amenizá-la. Já pensou se ele não tivesse tido bom senso? Talvez eu nunca mais entrasse num cinema.

Bambi” (1942) ficou marcado na minha história, não apenas por ter perdido sua mãe, mas porque o vi no cinema e ele parecia muito mais real do que se tivesse assistido pela televisão. O cine Rian foi inaugurado em 1932, pegou fogo em 1975 e as reformas reduziram seus 1130 lugares originais para 922 assentos. Foi demolido em 1983, dando origem ao Hotel Pestana. Que pena!

Sinto saudade dos cinemas de rua, são nostálgicos e me trazem muitas lembranças, mas mesmo com salas menores, em shoppings, a mágica do cinema continua me envolvendo e aflorando meus sentidos.

Abril/2024

Minha primeira vez no cinema - Sérgio Gabler

Guarulhos, seus cinemas, minhas lembranças...

Por Sérgio Gabler, um Guarulhense, cinéfilo.

1ª Experiência - CINE SÃO FRANCISCO

O ano era 1969, o mesmo da chegada do homem à Lua. Eu tinha apenas 7 anos de idade e a ansiedade de ir pela primeira vez ao cinema era gritante! Com minha mãe e minha prima Regina (da mesma idade), entramos no Cine São Francisco. Na época, era o maior cinema em atividade de Guarulhos (SP), comportava entre 700 a 1000 pessoas (não encontrei uma fonte que ateste estes números), seu endereço era no coração do Centro, na Praça Tereza Cristina, defronte à Catedral de Guarulhos. Foi inaugurado em 1960 e encerrou suas atividades no final da década de 80.



A música orquestrada era invariavelmente um jazz. 'Lanterninhas' nos guiavam aos assentos vagos e, depois de assentados, era só deliciar a pipoca comprada na bilheteria.

Trailers de filmes e o famoso Canal 100 já nos faziam pregar os olhos na gigantesca tela!

As laterais desse cinema eram pintadas em azul e adornadas com os signos do zodíaco, iluminadas à meia luz. Ainda hoje, o que resta deste cinema são estas paredes. O local encontra-se abandonado e sem utilização em pleno Centro de Guarulhos.

Terminado os trailers, eis que inicia meu primeiro filme em tela grande: O Pirata Sangrento, uma produção de 1952 estrelada por Burt Lancaster.

Nessa época, as novidades em filmes demoravam muito para chegar na cidade e os filmes eram reprisados inúmeras vezes.

2ª Experiência - CINE REPÚBLICA

Este cinema ficava na Rua Dom Pedro II, a poucas quadras do Cine São Francisco. Fundado em 1922, tinha capacidade de 980 lugares (informação retirada da internet - fonte desconhecida).



Ano 1972, idade 10 anos, filme com restrição na idade, bilheteiro subornado, acesso liberado e com direito a visualizar algumas partes íntimas das mulheres... muita aventura e, claro, aumentei na mentira aos meus colegas sobre o que eu realmente vi.

Filme: As Petroleiras uma produção de 1971, com as deslumbrantes Brigitte Bardot e Claudia Cardinale.

3ª Experiência - CINE STAR

Com o fechamento de todos os cinemas de Guarulhos, o último foi o República em 1973, Guarulhos esperou até 1975 para realmente ter um cinema luxuoso e glamoroso, o Cine Star.

A entrada era pela Rua João Gonçalves, marcada por dois lances de escadas revestidas em mármore, que já impressionava! Após a descida pelas escadas, tínhamos as bilheterias e, pela direita, a sala de espera e lanchonete. Toda a decoração do cinema era em vermelho, desde o carpete e as poltronas almofadadas em courvin. O cinema era muito limpo e o aroma era levemente perfumado em seu interior.

A inauguração foi com o blockbuster catástrofe "Inferno na Torre", filme recheado de estrelas, Fred Astaire, Paul Newman, Steve McQueen, Faye Dunaway, Willian Holden... uma verdadeira constelação de astros!

Foi nesse cinema que iniciei o namoro com minha esposa Cristina em 1980, portanto, especial em nossas vidas.

Também nele começou meu interesse pela franquia 007, depois de assistir "007 - O Espião Que Me Amava" (com Roger Moore), em 1977.

Filmes icônicos: "Tubarão", "Grease", "Carro - A Máquina do Diabo", "A Profecia", "Superman: O Filme", etc.

4ª Experiência - CINE POLI CENTER (SALAS)

Elenco esta experiência, pois foi a primeira vez que levei meus filhos em uma sessão de cinema para assistir ao clássico "Titanic", em 1997.

Tive que comprar antecipadamente o ingresso em aproximadamente 2 horas de fila e, no dia da exibição, outras 2 horas para acessar a sala de cinema no último andar do Shopping Poli, na Rua Dom Pedro II. A fila ia pelas escadarias, do térreo ao 3º andar.



Eram 4 salas de cinema com pouca capacidade e funcionaram até 1989.

Cinema contemporâneo em Guarulhos:

Hoje em dia, restam apenas as salas de cinema do Shopping Internacional, Shopping Bonsucesso e do Shopping Maia. Os grandes cinemas já não existem mais, e estes fizeram a história: RepúblicaJadeSanto AntônioPadre BentoSão FranciscoStar e as salas dos shoppings Poli Center, Bonsucesso, Pátio-Vila Rio e Internacional.

Abril/2024



      Fotos : Arquivo Histórico de Guarulhos 

      Primeiro texto da série MINHA PRIMEIRA VEZ NO CINEMA. Convite aberto para todos os leitores do site, amigos e parentes. Envie seu texto de memórias para o e-mail: aricardorock@hotmail.com

São José do Barreiro (SP) reinaugura Cine Theatro São José, de 1868

Depois de anos de reformas e trabalhos de restauro, a Estância Turística de São José do Barreiro recebeu de volta um dos maiores tesouros do seu patrimônio histórico, o Cine Theatro São José.



Em 16 de abril de 2022, foi entregue à população de São José do Barreiro, o novo Cine Theatro São José, na presença do então governador do Estado de São Paulo, Rodrigo Garcia.

Além do restauro da infraestrutura, cobertura, pisos, paredes, e outros níveis, o prédio construído no século XIX também contou com obras de adaptações e acessibilidade.

Fruto dos caprichos e ambições de uma época, o Cine Theatro São José foi originalmente construído como sala de espetáculos teatrais em 1868, como testemunho do poder político e econômico alcançado pelos Barões do Café, quando o grão se tornou o principal produto de exportação do Brasil.

Graças à sua construção, o gosto pelas artes cênicas se popularizou na região e ajudou a atrair pequenas e grandes companhias teatrais, nacionais e estrangeiras, que excursionavam pelo Vale do Paraíba, principalmente depois da construção das primeiras estradas de ferro que facilitavam o transporte de cargas e passageiros entre Rio e SP.

Já próximo do fim do Ciclo do Café, em 1926, o prédio passou por uma grande reforma para a instalação de uma sala de projeção cinematográfica, funcionando como sala mista de espetáculos até 31 de outubro de 1958, quando fechou as portas.

Durante seu tempo de funcionamento, ainda anterior ao advento da televisão, que só chegaria ao Brasil em 1950, foi fonte de magia e encanto para a população local que, emocionada, assistia às encenações teatrais e às exibições de cinema, admirada com os dramas, as aventuras e os romances que chegavam do mundo lá de fora para entreter a dura realidade do interior das serras.



Agora, mais de sessenta anos após o seu fechamento, devidamente restaurado e reformado, o Cine Theatro São José recupera toda a sua magia e reabre novamente suas portas como um local de preservação da memória e fomento da cultura que, pelo encanto que produz ao visitante, se insere, desde já, entre as maiores atrações turísticas da região.

Texto: Prefeitura de São José do Barreiro  www.instagram.com/turismosjb

O nascimento de um cinéfilo: uma autobiografia

Por Antonio Ricardo Soriano

Os filmes de Jerry Lewis, na Sessão da Tarde, as reprises de A Fantástica Fábrica de Chocolate ou, até mesmo, os antigos seriados de TV, como Viagem ao Fundo do Mar, me despertaram um grande interesse pelos filmes logo na infância. Aguardava com ansiedade a chegada das férias escolares para poder assistir aos muitos filmes que passavam no Festival de Férias nas tardes da TV. Isso nos anos de 1970 quando o VHS não havia chegado ao Brasil.




Quem me levou pela primeira vez ao cinema foi meu pai. Assistimos juntos Se Meu Fusca Falasse e filmes de Os Trapalhões em cinemas próximos de casa, como o cine Nacional (no bairro da Lapa) e os cines Haway e Flórida (no bairro de Perdizes).

Mas foi em 1980, quando eu tinha apenas 10 anos de idade, que a paixão pelo cinema se manifestou. Meu tio Gilberto me levou para assistir ao filme Xanadu, com Gene Kelly e Olivia Newton-John, no melhor cinema de São Paulo: o Comodoro Cinerama. Foi ali que tive, pela primeira vez, a experiência do cinema espetáculo. Um musical maravilhoso visto numa tela gigantesca e com som de extrema qualidade, que só o cine Comodoro podia nos proporcionar. O filme me despertou a curiosidade de pesquisar sobre cinema, na época apenas em jornais e revistas.

Lobby card do filme Xanadu (1980)


Em seguida tive novas e agradáveis experiências no cine Comodoro, como as exibições de E. T. - O Extra-Terrestre, Tron – Uma Odisseia Eletrônica, Jogos de Guerra, Indiana Jones e o Templo da Perdição e De Volta para o Futuro. Nesse período, passamos a ter nas bancas de jornal, uma revista especializada em cinema, a Cinemin, que vinha do Rio de Janeiro. Uma excelente revista com rico conteúdo sobre as novidades do cinema e sua história.  

Interessante dizer que, talvez, aquela minha recente paixão pelo cinema acabou influenciando e motivando o meu tio Gilberto. Ele também se interessou mais por cinema e, a partir daí, passou a comprar livros, revistas e discos com a trilha sonora de filmes.

Meu tio Gilberto (in memoriam)


Passei a dividir a paixão pelo cinema com a música. Em 1981, uma grande banda de rock britânica veio pela primeira vez ao Brasil: era Freddie Mercury e sua banda Queen. O show foi transmitido ao vivo pela Bandeirantes FM e eu gravei tudo em duas fitas cassetes. O Rock & Roll passava a ser o meu ritmo musical preferido.

Em 1983, senti pela primeira vez a “presença da Força” assistindo ao filme O Retorno de Jedi no cine Ouro (no Largo do Paissandú), o sexto episódio da saga Star Wars. Depois, precisei aguardar a reprise de Guerras nas Estrelas e O Império Contra Ataca pela TV aberta.

A curiosidade e as pesquisas sobre cinema aumentaram. Em 1985, tive a ideia de fazer um jornal sobre o tema, talvez, influenciado pelo farto material que meu tio havia adquirido. A ideia surgiu em um sonho e, ao acordar, fiz os primeiros esboços. Algo bem simples, com colagens de notícias de jornais.

Apresentei o jornal aos meus primos Roberto e Marcos Gabler, que logo se interessaram. O Marcos já trabalhava na área de publicidade e se ofereceu para fazer o design gráfico do jornal. Estimulados, eu e o Roberto combinamos de pesquisar e redigir textos para o jornal que teve o nome escolhido no mesmo dia: Cine Fanzine.

Os números 1 e 2 do Cine Fanzine


Como ainda não existia a internet, essas pequenas publicações, chamadas de fanzine (fan + magazine) eram bem cultuadas.

O Cine Fanzine acabou ficando bem atraente e com bom conteúdo textual. O primeiro número foi lançado no início de 1986 e teve uma tiragem bem pequena que foi distribuída no Cineclube Oscarito. Em seguida, alguns exemplares foram enviados através de cartas aos associados do The Pictures Club, um fã-clube de cinema também criado por nós. Um exemplar do fanzine acabou chegando à redação de jornalismo da TV Cultura, que nos chamou para duas entrevistas: uma ao vivo, no programa especializado em cinema Imagem & Ação e outra gravada, no programa de variedades Panorama.

Entrevista ao vivo no programa Imagem & Ação da TV Cultura


O lançamento do fanzine culminou com a chegada do videocassete em minha casa. Que alegria! Começavam ali as maratonas de filmes durante os finais de semana. Cheguei a ficar sócio da recém-lançada 2001 Vídeo Locadora (na Av. Paulista) para locar clássicos do cinema. Os lançamentos ficavam por conta das locadoras do bairro.

Lançamos o nº 2 do Cine Fanzine em setembro de 1986 e já preparávamos o terceiro quando tivemos que cancelar o projeto por motivos profissionais. Um ciclo criativo de minha adolescência terminava, cedendo lugar para a fase adulta.

A partir dos anos de 1990, acompanhei com tristeza o fechamento de quase todos os cinemas de rua que frequentei e outros que acabaram mudando a programação para filmes pornográficos. A Cinemark trouxe suas micros-salas de cinema para os shoppings e, logicamente, não me encantaram. Passei um longo período longe dos cinemas, mas não das vídeo-locadoras. Acompanhei o cinema através dos lançamentos em VHS e, depois, dos DVD’s.

Os anos se passaram, casei e tive uma linda e encantadora filha. Foram anos muito felizes e, também, de muito trabalho.

Em 2003, tive a felicidade de começar a trabalhar na biblioteca do Colégio Dante Alighieri. Passei a ter acesso diário a muitas informações culturais. Foi uma inspiração enorme para começar a concretizar mais uma grande ideia.

Sentia saudades daqueles incríveis momentos no cine Comodoro, lá nos anos de 1980, e a ideia de homenagear esse cinema passou a ser uma constante. Pesquisava na internet e não encontrava quase nada sobre o cinema. Apenas dois textos incríveis: um do cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho e outro do carioca e professor João Luiz Vieira.

O cine Comodoro Cinerama


A ideia inicial era pesquisar e guardar tudo que eu pudesse encontrar sobre o cine Comodoro e, mais tarde, publicar um livro. Em 2007, minha amiga bibliotecária e escritora Roseli Pedroso, mostrou-me a ferramenta Blogger para a criação de blogs. Ela estava criando o seu blog sobre biblioteconomia, o Bibliotequices & Afins.

Era o que faltava para se homenagear o cine Comodoro! Rapidamente comecei a criar o meu primeiro blog.

Minha esposa iniciou uma Pós-graduação no Mackenzie e passei a levá-la. No aguardo do término das aulas, aproveitava o tempo livre para fazer pesquisas na biblioteca de arquitetura da universidade. Foi quando consegui um volume enorme de fotos e informações sobre os antigos cinemas de São Paulo. 

Fiquei fascinado com a qualidade do material adquirido e a ideia de homenagear o cine Comodoro se ampliou. O blog, agora, passava a contar a história de todos os antigos e atuais cinemas de São Paulo. O blog Salas de Cinema de São Paulo acabava de ser criado!

O início foi muito difícil. Tinha muito material e pouco tempo para publicar. Tive que fazer uma grande mudança no blog: dividi-lo em dois - ou melhor, criar mais um: o blog Salas de Cinema de São Paulo - Banco de Dados. Não dava para misturar as informações de cada cinema com textos (crônicas, memórias, biografias, etc.). Demorou um ano para que o layout dos dois blogs fosse concluído.

Tenho muito orgulho de ter criado os sites 
Salas de Cinema de São Paulo! Agora com os domínios adquiridos. 
As páginas já possuem uma enorme quantidade de informações sobre a história dos cinemas de São Paulo e são cultuadas por pesquisadores, universitários e amantes da sétima arte.

Recentemente, de 2013 a 2018, voltei a frequentar os cinemas. 
Desta vez, na região da Av. Paulista, semanalmente, nos dias do rodízio do meu carro. Uma deliciosa e inesquecível maratona de mais de 160 filmes assistidos!

A experiência de assistir os filmes no cinema é infinitamente superior a assisti-los em casa.

Deixo aqui, nesse texto, um pouco de minha trajetória com o mundo do cinema. Um mundo de histórias reais e fictícias que nos emocionam. A chamada Sétima Arte que, para mim, é a soma de todas as artes!

O cine Comodoro Cinerama

Por Antonio Ricardo Soriano

A inauguração

 A frente do cinema no dia da solenidade de inauguração (Folha da Manhã, 15/08/59)

O cine Comodoro funcionava na Avenida São João, 1462, no centro da capital. A cerimônia de inauguração do cinema foi realizada, às 14 horas, do dia 14 de Agosto de 1959 e foi divulgada no jornal Folha da Manhã, de 15/08/1959. Teve a presença da Banda de Música da Força Pública, com uniforme especial. Uma viatura do Corpo de Bombeiros, na sessão noturna, levou refletores e segurança. Cordões de isolamento demarcaram, em frente ao cinema, um corredor para os carros que traziam convidados especiais e praças das Forças Armadas perfilavam-se nos dois lados da porta de entrada. Havia-se anunciado a presença do Presidente da República, mas ele não compareceu.


Anúncio de inauguração do cine Comodoro (Folha da Manhã, 15/08/1959)

Artigo do jornal Folha da Manhã, de 19/08/1959:

Isto é Cinerama

Com duas sessões especiais, uma dedicada a critica falada e escrita de São Paulo e Rio, outra, de gala, na noite de sexta-feira última, inaugurou-se nesta capital, o Cinerama, processo óptico e eletrônico a constituir-se em novo espetáculo cinematográfico, surgido logo após a última guerra e há anos funcionando, com grande êxito, nas principais cidades de muitos países do mundo. Na capital paulista, construiu-se uma sala funcional, destinada a comportar a complexa aparelhagem do Cinerama, os seus três enormes projetores, dispostos em meio arco, a convergir, simultaneamente, o tríplice feixe luminoso na ampla tela convexa e metálica do palco, seus amplificadores e alto-falantes colocados por toda a sala, de forma a proporcionar a audição de planos de som, em alta fidelidade, o chamado 'som estereofônico' ou 'som em relevo'. A sala do Cinerama, o cine Comodoro, está instalada na Av. São João e possui todos os últimos aperfeiçoamentos do processo e de seus sistemas de som, tudo disposto em arquitetura sóbria e decoração simplíssima. Embora não muito grande, a sala do Comodoro é confortável, de ambiente agradável.

A sessão inaugural iniciou-se com a apresentação de uma síntese da história do cinema, contada pela imagem comum, em branco e preto, e pela voz de Lowell Thomasantigo colaborador de Fred Wallero inventor do Cinerama, falecido há pouco tempo. Essa apresentação, por sinal, foi o lado lamentável do espetáculo, eis que nessa falsa 'história do cinema' se menciona o nome e a ação de todos os inventores norte-americanos e ingleses que colaboraram na descoberta e no aperfeiçoamento do cinema, sendo, entretanto, esquecida a contribuição francesa, com a omissão dos nomes e dos inventos de seus pesquisadores, Joseph Plateau, o 'fuzil fotográfico' de Marey, antecedendo o seu aparelho 'cronofotográfico', Georges Demeny, o 'teatro óptico' de Reynaud, até chegar-se ao 'cinématographe' dos irmãos Lumière, os verdadeiros inventores da câmara cinematográfica, com a sua estrutura mecânica e física até hoje a funcionar na criação do espetáculo cinematográfico. Isso tudo foi esquecido nessa 'história do cinema' parcial, que torna antipática e suspeita a apresentação do Cinerama, o que é pena, realmente, pois as conquistas do espírito humano, depois de postas ao alcance do domínio público, não pertencem a ninguém, nem conhecem fronteiras, são apenas peças do patrimônio de toda a humanidade.

Quanto ao espetáculo proporcionado pelo Cinerama, não há dúvida, é uma curiosa e fascinante apresentação audiovisual, mas a prescindir da linguagem e da estética do cinema. Não proporciona ainda, a técnica do Cinerama, uma visão plenamente realizada dos aspectos do mundo, dadas certas imperfeições na junção das imagens e no sincronismo dos três projetores, coisa, aliás, a não se constituir em defeito intolerável e que, possivelmente, possa a vir desaparecer com aperfeiçoamentos futuros. Algumas sequencias de Isto é Cinerama, contudo, se apresentam revestidas de inegável beleza e, por vezes, de impressionante realismo. Assim é na sequência da montanha russa, na do passeio em gôndola pelos canais de Veneza, ou em barco nos lagos da Flórida, isto é, quando há movimento intenso na estrutura da imagem. Já nas cenas estáticas - a opera no 'Scala' de Milão, o coro dos 'Meninos Cantores de Viena', ou numa catedral norte-americana - a impressão do relevo é menos real e a junção defeituosa das três imagens se salienta um pouco mais. De qualquer forma, aí está um espetáculo curioso, que só a audácia de um homem de muita visão, o Sr. Paulo Sá Pinto, traria para São Paulo, no lastro de outras realizações suas, como as das salas de alto luxo, por exemplo, Rivoli e Olido, recentemente inauguradas. - B. J. Duarte

A Empresa Cinematográfica Comodoro, trouxe o sistema *Cinerama para o Brasil e, através de um contrato, teve dois anos de exclusividade para exibi-lo. O cinema foi construído especialmente para receber o Cinerama e de baixo de sua marquise havia o letreiro 'sistema que revolucionou o mundo das diversões'.

As três cabines de projeção do sistema Cinerama original 

Interior do cinema na época de sua inauguração

O fundador: Paulo Sá Pinto (1912-1991)

Paulo Barreto de Sá Pinto foi um dos maiores empresários da história da exibição cinematográfica no Brasil.

Paulo Sá Pinto (Folha da Manhã - 11/07/62)

Mineiro da cidade de Santos Dumont, Paulo Sá Pinto veio ainda criança para o Rio de Janeiro e seu primeiro emprego foi como conferente de alfândega, no Cais do Porto. Depois se transferiu para Porto Alegre, onde teria trabalhado em publicidade e começado a se interessar pela área de exibição. Seria, entretanto, em São Paulo, que fundaria a Empresa Cinematográfica Paulista, cujo os primeiros cinemas construídos foram o Ritz (1943) e o Marabá (1945). No final dos anos 40, expandiu o seu 'circuito de cinemas' para Porto Alegre e Curitiba, fundando a Empresa Cinematográfica Sul.

Foi ele, o primeiro a exibir *Cinemascope no Brasil, lançando O Manto Sagrado no cine República(onde instalou uma tela gigantesca), em 22 de fevereiro de 1954, quando comemorava seus 42 anos e São Paulo sediava um Festival Internacional de Cinema, dentro das comemorações de seu 4º centenário. Foi, também, no cine República que Paulo Sá Pinto instalou a maior tela da América Latina, em 1955.

Ele sempre foi inovador. Ao ver em Nova York um filme em Cinerama, This Is Cinerama (1952), decidiu instalar o sistema em uma de suas salas, o Comodoro, fazendo de São Paulo, a única cidade brasileira que realmente assistiu ao Cinerama legítimo, com três projetores trabalhando simultaneamente. Quando inaugurou o cine Olido, em dezembro de 1959, em São Paulo, com Tarde Demais para Esquecer, levou uma orquestra sinfônica para apresentar o clássico tema 'An Affair To Remember'.

Pouco tempo antes de falecer, Paulo Sá Pinto, já gravemente doente, ainda comandava suas empresas, que administravam uma rede de mais 60 cinemas espalhados em sete capitais (só em São Paulo, 40 salas), tendo como sócios, os irmãos Magalhães Rodrigues e Francisco José Lucas Neto. Além disso, era sócio de vários outros empreendimentos e da distribuidora Art filmes. Despachava em seu gabinete na Avenida São João, com sua fiel secretária, dona Lourdes Peixoto, que o acompanhou por mais de 30 anos.

Paulo Sá Pinto faleceu em 24 de janeiro de 1991, no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, vítima de insuficiência respiratória, ocasionada por problemas no pulmão.

Exibições especiais

A 1ª Exibição

Isto é Cinerama (This Is Cinerama, EUA, 1952) foi o primeiro filme exibido e lotou os 1400 lugares do cinema (incluindo platéia e balcão).

O professor João Luiz Vieira descreve esta exibição em seu texto 'Não dá para esquecer o impacto que era entrar no cinema':

“Os espectadores iam enchendo a sala aos poucos e, em seguida, as luzes começavam a diminuir enquanto que as cortinas se abriam o suficiente para mostrar uma imagem quadrada, correspondente ao tamanho dos 35 mm. normal. Na tela, em preto e branco, aparecia um documentário, apresentado por Lowell Thomas, produtor do espetáculo, que fazia um breve histórico cronológico e evolutivo das imagens em movimento, indo até a pré-história e o homem da caverna até, claro, o Cinerama, a 'maior conquista do homem', etc. Mostrava as câmeras, descrevia o processo de filmagem até que finalmente anunciava a novidade aos espectadores: ‘...e agora, senhoras e senhores... vamos ao Cinerama!’ conclamando a platéia e inscrevendo-a diretamente dentro do espetáculo. Aí, já colorida, surgia a imagem do trenzinho subindo uma célebre montanha russa de Coney Island, no Brooklyn, imagem que se formava aos poucos, diante de nossos olhos maravilhados, exatamente sincronizada com as cortinas que, então, se abriam completamente”.

Pôster americano do filme Isto é Cinerama

“Quando o trenzinho chegava à parte mais alta da estrutura da montanha russa, a imagem estava completa e a tela curva completamente aberta com os três projetores em ação. Começava a queda vertiginosa do trenzinho ao mesmo tempo em que, por toda a sala, o som estereofônico se abria, num  envolvimento com o espetáculo absolutamente inédito até então. Era uma sensação física, os espectadores se agarravam nos braços das poltronas. Você, digamos, estava 'dentro do espetáculo' e dele fazia parte, como a publicidade não cansava de enfatizar”.

“Dá para imaginar o impacto provocado por toda essa tecnologia, principalmente aos olhos de um garoto de dez anos de idade, quando tudo sempre parece ainda maior? Todas as sessões tinham prólogo, intervalo e, no final, com as cortinas já fechadas, ainda apresentavam uma 'música de saída' que acompanhava os espectadores no esvaziamento da sala. Era um ritual de verdade, incluindo os espectadores, em geral, bem arrumados”.

Outras exibições especiais

Infelizmente, o filme A Conquista do Oeste (How the West Was Won - 1962), único filme de longa-metragem rodado no sistema Cinerama original, não foi exibido no Comodoro. Estreou, no cine Metro, em 08/07/1965 (informação, gentilmente, cedida pelo colaborador João Carlos Reis Pinto), enquanto que no Comodoro era reprisado, novamente, Cinerama em Busca do Paraíso.

João Luiz Vieira, também, descreve em seu texto, outras exibições especiais no Comodoro:

"Foram exibidos e muito reprisados, entre 1959 e 1965, os filmes produzidos no processo Cinerama original":
Cinerama Holiday (1955) - Estreia em 25/11/1960
As Sete Maravilhas do Mundo (Seven Wonders of the World, 1956) - Estreia em 09/03/1960
Cinerama em Busca do Paraíso (Search For Paradise, 1957) - Estreia em 18/05/1961
Aventuras nos Mares do Sul (South Seas Adventure, 1958) - Estreia em 31/10/1961
Velas ao Vento (Windjammer, 1958) - Estreia em 23/03/1963

"Pelos títulos, dá bem para imaginar o que eram esse filmes de viagens. Depois, o formato se esgotou, não tinham mais filmes e, em 1966, o cinema foi reformado para exibir, em sua mesma tela gigantesca e curva, películas em 70 mm. (no princípio ainda mantendo o nome de Super-Cinerama), sem emendas, com um único projetor. Foi reinaugurado, em 20/08/1966, com o filme Uma Batalha no Inferno (Battle of the Bulge, 1965). Continuei assistindo ali a filmes exibidos ainda com exclusividade, em Super Cinerama, como Khartoum - A Batalha do Nilo (Khartoum, 1966), Nas Trilhas da Aventura (The Hallelujah Trail, 1965), Krakatoa - o Inferno de Java (Krakatoa East of Java, 1969), além de versões ampliadas, de 35 mm. para 70 mm., como Os Dez Mandamentos (The Ten Commandments, 1956), por exemplo, entre muitos outros".

Frente do cine Comodoro na estréia do filme Terremoto

Em 1974, houve uma exibição que causou muita repercussão. O filme Terremoto (Earthquake) foi exibido com um sistema de som diferente, chamado 'Sensurround'. Tratava-se de um esquema especial de alto-falantes de baixa freqüência que era emprestado pelo distribuidor do filme. O sistema, que pode ser considerado o 'avô do sub-woofer', era tão poderoso, que provocou tremores no prédio onde se localizava o cinema e gerou reclamações dos moradores. O sistema só era usado nas cenas em que o terremoto estava acontecendo. Terremoto foi exibido exclusivamente no Comodoro e ficou em cartaz por quase 10 meses.

Em 1992, o fã-clube Frota Estelar Brasil, em parceria com a Paramount Pictures do Brasil, 'fechou' o Comodoro para a pré-estréia do filme Jornada nas Estrelas VI – A Terra Desconhecida. Lá estiveram cerca de mil fãs devidamente uniformizados e fantasiados.

A projeção e a tela

Comodoro foi construído com o que havia de melhor nos quesitos projeção e tela. A tela media 20 metros de comprimento por 7 de altura, com 146 graus de curvatura, em função do processo de projeções simultâneas do sistema Cinerama. Formada por um conjunto de inúmeras tiras de náilon, a tela ficava atrás de uma enorme cortina vermelha.

O cineasta Kleber Mendonça Filho descreve a impressão que se tinha ao ver o formato e o tamanho da tela, em seu texto 'Comodoro visitado antes do incêndio':

"... impossível não babar ao olhar para a cortina vermelha em camadas, fechada. A tela era mesmo tão curva, teria que olhar para trás, por cima dos ombros, para ver as pontas da tela, esquerda e direita. Você sentia-se cercado pela tela de cinema".

A tela do Comodoro e sua enorme cortina (Livro "Salas de Cinema de São Paulo")

Para a exibição dos filmes em Cinerama, o Comodoro era equipado com três projetores americanos de 35 mm. da marca Century (com lanternas Ashcraft Suprex) e mais um projetor de 35 mm. da marca Simplex (modelo E7) só para exibição de jornais e documentários nacionais (naquela época havia uma lei que obrigava os proprietários de cinema a exibi-los).

Ilustração de uma sala de projeção Cinerama

Os três projetores Century (cada um projetava em 1/3 da tela, para dar o efeito do Cinerama), depois de alguns anos, foram substituídos por dois fantásticos aparelhos da marca italiana Cinemecanica (modelo Vitória 10) que eram junto com os da marca Philips, os melhores projetores cinematográficos. Estes dois projetores exibiam em bitola de 70 mm. ou 35 mm.

O som

O som do Comodoro era simplesmente o que de melhor existia no mercado cinematográfico de exibição. Eram amplificadores Dolby Stereo (modelo CT 100).

Interior do Comodoro ainda em construção (Folha da Tarde, 28/07/59)

As caixas-acústicas, visíveis na foto, davam a impressão que eram enormes, mas na verdade eram alto-falantes (Altec 515) de 15 polegadas com 35 watts, somente. As sete caixas-acústicas, fixadas atrás da tela de projeção, tinham as laterais feitas com enormes chapas lisas de compensado, que aproveitavam a ressonância da caixa e com isso emitiam som de baixa freqüência, pois naquela época não existiam equipamentos para sub-woofer.

Em 25 de dezembro de 1985 é inaugurado o então mais moderno sistema de som Dolby Stereo do país, com o filme De Volta Para o Futuro.

A primeira reforma

A reforma iniciou-se em 03/09/1979 e o cinema ficou fechado por cerca de 90 dias, sob supervisão do arquiteto Ricardo Gresbach, que mexeu com tudo.

"Só vai ficar as paredes", anunciou o supervisor da CIC (Cinema International Corporation), Mariano Souto, empresa que administrava o cinema. Disse que, a falta de ar condicionado, o péssimo estado do piso e o estado lamentável dos banheiros, determinaram as obras, que absorveram 10 milhões de cruzeiros.

Mariano Souto anunciou, também, que a reforma previa revestimentos internos em gesso, novas poltronas, seis banheiros reformados, troca dos equipamentos de som e novas cortinas.

A reabetura foi no dia do Natal de 1979, com a exibição do filme O Sargento Pepper e Sua Banda (Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band).

De 70 mm. para 35 mm.

Em 1991, o Comodoro já projetava filmes em 35 mm. (cópia normal) e, após intervenção judicial, teve que modificar os escritos de 70 mm. da fachada. A projeção ocupava somente metade de sua grande tela, mas o som ainda continuava excelente. Uma das grandes produções exibidas neste período foi o filme Os Intocáveis, de Brian De Palma.

Mesmo assim, diante de tanto declínio, o gerente do Comodoro parecia ser um apaixonado pelo cinema, pois passou a fechar, novamente, as enormes cortinas que cobriam a tela e somente abri-las no início da exibição. Por um longo período, este 'culto' havia-se esquecido.

O fim do Comodoro

O jornal Folha de S. Paulo publicou em 24 de março de 1997:

Centro de São Paulo se despede de mais uma sala de cinema.
O tradicional Comodoro encerrou suas atividades ontem.

O cinema Comodoro, tradicional sala de projeção do centro da cidade, acaba de ser fechado. Ontem foi seu último dia de atividades. “Recebi ordens para fechar a sala no domingo, mas não sei o que aconteceu”, disse Roberto Antunes, coordenador da distribuidora de filmes Cinema International Corporation (CIC), em São Paulo.

Fachada do cinema em seu último dia de exibições (Veja São Paulo - 02/04/1997)

O incêndio

O jornal Agora publicou em 26 de agosto de 2000:

Fogo destrói antigo cinema Comodoro
Por Andréa Martins
O incêndio durou cerca de uma hora e pode ter sido causado por problemas na rede elétrica do cinema, disse o coronel Marques, do Corpo de Bombeiros do Cambuci.

Parte de trás do Comodoro (onde ficava a tela e platéia) em chamas

O fogo começou por volta das 19h15 de ontem nos fundos do cinema da avenida São João (região central), desativado desde março de 1997.

Ao todo, 21 carros do Corpo de Bombeiros e 90 homens participaram da operação. Segundo o coronel, toda a parte interna do cinema e o telhado foram destruídos. Ninguém ficou ferido.

Moradores dos blocos A e B do edifício Lucerna, que ficam em cima do cinema, disseram que desde o início da semana havia movimentação de pessoas fazendo limpeza no local. Segundo uma mulher, que não quis se identificar, o cinema foi comprado há dois anos pelos proprietários do Bingo Avenida São João, em frente ao cinema. Ela disse que o local foi invadido várias vezes por mendigos. 

Funcionários do bingo afirmaram que não havia nenhum responsável pelo estabelecimento no local.

Outros moradores do edifício disseram ter ouvido barulho de explosão. “Ouvi vários estampidos e barulho de vidros se quebrando”, afirmou o advogado João Ferreira, 60 anos, morador do prédio há dois anos.

Cada bloco do edifício tem 58 apartamentos. Muitos ficaram alagados com a ação dos bombeiros. “Minha casa ficou inundada”, contou Jéssica Emanuele, de 20 anos, moradora do 13º andar.

Mais fotos e informações do Comodoro no "Banco de Dados" do Blog.

* Cinerama - Para maiores informações sobre o Cinerama, acesse neste blog, os textos 'Maravilhas do Cinerama' e 'Não dá para esquecer o impacto que era entrar no cinema', de João Luiz Vieira ou clique aqui.

* Cinemascope - Lentes anamórficas são lentes que conseguem filmar uma cena panorâmica sem ter de mudar o tamanho do quadro. Utilizando-se lentes semelhantes no projetor, a imagem comprimida (estreitada para caber no quadro) é ampliada até a proporção 2.35:1, formando uma cena cuja largura é mais do que o dobro da altura. O coeficiente entre altura e largura de um filme normal, seja 8 mm., 16 mm. ou 35 mm., é de 1.33:1. A primeira utilização comercial dessas lentes se deu no início da década de 60, quando os técnicos da Fox desenvolveram o processo widescreen, empregando as lentes anamórficas inventadas, em 1927, por Henri Chrétien. O processo foi batizado de Cinemascope.

Texto atualizado em 20/08/2018

ESTE TEXTO PODERÁ SER REPUBLICADO À MEDIDA QUE SURGIREM NOVAS INFORMAÇÕES SOBRE O CINE COMODORO.

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BIBLIOGRAFIA DO SITE

PRINCIPAIS FONTES DE PESQUISA

1. Arquivos institucionais e privados

Bibliotecas da Cinemateca Brasileira, FAAP - Fundação Armando Alvares Penteado e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - Mackenzie.

2. Principais publicações

Acervo digital dos jornais Correio de São Paulo, Correio Paulistano, O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo.

Acervo digital dos periódicos A Cigarra, Cine-Reporter e Cinearte.

Site Arquivo Histórico de São Paulo - Inventário dos Espaços de Sociabilidade Cinematográfica na Cidade de São Paulo: 1895-1929, de José Inácio de Melo Souza.

Periódico Acrópole (1938 a 1971)

Livro Salões, Circos e Cinemas de São Paulo, de Vicente de Paula Araújo - Ed. Perspectiva - 1981

Livro Salas de Cinema em São Paulo, de Inimá Simões - PW/Secretaria Municipal de Cultura/Secretaria de Estado da Cultura - 1990

Site Novo Milênio, de Santos - SP
www.novomilenio.inf.br/santos

FONTES DE IMAGEM

Periódico Acrópole - Fotógrafos: José Moscardi, Leon Liberman, P. C. Scheier e Zanella.

Fotos exclusivas com publicação autorizada no site dos acervos particulares de Joel La Laina Sene, Caio Quintino,
Luiz Carlos Pereira da Silva e Ivany Cury.

PRINCIPAIS COLABORADORES

Luiz Carlos Pereira da Silva e João Luiz Vieira.

OUTRAS FONTES: INDICADAS NAS POSTAGENS.