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Relâmpagos de Críticas, Murmúrios de Metafísicas (2024, Julio Bressane e Raphael Lima) | 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes

Por Caio Cavalcanti

Chovia muito em Tiradentes durante a sessão do novo filme da dupla Julio Bressane e Raphael Lima. A experiência sensorial do filme foi incrementada pelas trovoadas que se ouviam dentro do Cine-Teatro. Inclusive, Neville D’Almeida, presente na sessão, comentava com Bressane, como velhos amigos, que aquela era “a trilha-sonora da natureza”, tendo em vista que o primeiro terço do filme consiste na montagem de trechos de obras do cinema brasileiro antes da implementação do som. 

O filme se inicia com uma recriação da filmagem lendária que Affonso Segretto teria feito da chegada à Baía de Guanabara a bordo do navio Brésil, e continua ao passar pelo primeiro cinema brasileiro com filmes como Os Óculos do Vovô (1913) e Exemplo Regenerador (1919) até desembocarmos em um dos cinemas brasileiros contemporâneos. 

Com o plural, pretendo deixar claro que a noção da história “do” cinema brasileiro, como algo uno, é ultrapassada, resquício de uma época em que os modos de produção eram completamente diferentes e a produção se concentrava no eixo Rio-São Paulo, salvo ciclos regionais efêmeros. Os diretores propõem uma verdadeira alquimia com os planos escolhidos, mostrando e contrastando o poder de uma imagem entre forma pela qual foi filmada e a forma como a recebemos vários anos no futuro.  

Chama a atenção, por exemplo, a dialética que percebemos ao contrastar a história do marido machista de Exemplo Regenerador com todo o conhecimento que temos tanto da história do cinema brasileiro, e como o filme se insere nela, e do contexto social no qual ele se encontra.

Nesse sentido, o cinema brasileiro o qual Bressane e Raphael Lima propõem reencontrar é, inevitavelmente, alvo de vários recortes, sejam eles involuntários – no primeiro cinema, não há muitas cópias de qualidade sobreviventes – ou não – baseado no contexto histórico em que a obra de Bressane surgiu e na narrativa que ele e Lima desejam explorar.

Ainda assim, notam-se ausências significativas como as de filmes do cinema novo, mas compreensíveis tendo em vista a relação conturbada de Bressane com esse período da produção brasileira. Porém, a meu ver, a ausência mais sentida é a pobreza com que o cinema brasileiro pós-1990 é retratado, principalmente o do anos 2000. Tendo em vista o histórico de disrupção causado por Bressane e Sganzerla, primeiro em São Paulo na Boca do Lixo e depois no Rio de Janeiro com a Belair Filmes, o recorte se mostra desinteressado pelas quebras de paradigma que vieram depois do cinema alinhado com a produção de Bressane e Sganzerla. 

Nesse sentido, o exposto perde a relevância de uma quase genealogia do cinema brasileiro que o projeto visa propor desde sua concepção e deixa a desejar com a quebra de expectativa criada durante cada trecho de filme pelo próximo grande (ou não) momento do nosso cinema que nos será exposto, nos deixando a sensação de que a década de 2000 e 2010 são mistérios, vazios cinematográficos. 

Dessa forma, o filme apresenta uma tentativa de “história oficial” que despreza a riqueza do cinema brasileiro advindo da democratização dos modos de produção cinematográfica nos anos 2000 com o advento do digital.

É importante salientar que um filme nunca será uma fonte historiográfica que reflita sobre a produção inteira do cinema brasileiro. Além de impossível, seria uma abordagem errônea no estudo da obra de arte e sua relação com o contexto histórico ao qual está inserida.          

As ausências as quais trouxe à tona são apenas pontuações que iniciam um debate historiográfico muito maior. O que nos resta é mais uma prova da desenvoltura de uma dos mais constantes cineastas do nosso cinema e de sua disrupção, mesmo dentro do status quo como um nome estabelecido. Assim, Bressane mantém sua sina de realizar obras que suscitam o debate público, não importando o contexto histórico e de produção ao qual estão inseridas.

Biografia

Caio Cavalcanti é alagoano morando e estudando cinema em São Paulo. Apaixonado por música, escrita e cinema, especialmente pelas áreas de História do Cinema e Crítica. 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Caio Cavalcanti

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