Ondas (2024, Jiří Mádl) | 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Por Giuli Gobbato
Os termos “Primavera de Praga” e “Pacto de Varsóvia” são comumente citados em filmes que se passam durante a Guerra Fria, a maioria ambientada em algum país pertencente ao Eixo ou aos Aliados. Pouco se comenta sobre os países menores e seus povos nativos, suprimidos pela hegemonia da União Soviética e esquecidos na homogeneidade dos livros de História. Indo contra a corrente das obras sobre o período, explícitas em violência e focadas no ambiente militar, o diretor tcheco Jiří Mádl inova com Ondas, apresentando o campo de batalha de outra forma: o escritório de transmissão de uma rádio.
Baseado em jornalistas reais, o longa começa com as imagens de uma marcha pacífica, oposta à transmissão de rádio que a retratou na mídia, declarando a como violenta, vandalista e ilegal. O tema atual das fake news e da censura midiática se revela antigo na realidade de 1968. A situação do povo tchecoslovaco na época é representada pelo jovem Tomáš Havlík, que tenta proteger o irmão menor de idade de ser levado pelo serviço social. Ao receber uma vaga de técnico na “Rádio Tchecoslovaca”, no departamento internacional, ele se envolve numa teia entre revolucionários e conservadores e arrisca a própria vida pelo país e pela verdade sobre a invasão do exército polonês.
Como o próprio nome diz, Ondas se refere às ondas de rádio, facilmente bloqueadas durante períodos de guerra, mas essenciais para a comunicação de tropas e cidadãos. A mídia de massa na forma do rádio é a verdadeira protagonista do filme e sua natureza frenética, urgente e dinâmica está presente até na montagem do filme. Diversos pontos de vista são intercalados pelo diretor em espaços paralelos, como o interior e o exterior de um estúdio de rádio. Perspectivas opostas de um mesmo lugar, raramente apresentadas só. O recurso é antigo do cinema, conhecido como montagem paralela, porém Mádl o utiliza excessivamente para destacar a briga interna das mídias a respeito de uma notícia. Ele nos bombardeia com informações, como o rádio, e também realça o conflito interno dos jornalistas, dividido entre suas vontades e necessidades.
Descrito pelo diretor como um épico, o filme apresenta intensidade na forma de narrar. Apesar da trilha sonora emotiva, grandes cenários e um roteiro que se dirige a uma batalha final (representada pela invasão), não é um épico esperançoso ou moralmente forte. A motivação de revolução em vários personagens surge da figura do líder do departamento, Milan Weiner, inspirado em um jornalista real, que fortaleceu o movimento em prol da liberdade de expressão. Mas, mesmo com a menção de jornalistas importantes da história do país, nenhum deles é apresentado como um grande heroi invencível. Aliás, aqui também não há vilões, pelo menos não humanos. A contradição reina e os piores elementos são a desinformação e o egoísmo de cidadãos que traíram para se proteger em meio ao medo. Tomáš, Milan e os outros jornalistas são apenas peões, manipulados por outras figuras para que estejam em posição na hora de agir – só basta seguirem as ordens. A história se repete e termina como começa: sem esperança, conquistas e apenas com eles, mais anestesiados a tudo que acontece à sua volta. É quase um programa de notícias: ele se inicia, conta os ocorridos e termina, sem opiniões.
Mas é evidente que sua opinião é parcial, contida na realização do filme em si. Co-produzido pela Tchéquia (antiga República Tcheca) e Eslováquia, Ondas conta com o apoio da televisão pública nacional tcheca, a Česká televize, uma das maiores mídias de massa do país atualmente, algo certamente simbólico. Ao contar a história de um cidadão médio, comum e trabalhador, o longa deixa claro que suas circunstâncias podem atingir qualquer um.
De certa forma, o título ser Ondas e não “ondas de rádio” encapsula suas possibilidades: ondas de rádio que transmitem a internet, ondas de movimentos sociais e tsunamis de informações. Hoje, o campo de batalha da informação é o maior já visto na comunicação: as redes sociais. Capazes de criar uma hierarquia da informação jamais vista em mídias hegemônicas como a televisão, possuem menos verificações que os sistemas tradicionais, colocando em jogo a reputação de veículos oficiais. Não existem mais lados de uma moeda política, agora temos um prisma praticamente impossível de conhecer por completo. Não é mais necessário correr atrás do único microfone responsável por transmitir uma informação e Jiří Mádl usou bem o que está no seu bolso, lembrando o público que a História vai e vem, assim como a verdade.
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Biografia
Giuli Gobbato é cineasta e escritora. Bacharel em Cinema pela FAAP-SP, foi montadora e diretora de som em diversos projetos, além de dirigir e roteirizar dois curtas independentes. Na escrita de ficção e crítica, busca discutir a acessibilidade no audiovisual, partindo da sua vivência com dor crônica e TEA. Também faz parte da equipe administrativa da plataforma literária Maratona.app, que pensa a leitura de forma acessível e emocional.
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