Hollywood, Sistema de Estúdios e Narrativa Clássica1
Caio Cavalcanti2
Este texto aborda o contexto histórico no qual a Era de Ouro de Hollywood, período que abrange a década de 1920 até o início da década de 1960, bem como uma explanação detalhada sobre importantes aspectos dessa era como o Sistema de Estúdios e de Estrelato e o estabelecimento dos principais estúdios hollywoodianos, conhecidos como os majors. Além disso, trata de fatores que contribuíram consideravelmente para o desenvolvimento da arte cinematográfica em sua totalidade, como a Montagem Paralela e a Narrativa Clássica.
Introdução
Durante a primeira década do século XX, a produção cinematográfica americana não tinha a hegemonia que estabeleceu ao longo do século. Apenas uma parcela das produções era de realização dos Estados Unidos. Com efeito, no mercado americano havia grande influência europeia, principalmente da França, que detinha a hegemonia da produção. No início do século passado, aproximadamente 40% dos filmes exibidos nos Estados Unidos eram produzidos pela Pathé3, grande produtora francesa. À época, a barreira para a projeção de filmes estrangeiros não era tão intransponível, pois as obras não eram faladas. Portanto, não importava o idioma original da produção.
A hegemonia francesa, no entanto, foi abalada pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e, com isso, grandes companhias cinematográficas como a Pathé perderam a condição que desfrutavam. Desse modo, os Estados Unidos, que se manteve distante da guerra até 1917, tomou o vazio deixado pela França e ascendeu como principal potência da indústria cinematográfica mundial, posto que mantém até hoje.
O cinema norte-americano, nas primeiras décadas do século passado, tinha como princípio o que posteriormente foi nomeado pelo professor Tom Gunning, em seu ensaio “The Cinema of Attractions: Early Film, Spectacle, and Narration” como “cinema de atrações”. O cinema de atrações era marcado por certa precariedade quando comparados às produções futuras: os filmes eram curtos, filmados rapidamente, sem créditos para os atores, os diretores costumavam berrar instruções àqueles em cena durante a gravação e não havia um espaço específico para projeção.
Filmes eram exibidos em bares, feiras, vaudevilles, etc., ou seja, a projeção não era consistente e profissional o suficiente para constituir uma cadeia industrial. O cinema não havia se consolidado como um negócio. Porém, com a demanda por filmes em alta, o mercado agiu e surgiram armazéns que, desviados de seu uso original, passaram a abrigar a exibição de filmes, os nickelodeons.
Com isso, o cinema começava a se transformar em negócio. A indústria do cinema chamou atenção daqueles que procuravam por oportunidades de negócios para investir tempo e capital. Concomitantemente, houve uma grande onda de imigração para os Estados Unidos. A maioria dos imigrantes chegados à América eram judeus do Leste Europeu. Eles migraram em busca tanto de uma melhor qualidade de vida quanto de uma melhor condição financeira, tendo em vista a perseguição que sofriam por suas crenças nos seus países de origem.
Assim, imigrantes, ou filhos de imigrantes de maioria judaica, entraram no mercado cinematográfico – não por paixão ao cinema, mas por pressentir uma boa oportunidade de lucro. Porém, o negócio não era uma fonte de dinheiro fácil, haja vista que muitos daqueles que investiram em nickelodeons não conseguiram prosperar e fecharam suas operações. Com efeito, aqueles que conseguiram progredir são, em sua maioria, os que se tornaram os pioneiros magnatas do que se tornaria o Sistema de Estúdio de Hollywood.
Antes das Majors Hollywoodianas
Com o crescimento da demanda popular pelo cinema nos Estados Unidos, ainda na era dos nickelodeons, vários indivíduos se interessaram pela crescente indústria cinematográfica. Assim, entre o final dos anos 1890 e o começo dos anos 1900, surgiram várias companhias que visavam à produção de filmes, localizadas em maioria na Costa Leste dos Estados Unidos. Entre essas companhias, estavam Essanay Studios, Biograph Company, Vitagraph Studios e Edison Studios.
A Edison Studios pertencia ao inventor magnata Thomas Edison. Ciente da demanda popular e possibilidade de lucro através do cinema, Edison almejou controlar uma maior parcela do mercado cinematográfico. Assim, patenteou os equipamentos técnicos necessários tanto para a produção quanto para a exibição de filmes, buscando controle sobre toda a indústria e a eliminação da concorrência proveniente das companhias independentes.
Assim, Edison criou e liderou a Motion Pictures Patents Company (MPPC), também conhecida como Truste Edison. Um truste é uma união de empresas que visa o domínio do mercado. A MPPC constitui um truste vertical, considerando que foi uma união de empresas que atuavam em diversas áreas da produção cinematográfica: produção, distribuição e exibição, visando o controle total da indústria. Com isso, Edison processava todos aqueles que filmavam sem controle do truste. Pode-se dizer que esta tentativa de dominação foi bem-sucedida em pouco tempo. As maiores produtoras da época, inclusive todas as companhias supracitadas, acabaram por se juntar ao truste, após muitas batalhas legais.
Com isso, os donos de nickelodeons e de pequenas produtoras se viam obrigados a pagar royalties para a MPPC, correndo o risco de responder legalmente caso contrário, para que seus negócios pudessem funcionar e prosperar. Com as taxas para distribuição e projeção de filmes, houve revolta entre os donos dos nickelodeons, que criaram suas próprias companhias de produção. Foi o que ocorreu com Carl Laemmle, alemão radicado nos Estados Unidos, que desafiou o truste criando a Independent Motion Picture Company (IMP). Mais tarde, com a adição de desertoras da MPPC, Laemmle fundou a Universal Motion Picture Company, conhecida coloquialmente até hoje como Universal.
Edison se opunha ferozmente a qualquer outro empreendimento no ramo que considerava sua propriedade, movendo ações legais. Essa forte oposição causou o êxodo das companhias independentes da Costa Leste para a Costa Oeste, mais especificamente no distrito de Hollywood da cidade de Los Angeles, no estado da Califórnia. Essa região era ideal para abrigar a indústria independente por uma série de motivos, entre eles: a qualidade da área para o estabelecimento de locações e estúdios, a viabilidade para locações externas e, principalmente, distante da Costa Leste, tornava difíceis as audiências legais e a fiscalização da produção que lá ocorria. Assim, os estúdios independentes, como a IMP, conseguiram escapar do Truste Edison e produzir seus próprios filmes.
A MPPC foi afetada financeiramente pela Primeira Guerra, que abalou o mercado europeu, do qual a Truste detinha uma grande parcela. Além disso, no ano de 1915, a Truste foi processada em corte federal por violar a Lei Antitruste Sherman de 1890, processo do qual saiu derrotada. Já debilitada pela guerra, o processo foi o fator determinante para que a MPPC fosse obrigada a cessar suas operações, liberando o mercado que, até então, se via refém de seu oligopólio. Com isso, produtoras independentes, já estabelecidas em Hollywood, estavam livres de quaisquer amarras para engajar tanto na produção quanto na distribuição de filmes. Nesse cenário, surgiram os oito majors, os maiores e mais influentes estúdios hollywoodianos do início do século XX.
Ascensão das Majors
A história do cinema, por vezes, se confunde com anedotas, devido a diversos fatores como a disputa de egos no mundo da arte e a busca por reconhecimento, um exemplo desse fato é a origem ainda não totalmente esclarecida do termo “Oscar” para o troféu dos prêmios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. E a era dos grandes estúdios possui um diferencial na história cinematográfica: o fator negócio. Uma empresa precisa de registros para controlar e comprovar sua operação. Os estúdios eram empresas de produção audiovisual. Existem registros em abundância que corroboram a pesquisa da história daquela época.
A terceira década do século XX foi um momento de florescimento das artes, não só nos Estados Unidos, mas também no mundo. Esse período ficou conhecido como os Roaring Twenties, muitas vezes traduzido como Loucos Anos 20. Nessa época, passada a Primeira Guerra Mundial, o jazz surgia, a moda ocidental era redefinida, o movimento da art deco se originava na arquitetura americana, o rádio se estabelecia nas casas ao redor do mundo. Houve também muitas mudanças sociais no mundo ocidental – por exemplo, diversos países passaram a ter leis que determinavam o direito ao voto para as mulheres, tendo em vista as reivindicações do movimento de igualdade de gênero na época. Porém, o mais importante acontecimento foi o estabelecimento do cinema no dia a dia do consumidor americano.
Com o declínio do truste e o cenário fértil para a produção cinematográfica, composto entre outros fatores pela euforia econômica americana dos anos 20 e a alta demanda popular pelo cinema, firmaram-se em Hollywood oito companhias que seriam consideradas as majors da produção cinematográfica: MGM, RKO, Paramount, Warner Brothers, 20th Century-Fox, United Artists, Columbia e Universal, todas fundadas entre os anos de 1912 e 1935.
Um ano após sua fundação, com a produção de Ben-Hur (1925), até então a produção mais cara já realizada no cinema, e seu sucesso esmagador, a MGM estabeleceu-se como a maior companhia de produção de Hollywood. Seguindo a MGM, a Paramount é amplamente considerada como o segundo maior estúdio da Era de Ouro de Hollywood.
A Warner Bros. tem grande relevância para o Sistema de Estúdios pois foi a responsável pelo lançamento do controverso filme O Cantor de Jazz (1927), estrelando o ator Al Jolson em blackface4, que revolucionou o mercado por ser o primeiro talkie, filme falado, de grande projeção e sucesso comercial. Com isso, a RKO, fundada em 1929, tomou proveito da revolução sonora no cinema e fez dos talkies seu foco nos negócios, atingindo grande sucesso.
A fundação da United Artists, ocorrida em 1919, é peculiar dentro da indústria. Foi conceitualizada pelo casal de atores Douglas Fairbanks e Mary Pickford, o ator e realizador Charlie Chaplin e o diretor D. W. Griffith. Os estúdios, muitas vezes, se encontravam à mercê do mercado. Então, esse grupo de representantes da classe artística funda a companhia para ir ao encontro da visão comercial do cinema, praticada pelas demais majors. Assim, filmes da United Artists tinham um propósito mais artístico que os produzidos pelos outros estúdios.
Além dos grandes estúdios, é importante ressaltar a importância de outro grupo para o funcionamento e a prosperidade da Era de Ouro de Hollywood: os produtores independentes. Muitos, como Irving Thalberg e Hal B. Wallis, trabalharam apenas em grandes estúdios, com independência ou pouca interferência da gestão dos estúdios perante seus projetos. Mas outros acabaram por criar suas próprias produtoras. Há, ainda, o caso do célebre Walt Disney, que produzia seus filmes sem o suporte de nenhum grande estúdio, através da sua companhia The Walt Disney Company, e negociava a distribuição de suas produções.
Notava-se ainda certa hierarquia entre os estúdios, sendo muitas vezes divididos entre Big Five e Little Three, uma forma de segregar os estúdios de maior e menor influência dentro da indústria. O Big 5 seria composto por MGM, Paramount, Warner Bros., RKO e 20th Century-Fox, enquanto a United Artists, Columbia e Universal restavam ao Little Three. Há uma anedota da época que ilustra a relação hierárquica entre os estúdios. O grande astro Clark Gable chegou a ser enviado à Columbia por Louis B. Mayer da MGM como punição por exigir um aumento salarial.
O Sistema de Estúdio
O Sistema de Estúdios reinou em Hollywood entre as décadas de 1920 e 1940. Foi um modelo de negócios no qual a visão da produção cinematográfica como arte foi posta em segundo plano, em função de uma perspectiva industrial, voltada ao lucro. Isso não significa que não houve preocupação artística na produção dos filmes. Muito pelo contrário, grandes diretores como Alfred Hitchcock, no suspense, John Ford, no western, e Frank Capra, no drama, mantiveram uma forte veia artística e inovadora em seus trabalhos. Porém, a relativa independência de criação só seria atingida se o realizador conseguisse provar sua capacidade de lucrar enquanto inovava com suas criações.
A indústria do cinema se comportava como qualquer outra indústria que se utilizava de um modelo de linha de montagem para a produção de seu produto final. Com efeito, não havia diferença significativa entre a linha de produção de um filme e a de qualquer outra fábrica que se utilizasse do modelo conhecido como taylorismo. Seguindo esse modelo, cada indivíduo envolvido na realização de um filme se especializava em um aspecto da produção. Havia o montador, o diretor, o roteirista, etc. Todos trabalhavam em prol do “patrão”, representado nas fábricas de automóveis pelo dono da fábrica ou da companhia, e na realidade hollywoodiana pela figura do produtor executivo, que por sua vez respondia à sede da respectiva companhia de produção, sediada em Nova Iorque, na outra costa dos Estados Unidos.
Nota-se uma diferente noção da função do diretor na produção. Desde a década de 1960, com movimentos como a Nouvelle Vague, a figura do diretor adquiriu muito mais autoridade no set de filmagem e consolidou seu status como “autor” do filme. Essa visão é reforçada por diretores do cinema moderno como o expoente da Nouvelle Vague, Jean-Luc Godard (1930-2022). Esse modo de realização, conhecido como “cinema de autor”, difere vertiginosamente do modelo vigente na Hollywood clássica, no qual o diretor, na maioria dos casos, era um funcionário do catálogo do estúdio, contratado para dirigir certa produção. Aqueles que conseguiam expressar maior visão artística e autoridade eram os que, muitas vezes, acumulavam cargos na produção do filme.
Apesar de os grandes estúdios mandarem no mercado hollywoodiano, criou-se certa relação de dependência entre as grandes produtoras e aqueles que eram, de certa forma, a matéria-prima de suas produções: os atores. Assim, formou-se o que ficou conhecido como o “sistema de estrelato” da Hollywood clássica, o star system. As companhias precisavam dos atores, as estrelas, para que o público se interessasse pelos filmes e fosse ao cinema, assim pagando o preço do ingresso da sessão e mantendo todo o complexo sistema de estúdios em pleno funcionamento. Da mesma forma, os atores também precisavam das grandes companhias para se manter no mercado, tendo em vista que era praticamente impossível suceder no mercado do entretenimento da época sem o apoio desses.
Com isso, havia contratos de exclusividade que uniam legalmente as estrelas a determinado estúdio. As companhias adquiriam o direito de gerir toda a imagem pública do ator ou da atriz contratada. Isso resulta em casos de criação de nomes artísticos, omissão de características pessoais dos atores, como a homossexualidade, que, à época, era um grande tabu, e controle do estilo de vida pessoal, estipulando dietas, toques de recolher e outras regras a serem seguidas.
O sistema era um organismo complexo, formado por dois polos de grande importância: Los Angeles e Nova Iorque. As sedes das companhias situavam-se em Nova Iorque, grande centro financeiro e empresarial dos Estados Unidos, onde as grandes decisões eram tomadas e estabelecia-se o centro de comando dos trustes verticais que constituíam os estúdios. Já Los Angeles, mais precisamente Hollywood, era onde a produção de fato ocorria e as decisões artísticas, voltadas ao mercado, eram tomadas pelos produtores executivos. Assim, os estúdios na Califórnia se tornaram o ponto de encontro no qual cada uma das engrenagens da linha de montagem se unia em busca de um mesmo resultado final.
A Narrativa Clássica
Como mencionado anteriormente, a indústria cinematográfica funcionava como uma linha de montagem taylorista, com alta subordinação aos gerentes, nesse caso produtores, e divisão de tarefas. Logo, assim como numa fábrica, a maneira de produzir não se diversificava significativamente entre as produtoras atuantes no mercado, e esse fato gerou a criação do modelo narrativo conhecido posteriormente como a narrativa clássica do cinema americano.
A narrativa era composta por uma estrutura básica de três atos: início, meio e fim. Quem fosse ao cinema, sabia o que esperar do filme escolhido. Esses três atos eram organizados de forma estritamente cronológica dentro da narrativa. Por isso, produções com narrativas não-lineares, característica em movimentos posteriores ao sistema de estúdios como a Nouvelle Vague, eram praticamente inexistentes. Eram raras as produções que não apresentariam um final fechado. Além disso, desenvolveram-se gêneros cinematográficos como o noir, o western e o terror, que se encaixavam perfeitamente no sistema de produção industrial dos estúdios por conta de sua natureza, de certa forma, formulaica.
As personagens que compunham a ação teriam sua balança moral bem definida. Havia a presença clara do protagonista, o “mocinho”, e do antagonista, o “vilão”. Logo, o conflito era composto pelo embate entre as motivações, claramente expostas ao público. O protagonista buscava um objetivo que batia de frente com os interesses do antagonista.
Esse modelo tinha grande foco na imersão do espectador na narrativa, através dos mecanismos de identificação. Assim, fazia a utilização de artifícios como a montagem invisível, no qual os cortes são escondidos pela montagem, dando uma sensação de continuidade, conforto e estabilidade para aquele que assiste o resultado final do filme. Esse foi o padrão da montagem cinematográfica que perdurou durante toda a Era de Ouro, e perdura até hoje em certas produções mais comerciais do cinema contemporâneo.
Outro aspecto da narrativa clássica que ascendeu na época do sistema de estúdios é a montagem paralela, uma das técnicas mais transformadoras e influentes já desenvolvidas na história do cinema. Embora não seja possível estabelecer um criador para ela, há alguns pioneiros que devem ser lembrados. Entre eles, Ferdinand Zecca, que, em seu curta O Cavalo Desembestado (1907), faz uso da montagem paralela, mas sem a preocupação com a dramatização que ela viria a ter com D. W. Griffith, responsável pela propagação dessa técnica, amplamente utilizada com propósito dramático em seu controverso, porém influente, O Nascimento de Uma Nação (1915).
Essa técnica de montagem consiste na apresentação de dois planos em sequência que acontecem simultaneamente dentro do tempo narrativo. Diferentemente do padrão dos primeiros filmes, que seguiam uma continuidade temporal entre um plano e outro, a montagem paralela exibe múltiplas perspectivas para uma mesma sequência.
O Nascimento de uma Nação (1914) é uma produção anterior à consolidação do sistema de estúdio. Porém, exibe características da narrativa clássica do cinema americano. O filme trata da Guerra Civil Americana e de suas consequências para a sociedade sulista, e adota uma perspectiva abertamente racista. Há certo revanchismo e ódio pessoal de Griffith exposto na narrativa, com a presença de atores brancos interpretando negros em blackface e a glorificação de uma organização tão repreensível como a Ku Klux Klan. Importante destacar que o pai de Griffith, Jacob Wark Griffith (1819-1885), foi um capitão confederado durante a Guerra Civil. Com a derrota confederada, que culminou na abolição da escravatura em território americano, a família Griffith teve sua posição social e situação financeira afetada pelo resultado da guerra.
Apesar de sua mensagem preconceituosa, o filme de Griffith apresenta inovações significativas para a arte cinematográfica, como a montagem paralela. Um exemplo do uso desta técnica é uma sequência que ocorre aproximadamente no último terço da narrativa. Uma jovem, contrariando as ordens do irmão de permanecer em casa, sai para buscar água fresca em uma fonte próxima à casa. No caminho, ela é importunada por um homem negro, representado por um ator branco em blackface. Enquanto isso, o irmão da jovem percebe que há algo de errado e segue os rastros da irmã, até presenciar sua morte trágica.
Nessa sequência, três núcleos de ação narrativa são intercalados: a perspectiva da jovem indo buscar água, o homem a perseguindo e o irmão seguindo os rastros da perseguição e presenciando a morte da irmã. Assim, o espectador tem a chance de visualizar três pontos de vista diferentes sobre o mesmo acontecimento, algo inovador, tendo em vista a experiência do público de 1915. A montagem é utilizada de forma persuasiva, ela pretende sensibilizar a audiência e fazer com que ela escolha um lado, que segundo a narrativa seria o do “bem”, o mesmo que o próprio Griffith escolheu representar, por conta de suas experiências pessoais. Desse modo, O Nascimento de uma Nação e Griffith deixam um legado conturbado, porém relevante para a história cinematográfica. O filme traz inovações técnicas para a linguagem, por meio da construção discursiva que desperta.
A Queda dos Majors
O sistema de estúdio foi um dos grandes impérios da história do cinema. Porém, como todos os grandes impérios, também experimentou uma queda. Muitos fatores, internos e externos ao mundo do entretenimento, contribuíram para o declínio do sistema que dominou a produção cinematográfica americana durante a primeira metade do século XX.
Os grandes estúdios foram considerados culpados de violar as leis antitruste norte-americanas, assim como a MPPC algumas décadas antes, no caso United States Vs Paramount, que teve seu fim em 19485. Durante os anos da Era de Ouro, os estúdios mantinham um monopólio da produção, contratos com atores e diretores, posse de cinemas nos quais os filmes eram exibidos, e trabalhavam entre si para controlar a cadeia de distribuição em cinemas independentes. Em 1930, os estúdios de cinema foram considerados um monopólio e a prática do Block Booking foi considerada ilegal pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Block Booking é uma prática similar à venda casada, na qual estúdios forçavam a venda de filmes para cinemas independentes em conjunto, e sem a possibilidade do comprador assistir aos filmes antes de comprá-los.
Em 1948, a Suprema Corte tomou outra decisão, dessa vez definitiva: o Block Booking foi extinto e foi recomendado o fim da posse de cinemas por parte das grandes produtoras. Assim, o sistema de estúdio no final dos anos 40 se via fragilizado. Consequentemente, a televisão se estabeleceu nas casas das famílias americanas durante a década de 1950.
Havia também certa mudança no que o consumidor procurava como fonte de entretenimento. Muitos espectadores desejavam conteúdos com mais relevância intelectual, diferente do que era produzido em massa todos os anos pelos estúdios hollywoodianos. Procuravam se distanciar das produções previsíveis das grandes companhias, em favor de filmes que se aprofundassem em assuntos mais sérios da experiência humana. O sistema de estúdio parecia datado para o período que os Estados Unidos viviam, com a ascensão de movimentos sociais e da contracultura.
Porém, as companhias que reinaram sobre Hollywood, e sobre todo o cinema americano, entre as décadas de 1920 e 1940, deixaram fortes marcas de sua influência e rastros de sua presença. Isso é evidente por diversos fatores, como a permanência das mesmas grandes empresas no mercado cinematográfico, muitas vezes sob diferentes circunstâncias, como no caso da 20th Century-Fox, que hoje funciona como uma subsidiária da Disney.
Conclusão
O Sistema de Estúdios ajudou a consolidar fatores vitais para a toda a realização cinematográfica, tendo sua importância e influência percebida mundialmente. Os resquícios das oito majors permanecem relevantes, porém, sem todo o poder que acumulavam na Era de Ouro do mercado americano. No entanto, elementos presentes na narrativa clássica de Hollywood ainda se fazem presentes nas maiores, mais caras e relevantes produções cinematográficas da atualidade, depois de quase um século se passar. A montagem paralela foi, ainda é, e continuará a ser absolutamente indispensável para o fazer cinematográfico. Tendo se mantido firme enquanto passava por processos, crises econômicas e duas guerras mundiais, o sistema de estúdio é, sem sombra de dúvidas, uma parcela da história do cinema que merece sempre ser relembrada. Seja por sua gigante influência no cinema contemporâneo, suas estrelas, as inovações narrativas e, além disso, por ser rigorosamente estudada para que os mesmos erros cometidos pelos magnatas da Era de Ouro não sejam repetidos pelos realizadores, produtores e empresários da atualidade.
Referências Bibliográficas
BOMBOY, Scott, The day the supreme court killed Hollywood’s studio system. Disponível em: <https://constitutioncenter.org/blog/the-day-the-supreme-court-killed-hollywoods-studio-system>. Acesso em: 2 de abril de 2023.
COUSINS, Mark. História do cinema: dos clássicos ao cinema moderno. Tradução: Cecília Camargo Bartalotti. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
MATTA, João Paulo Rodrigues. Marcos histórico-estruturais da indústria cinematográfica: hegemonia norte-americana e convergência audiovisual. IV ENECULT, Salvador: Maio de 2008. Disponível em: <http://www.cult.ufba.br/enecult2008/14363-01.pdf>. Acesso em: 28 de março de 2023.
SCHATZ, Thomas. O gênio do sistema. Tradução: Marcelo Dias Almada. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
Notas
- Artigo escrito a partir das aulas da disciplina Cinema e História: EUA-Europa até 1950, do curso de cinema da FAAP, ministrada pelo Prof. Dr. Humberto Pereira da Silva.
↩︎ - Aluno do curso de Cinema da FAAP.
↩︎ - COUSINS, Mark. História do cinema: dos clássicos ao cinema moderno. p. 45.
↩︎ - Quando atores de pele branca pintavam seus rostos para interpretar personagens pretos, muitas vezes ridicularizando a comunidade preta através de espetáculos “humorísticos”.
↩︎ - BOMBOY, Scott, The day the supreme court killed Hollywood’s studio system. Disponível em: <https://constitutioncenter.org/blog/the-day-the-supreme-court-killed-hollywoods-studio-system>. Acesso em: 2 de abril de 2023. ↩︎
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Biografia: Caio Cavalcanti. Alagoano morando e estudando cinema em São Paulo. Apaixonado por música, escrita e cinema, especialmente pelas áreas de Roteiro, História do Cinema e Crítica.
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