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Mostra “A Pele em que Habito: Densa e Impermeável” | FUCINE 2025

Por Caio Cavalcanti

O segundo dia do FUCINE (Festival Universitário de Cinema) exibiu a mostra A Pele em que Habito: Densa e Impermeável. Destacando a experiência humana individual, a mostra foi dividida em dois momentos: a sessão 3, com filmes que tratam da subjetividade e a percepção do indivíduo em relação ao mundo, e a sessão 4, com  curtas que abordaram a materialidade do corpo humano e os seus desdobramentos. 

Bitoquinha (Giordano Gadelha, USP/SP) abriu a noite com uma história de amor entre duas jovens que se passa numa mercearia durante os anos 2000. É uma história de amor fofa, em que as duas personagens principais tem suas breves interações atrapalhadas pelas circunstâncias da vida, como a mãe religiosa e a dona da mercearia que ambienta a história. Este curta, a meu ver, por ser realizado através de um ponto de vista “roteirocêntrico”, ou seja, tem como seu foco o puro contar de uma história, não consegue extrair o máximo do formato curta-metragem e da linguagem cinematográfica como um todo, sendo marcado por formalismos vãos como a janela 4:3 e a reconstrução dos anos 2000 na direção de arte, por exemplo.

São elementos que no fundo não colaboram de fato para uma maior imersão na narrativa e sua mise-en-scène, tendo em vista que afetam apenas a experiência estética do espectador e não entram em conjunto com a matriz efetiva dos temas trabalhados. 

A meu ver, o fato da história se passar em 2006, facilmente identificável pelo álbum de figurinhas da copa do mundo daquele ano na parede, do filme se passar em janela 4:3 não contribuem para o drama daquelas personagens, ou mesmo a construção do relacionamento e sua vivência em tela são apenas ruídos visuais que nos afastam do essencial. O desenvolvimento narrativo em tela desse roteiro é, nesse sentido, sabotado por esses formalismos, que não contribuem para construção de sua linguagem cinematográfica, e seria muito mais favorecido por artifícios como um uso de cortes e raccords melhor trabalhados, a gosto da realização. 

Todos os Homens do Magazine (Otávio Santana, UFAL/AL) conta a história de um homem que busca vingança contra aqueles que o enganaram ao fazê-lo investir  num  portfólio de ações que logo despencaria. A beleza desse filme, a meu ver, vem de uma paixão latente pelo cinema em primeiro lugar, um desprendido desejo de se fazer cinema no qual sentimento precede a técnica e não procura  argumentar alguma universalidade sobre um projeto puramente pessoal. Projeto esse que não necessita de universalidade, necessita apenas de ser feito pois esse é o escopo que o próprio realizador se impõe. Nesse sentido, Todos os Homens…, claramente inspirado num cinema americano de ação e tendo em com Pulp Fiction e Quentin Tarantino grandes e evidentes inspirações, prospera, pois o filme e a direção tem plena noção de sua realidade material e não buscam construir  uma produção hollywoodiana e mimetizar suas referências, mas sim criar uma síntese de que una em consonância o repertório e o desejo bruto do cineasta de fazer cinema. 

A falta de recursos, seja ela técnica ou financeira, emancipa a criatividade, emancipa o  fetichismo técnico – a vontade de fazer cinema para usar equipamentos e não de usar equipamentos para fazer cinema –, esse câncer que assola as universidades de cinema, e nos traz as melhores soluções estéticas e criativas. Gravar em shoppings, em avenidas movimentadas, na casa dos amigos, em canaviais, bares, ambientações essas de várias das cenas que desenvolvem o projeto de vingança deste homem sem nome contra o guru que o fez perder tudo, sem o apoio de uma equipe de produção profissional por trás é um esforço louvável, e um esforço que claramente só pode vir da paixão pelo cinema como um todo, do desejo perceptível de se fazer cinema como um imperativo. O que se encaixa perfeitamente com a história de Todos os Homens, cuja narrativa visual é feita para as grandes telas, tendo em vista todo o arcabouço de referências imagéticas, que quase podemos chamar de maneirista, que permeiam toda a mise-en-scène, os elementos de autoconsciência material, e o projeto de filme proposto pela realização como um todo. 

A narrativa ainda é corroborada pela quantidade de referências a nossa realidade material contemporânea como brasileiros em 2025, como os gurus de enriquecimento que empestam as redes sociais, trazendo esse mesmo arcabouço de referências para perto do espectador e assim deixando a imersão emocional ainda mais apertada. 

Esses dois exemplos sumarizam bem a heterogeneidade que abençoa o circuito universitário de cinema e o mero fato de dois filmes tão diferentes terem sido feitos, da equipe ter tido a experiência e garantido aprendizado, e ver uma diversidade tão grande na união de curtas nas sessões do festival sempre é uma experiência frutífera para a reflexão visando nossa produção universitária. 

Biografia

Caio Cavalcanti é alagoano morando e estudando cinema em São Paulo. Apaixonado por música, escrita e cinema, especialmente pelas áreas de História do Cinema e Crítica.


Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Caio Cavalcanti

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