A Bela e os Pássaros é o quinto curta-metragem de Paolo & Marcelo, premiados cineastas paulistas, com estreia marcada para o XII Festival Internacional de Curtas de São Paulo. Sinopse: em um mundo de fábula, uma jovem vive aventuras com personagens fantásticos.
O filme foi feito em película 35mm, preto & branco, sem diálogos, com música “objetiva” catalã, personagens enigmáticos e uma estética purista que resgata a tradição do cinema enquanto cinema. Utilizando técnicas narrativas do início do século e a estrutura poética, normalmente ausente das produções atuais, este curta foi um desafio para seus autores.
A Bela e os Pássaros é a estreia da jovem Raissa Gregori nas telas, formada em teatro pelo Célia Helena e trabalhando atualmente com Antunes Filho no CPT do SESC. O curta é ainda a comemoração dos 50 anos de carreira de Mauro Alice, grande montador da Vera Cruz, de Walter Hugo Khouri, e mais recentemente de Hector Babenco.
No elenco estão também Jairo Ferreira, importante cineasta, crítico e ícone do cinema underground brasileiro desde os anos 60, fazendo o papel do faquir que encontra a Bela na noite da floresta; e Jefferson De, jovem diretor de cinema e criador do movimento Dogma Feijoada, que faz o poeta Cruz e Sousa lapidando os versos em pedras.
A fotografia em preto & branco de Aloysio Raulino, experiente diretor de fotografia e cineasta desde o início da década de 70, é o ponto alto do filme, pois consegue transportar para as telas o tom de fábula, a estrutura de desenho animado e o caráter metafísico da narrativa.
É este encontro de gerações e estilos que faz do trabalho de Paolo & Marcelo uma experiência única no panorama do curta-metragem brasileiro.
Para completar todo este sincretismo criativo, a trilha sonora original do filme foi toda idealizada e criada via e-mail pelo músico catalão Victor Nubla, de Barcelona, autor de mais de 20 CD’s de música do tipo objetiva e várias trilhas sonoras na Europa e nos EUA, estabelecendo um intenso intercâmbio artístico virtual. Vale lembrar que A Bela e os Pássaros ganhou o Prêmio Estímulo para Realização de Curtas Metragens do Governo do Estado de São Paulo de 1999.
A entrevista a seguir foi concedida a Paulo Allegrini em 20 de julho de 2001.
Pergunta:
Como surgiu a idéia de fazer o filme?
Marcelo:
Queríamos fazer um filme diferente e acho que conseguimos.
Paolo:
Apesar de toda a dificuldade que se tem de fazer filmes autorais nesse país, e no mundo, acho que deu para criar uma obra onde pudéssemos refletir nossa maneira de ver o mundo. Essa foi à idéia principal.
Pergunta:
Quem é a Bela?
Marcelo:
Ela é um reflexo de nossos ideais.
Paolo:
A Bela não é ninguém e todos nós. Ela encarna o espírito nietzschiano do filme, que é o de ser uma obra para todos e para nenhum.
Pergunta:
Como explicar o descaso narrativo, a falta de diálogos ou mesmo a estrutura misteriosa deste trabalho?
Marcelo:
O cinema já completou cem anos, já é hora de esquecer estas questões.
Paolo:
Não vejo razão para explicação, mas se você insistir posso tentar explicar.
Pergunta:
Eu insisto. Como explicar tudo isso?
Paolo:
É muito simples. O erro é achar que o cinema se limita apenas ao modo representativo. Na nossa opinião ele escapa a todo o momento desse modo. Ele pode criar. Em cem anos ele já criou um tipo de ritmo e linguagem, pode ir além, e é graças a esse ritmo e linguagem, que o cinema pode extrair de si mesmo uma nova força que, desleixando a lógica dos fatos e a realidade dos objetos, engendra uma seqüência de visões desconhecidas, inconcebíveis fora da aliança entre a lente e a película. Acho que “A Bela e os Pássaros” é um curta intrínseco, se você quiser, ou então, um filme puro, pois está separado de outros elementos, dramáticos ou documentários, e acredito que é isto que oferece o campo próprio à imaginação cinematográfica.
Marcelo:
Concordo com o Paolo. Olha, muitos dizem que a gente não faz cinema. É um erro.
Pergunta:
Como assim, “não fazem cinema” ?
Marcelo:
Fazemos. Mas não nos padrões e conceitos estandardizados.
Paolo:
O que o Marcelo quer dizer é que as pessoas se prendem muito a um padrão de fazer filmes que estabelece uma conexão do cinema com a tradição literária, e não é esse sistema que nós queremos perpetuar. Nossa ambição é fazer um cinema isento da lógica cartesiana.
Pergunta:
Mas vocês não acham que um filme é feito para ser entendido?
Marcelo:
Com certeza.
Paolo:
Essa questão tem muito a ver com lingüística. No cinema você tem um conjunto de elementos, que são os planos, imagens, cenário, etc, e uma sintaxe, que é composta pela montagem, pela narrativa e pela finalização. Os dois juntos, elementos e sintaxe, compõem o código lingüístico que faz com que uma coisa seja entendida pelo decodificador, ou espectador. No momento em que nós, emissores, quebramos um dos pólos, ou os dois, desse código, a comunicação se torna truncada, impossível às vezes, pois não usamos o mesmo código ao qual o destinatário está acostumado usar.
Marcelo:
É isso aí. Este tipo de sintaxe atrapalha o público acostumado aos códigos griffithianos.
Pergunta:
Portanto, vocês não ligam para o público?
Paolo:
Pelo contrário. O que me atrai mais especificamente no cinema é poder transportar o espectador, pela visão e pelos outros sentidos, em qualquer direção do espaço ou do tempo, e acho que isso é minha contribuição para com “A Bela”.
Marcelo:
Amo o público e adoro fazer cinema. O Amor nunca esteve ausente de nossos filmes.
Pergunta:
“A Bela e os Pássaros” vai fazer sucesso?
Paolo:
Talvez, se conseguirmos vencer a indiferença. As pessoas têm a tendência de jogar aquilo que não entendem, ou não gostam, na vala comum da indiferença, e isso acaba com qualquer filme, não só o nosso.
Marcelo:
Não se esqueça, o sucesso arruinou Rock Hunter.
Pergunta:
Vocês acham que fazem um cinema revolucionário?
Paolo:
Não sou um revolucionário, nem acredito nas revoluções. Muitas vezes elas só nos fazem voltar para trás. Prefiro acreditar nas “evoluções”, em frente. Sou pelo simples, bonito, bom e barato. A simplificação deve transformar a idéia em símbolo.
Marcelo:
A revolução está dentro de nós. Fui atraído pelo cinema, sobretudo pela necessidade de contar a história de homens vivos, homens vivendo nas coisas e não as coisas em si mesmas. Se isso é fazer cinema revolucionário, então posso concordar com você.
Pergunta:
Para terminar, o que é o cinema para vocês?
Paolo:
É a vida.
Marcelo:
…..
–
FICHA TÉCNICA:
Título: A Bela e os Pássaros
Bitola: 35 mm
Duração: 8 minutos
Ano de produção: 2001
Som: Dolby Digital
Elenco
Raíssa Gregori (Bela)
Edu Guimarães (Guardião)
Ronaldo Michelotto (Empresário)
Jefferson De (Cruz e Sousa)
Jairo Ferreira (Faquir)
Guilherme Kwasinski (Fauno)
Equipe
Marcelo & Paolo (Direção)
Aloysio Raulino (Fotografia e câmera)
Mauro Alice (Montagem)
Victor Nubla (Trilha sonora original)
Ivana Michelazzo (Direção de produção)
Marcos Nasci (Figurinos)
Luis Carlos Soares (Produção executiva)
Paolo Gregori, Marcelo Toledo, Murillo Mathias (Roteiro)
Produtora
Bambu Filmes
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