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Por Uns Minutos a Mais | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Por Uns Minutos a Mais | 34º Festival Internacional de Curtas Kinoforum

Por Fabrício Laghetto

 

Na 34° edição do Festival Internacional de Curtas de SP - Kinoforum, a mostra “Por Uns Minutos a Mais” traz ao público uma seleção de quatro curtas brasileiros, na qual a qualidade e o impacto de seu conteúdo revela a necessidade de se abrir uma exceção para o tempo limite de 25 minutos do festival.

 

Por Uns Minutos a Mais” apresenta ao público uma seleção inusitada de curtas cujo parâmetro de 25 minutos do festival não foi aplicado por conta de sua excepcionalidade. O fato de estes curtas extrapolarem os 25 minutos não é a única característica que os une. Os quatro filmes desta mostra exploram métodos completamente diferentes de como se construir um relato no cinema. O relato é um dos meios mais antigos de transmitir informações que nós temos, passado de geração em geração. Isso lhe torna uma ferramenta cuja necessidade se sobrepõe à limitação de tempo, transcendendo tudo e se transformando em culturas. Nosso contador de histórias dispõe de inúmeras metodologias para preservá-los no cinema.


Nada mais justo do que começar a análise com o filme da diretora estreante, Esther Vital.“Cadê Heleny?” (2022) fala sobre o desaparecimento da militante Heleny Guariba durante a ditadura militar brasileira. Os relatos dos amigos e companheiros de Heleny traçam a linha de costura entre a sua história no movimento militante, unidos por técnicas de stop-motion. São aqui usados materiais e tecidos utilizados nas arpilleras, imagens típicas feitas por costureiras que se manifestavam contra a ditadura de Pinochet no Chile.

 

(Cadê Heleny?, Esther Vital)

 

O artesanato na técnica do curta é, por si só, ferramenta de resistência, reconstruindo a memória com retalhos do passado, espalhados pela imensidão de uma época em que a destruição de arquivos servia como gasolina, alimentando a chama que consumia a esperança militante que sonhava por um país melhor.

O terror da perseguição, para Esther, é um rompimento visual no mundo de Heleny, que se mantém colorido e vibrante até o momento de sua captura pelos militares, em que predomina a iluminação vermelha impiedosa em um pequeno cenário basculante. Após o primeiro contato com a violência física dos militares, os cenários de retalhos não possuem mais as cores de antes, se encontrando agora em preto e branco, e a violência física passa a penetrar na densidade psicológica de Heleny.

 

As cores das arpilleras retornam apenas ao final do curta. A memória da luta de Heleny sobrevive através dos corações daqueles que ainda possuem a esperança de um mundo melhor, resistindo para que o futuro não seja retalhado como o passado foi.

 

No próximo curta, os retalhos de tecido e a narração oral de Esther são substituídos pelos restos de imagens históricas, puramente visuais, por Carlos Adriano, em seu filme “O Materialismo Histórico da Flecha Contra o Relógio” (2023). Em sua essência, a ideia é expor a opressão dos povos indígenas desde a invasão do Brasil. Mas como fazer isso de um modo que realmente compreenda a magnitude histórica dessa violação? O diretor utiliza um truque: o truque do cinema.

 

O início do curta fala sobre um autômato enxadrista, que vencia os jogadores de xadrez mais geniais que encontrava. O autómato não passava de um mero truque lúdico, pois havia um mestre do xadrez escondido em suas entranhas. Entretanto, Carlos Adriano não pretende encobrir uma farsa com o seu truque, mas sim revelá-la ao público. Ao mostrar uma imagem de indígenas atirando contra um relógio comemorativo dos 500 anos de “descobrimento” do Brasil, fica clara a denúncia de um problema brasileiro. Esse tiro de flecha atinge proporções maiores ao ser comparado com as imagens de uma revolução parisiense na qual seus soldados também atiraram contra o relógio que simbolizava uma marca importante de seu opressor. Esse contraste é apoiado sobre o discurso de Walter Benjamin, no qual o palco de conflito entre os homens é o tempo e sua relação com a matéria (como a Revolução Industrial, por exemplo).

 

Os retalhos das imagens que se deformam em círculos, imitando relógios, e o bombardeio de informações que reforçam os significados das anteriores nos mostra uma forma de se abstrair o relato de um evento através do sentido da visão. Se a história do mundo é o conflito de classes e matéria, que seja esse relato um conflito de registros materiais que alcançam a perspicácia do espectador de forma crítica, sem nenhum segredo a esconder por trás da ilusão de Hollywood.

 

Essa ilusão que simular o real provoca também é quebrada no relato dos irmãos André Novais Oliveira e Renato Novais em seu curta “Nossa Mãe Era Atriz” (2023), sobre a carreira de sua mãe Maria José Novais Oliveira como atriz de cinema aos seus 60 anos de idade. A vida de uma mulher exemplar rodeada de aparatos de cinema como câmeras e microfones.

 

 (Nossa Mãe Era Atriz, André Novais Oliveira e Renato Novais)

 

Mas essa mistura que vaga entre o real e o imaginário é feita em uma dança lenta de imagens. Imagens retiradas dos filmes em que Maria atua, e imagens de sua vida em uma proximidade tão íntima que parte delas foram captadas pela própria atriz.

 

Não há pressa para se experimentar a forma única como essa grande artista, que começou a sua carreira aos 60 anos, observa a realidade e a transforma em arte na ficção. Este processo não poderia ficar mais claro na cena final, momento que nos despedimos da falecida atriz em uma dança lenta e absolutamente linda. 


Se o relato histórico no cinema pode ser alcançado através de fragmentos de tecidos e vestígios de imagens do presente e do passado, ele pode também ser filmado através de um olhar persistente sobre a realidade contemporânea. Quem aqui explora esse tipo de relato é o diretor Beto Brant, com seu mais recente curta: ”Gado Novo” (2023).

 

Mas essa mistura que vaga entre o real e o imaginário é feita em uma dança lenta de imagens. Imagens retiradas dos filmes em que Maria atua, e imagens de sua vida em uma proximidade tão íntima que parte delas foram captadas pela própria atriz.

 

(Gado Novo, Beto Brant)

 

Não há pressa para se experimentar a forma única como essa grande artista, que começou a sua carreira aos 60 anos, observa a realidade e a transforma em arte na ficção. Este processo não poderia ficar mais claro na cena final, momento que nos despedimos da falecida atriz em uma dança lenta e absolutamente linda. 


Se o relato histórico no cinema pode ser alcançado através de fragmentos de tecidos e vestígios de imagens do presente e do passado, ele pode também ser filmado através de um olhar persistente sobre a realidade contemporânea. Quem aqui explora esse tipo de relato é o diretor Beto Brant, com seu mais recente curta: ”Gado Novo” (2023).

 

No filme, a vida agropecuária do Brasil contemporâneo habita pequenas fazendas do interior do Mato Grosso do Sul. De fazenda em fazenda, o jovem nômade, o pequeno toque de ficção de Beto Brant, caminha em busca de um copo d’água para se refrescar do calor extremo.

 

A imagem clássica de um boiadeiro guiando o gado em seu cavalo imponente é substituída pela imagem do boiadeiro cercando seu gado montado em uma motocicleta. O antigo cavaleiro do folclore brasileiro em cima de seu cavalo motorizado moderno. 

 

Esse pequeno agropecuário, mesmo  munido de novas tecnologias, ainda lida com a era das máquinas enferrujadas e manuais, enquanto seu impasse com o antigo e o novo mundo provoca modificações severas na natureza. 

 

O olhar nessa realidade é calmo e atento, não fugindo aos maneirismos de um documentário de observação, com poucos cortes. Beto busca reter o máximo possível de um estilo de vida, dando o espaço para os relatos dos fazendeiros, se infiltrando nessa realidade através da personagem fictícia em busca de água. 

 

Revela-se, ao final do curta, que a água que o andarilho tanto procura não é suficiente, pois um incêndio o persegue, devorando a mata atrás de si. Beto nos deixa um aviso: o ser humano deve solucionar o seu conflito com a tecnologia, senão marcará a natureza inteira com a marca de ferro quente que costumava usar em seu gado. 


“Por Uns Minutos a Mais” se destaca no festival Kinoforum não apenas por permitir que filmes ligeiramente mais longos sejam prestigiados, mas também por demonstrar ao público que a pulsão de se relatar a realidade, da forma mais diversa e versátil possível, não pode ser comprimida em uma proporção exata de 25 minutos. Ela deve ser libertadora em todas as suas formas e capacidades. Nunca há alguns minutos a mais que não possam ser adicionados a uma boa cantiga.

 

 

Biografia

Fabrício Laghetto é estudante de Cinema na FAAP, onde realizou um curta-metragem como diretor e roteirista, dois curtas como fotógrafo e quatro curtas como montador. Trabalhou como assistente de pós-produção na Clube Filmes e atualmente procura aprofundar cada vez mais seu conhecimento sobre cinema.

 

 

A cobertura do 34ª Festival Internacional de Curtas de São Paulo - Curta Kinoforum faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos à Atti Comunicação e Ideias e a toda a equipe da Associação Cultural Kinoforum por todo o apoio na cobertura do evento. 

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta, Apoio de produção e Transcrição das entrevistas: Rayane Lima