logo mnemocine

wood.png

           facebookm   b contato  

Máscara de Ferro (2023, Kim Sung-Hwan) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Máscara de Ferro (2023, Kim Sung-Hwan) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Por Marcos Kenji

 

Por questões melhor explicadas pela geopolítica mundial, a indústria cinematográfica sul-coreana tem uma produção amplamente influenciada pelos norte-americanos. O gênero do drama esportivo, para Hollywood, é um formato vantajoso para inserir o sonho americano, com o discurso de que “quando se trabalha, é possível subir na vida”. Só em 2023, essa noção já gerou alguns filmes de relevância, dentre eles Creed III (2023, Michael B. Jordan) e Gran Turismo (2023, Neill Blomkamp). Máscara de Ferro, no entanto, prova como os sul-coreanos superam, à sua maneira, os americanos, utilizando referências da própria cultura.

 

Kendo é um esporte japonês que, semelhante à esgrima, coloca dois oponentes para lutar com espadas de madeira. De maneira semelhante, Máscara de Ferro trata de um conflito similar: Kim Jae-Woo (o protagonista) contra Hwang Tae-Soo (o antagonista), que foi responsável pela morte acidental do irmão do personagem principal. Os dois personagens ingressam na mesma triagem por vagas no time de Kendo, que irá representar a Coréia em um campeonato internacional.

 

Em questão de enredo, Máscara de Ferro não é muito original: parece uma mistura do conflito de irmãos de Creed III com a competição de Gran Turismo. E essa influência pode, em um primeiro momento, soar como destrutiva. Todavia, mais do que a competição em si, o mais importante é o ódio que Kim Jae-Woo sente por Hwang Tae-Soo.

 

Em concordância com essa influência dos americanos, “Máscara de Ferro” é centralizado no ponto de vista do protagonista, que é obrigado a defender-se com essa grade diante de seu rosto. O filme se inicia, em sonho, com um plano subjetivo, de um combate com um inimigo sem rosto. Por conseguinte, já a partir dessa cena, fica claro que o esporte, Kendo, é a força dramática do filme. Este representa as formas, os meios e as consequências das ações dos personagens. Seja por um pulso tremendo ou um golpe mais pesado, a emoção dos gestos revela quem são essas pessoas.

 

Mais que Creed III e Gran Turismo, Máscara de Ferro tem compatibilidade formal com O Grande Mestre (2013, Wong Kar-Wai), já que as lutas não são sobre a reconstituição realista, mas sim sobre movimentos. Em questão de decupagem, os movimentos são interrompidos por inserts das reações físicas dos personagens - por exemplo, um plano da garganta se contraindo ou um pé girando.

 

Tudo isso, claro, encaminha-se a uma luta final que resolve o conflito entre os dois. No entanto, enquanto outros filmes exploram o espetáculo desse momento climático, em Máscara de Ferro um simples fade faz com que os outros personagens sumam e o conflito fundamental começa a sua resolução.

 

Pode até ser um clichê do gênero, mas mais que um conflito de lados, o filme é sobre uma luta contra si mesmo. Uma marca visual marcante nele é a dicotomia entre o preto e o branco: o preto representa o uniforme comum dos competidores e o branco é o destaque para o melhor lutador, que Tae-Soo usa durante quase todo o filme. O arco narrativo do Jae-Woo perpassa essas duas cores - porém, ao invés de ser colocado como um sucesso mediado por dinheiro, trata-se de uma superação espiritual, baseada no perdão. Assim como em O Grande Mestre, lutar é uma maneira de encontrar a paz. Não é à toa que a meditação é colocada como uma maneira de atenuar o temperamento de Jae-Woo.

 

Em retrospecto, Máscara de Ferro não é um drama esportivo qualquer, mas representa um conflito espiritual mediado por uma arte marcial japonesa com uma solução que envolve a influência do Budismo. O que resta da influência americana se restringe à estruturação inerente ao gênero. Por conseguinte, a virtude do filme é sua visão de que a arte marcial está mais próxima da religião do que da guerra. O esporte não é uma técnica de ferir o outro, mas sim uma maneira de tratar as chagas do espírito.

 


Biografia:

Marcos Kenji é graduado em Cinema pela FAAP, onde realizou 4 curtas-metragens nas áreas de som, arte e assistência de direção. No momento, está se especializando na técnica de som, com o objetivo de atuar na área e escrever com autoridade sobre o assunto. É colaborador da Mnemocine, com um texto publicado na revista e fez parte da cobertura do Kinoforum em 2023.

 

A cobertura do 47º Mostra Internacional de Cinema São Paulo faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos a toda a equipe da Assessoria da Mostra por todo o apoio na cobertura do evento.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Rayane Lima