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Presente de Deus (2022, Asel Zhuraeva) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Presente de Deus (2022, Asel Zhuraeva) |  47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Por Marcos Kenji

 

“Presente de Deus” parte de convicções. É um filme que põe uma clara associação entre Deus e a formação do núcleo familiar, independente da idade. O que é surpreendente é como esse é tema posto: com um movimento que parte da mortalidade à vida, como um propósito divino. 

 

Os primeiros planos do filme são frios, longos e distantes, esses colocam como praticamente certa a morte de um homem e sua esposa. Esses enquadramentos condenam o casal a ficar enfurnado dentro de casa. Surpreende, contudo, que essa realidade é logo subvertida: durante a noite, com alguma força que lhe resta, o homem se levanta e faz uma caminhada. A câmera permite, com um plano aberto inédito, que o velho caminhe com liberdade por sua propriedade. Enquanto o homem se exercita, uma mulher deixa seu bebê no batente da porta do casal. Ao voltar, o senhor  se assusta com o choro da criança. Por consequência, o conflito principal do filme surge: por não terem tido filhos, o casal decide adotar a criança como deles. Por serem considerados inaptos, pela idade, a criar essa criança, surge uma controvérsia na cidade: existem aqueles que apoiam a decisão do casal e aqueles que querem tirar a criança deles, entre os quais assistentes sociais e um casal de jovens, interessado em adotar.

 

A realidade é que o bebê muda a vida do casal, e diante disso o filme se renova enquanto forma para acomodar o novo conflito. A decupagem passa a permitir que os personagens explorem novos espaços da cidade - o domicílio não é mais um limite. Além disso, a idade também não é mais um problema, e os dois devotam a vida ao bebê (talvez até mais do que um jovem casal poderia). Os idosos recebem a criança como um literal presente de Deus, um sopro de vida. Não importa aqui o melodrama da possiblidade de tomada do bebê, mas sim como, formalmente, o pequeno muda toda a dinâmica e encenação do filme.

 

Mesmo sem uma estilização sacramental mais direta, “Presente de Deus” parece extrair, de textos sagrados, uma história muito semelhante à de Abraão e Sara, na qual o casal, já idoso, é abençoado com um filho. Essa conexão com o sagrado não é por acaso, e o Islamismo em especial permeia a encenação do filme, inclusive com uma cena longa de uma benção feita à criança. Fica muito claro que a cada ação dos personagens e a cada palavra proferida há um pretexto religioso.

 

Desta maneira, o que verdadeiramente ressoa em Presente de Deus é essa forte conexão espiritual entre o casal de idosos e a criança. A cada nova cena dos dois cuidando do pequeno, mais se convence de que o bebê não poderia ter sido deixado em porta melhor. Absolutamente tudo na forma, desde o brilho nos olhos dos atores até a afetuosa encenação, expressa um amor em espírito, que é de fácil identificação. Em comparação aos filmes ocidentais, Presente de Deus se contenta em explorar, quase que exclusivamente, essa belíssima paixão. Não há melodrama que melhor expresse o amor de pais e filhos.

 

Biografia:

Marcos Kenji é graduado em Cinema pela FAAP, onde realizou 4 curtas-metragens nas áreas de som, arte e assistência de direção. No momento, está se especializando na técnica de som, com o objetivo de atuar na área e escrever com autoridade sobre o assunto. É colaborador da Mnemocine, com um texto publicado na revista e fez parte da cobertura do Kinoforum em 2023.

 

A cobertura do 47º Mostra Internacional de Cinema São Paulo faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos a toda a equipe da Assessoria da Mostra por todo o apoio na cobertura do evento.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Rayane Lima