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Folhas de Outono (Aki Kaurismäki, 2023) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Folhas de Outono (Aki Kaurismäki, 2023) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

por Henrique Guimarães

 

É possível introduzir Folhas de Outono, de Aki Kaurismäki, de várias maneiras, mas o  primeiro contato com o filme sugere um estranhamento diante da história de Ansa e Hollapa, seus protagonistas. Os calendários marcam o futuro ano de 2024, mas os rádios trazem notícias sobre a contemporânea Guerra da Ucrânia. Já os celulares e as roupas não são atuais, assim como as fontes de luz e os filmes exibidos no cinema Ritz, frequentado por personagens que parecem sempre estar descobrindo algo novo – ou melhor, se conectando a sentimentos primários que lhes foram tirados pelo welfare state finlandês.

 

São revelações entremeadas por elementos anacrônicos; como se os olhares, destacados pela decupagem de Kaurismäki, aqueles responsáveis pelos contatos, inícios e silêncios, não pertencessem a nenhum tempo, senão o deles mesmos. E, assim, a reencenação do diretor manifesta as pequenas sutilezas do cotidiano da classe trabalhadora, que urge por esses momentos de frescor. É uma ida no karaokê, uma conversa depois do cinema, um convite para jantar, o encontro com um cachorro. 

 

Trata-se de uma reencenação não apenas porque o cinema já nos apresentou outras vezes essa história de um casal que se encontra por acaso e passa o filme tentando se unir, mas também porque Kaurismäki reencena seu próprio cinema. Desde os anos 80, o cineasta está filmando trabalhadores e suas rotinas, de modo que todos os seus filmes precisam escapar — seja de um sistema, estrutura, país, trabalho, de uma vida passada, de pequenas a grandes situações — para acontecer, mas também acontecem antes da libertação. E o que se desenvolve nesse meio, nesse anseio pelo desfecho, já é por si só a representação do todo.

 

Com Folhas de Outono, não é diferente: ainda parece que o fotógrafo de Kaurismaki é o pintor Edward Hopper, pelo modo como as cores são dispostas e as luzes entram nos espaços. A música ainda é, também, um grande suspiro, e até alguns planos são parecidos com suas obras anteriores como Sombras no Paraíso (1986) e A Mocinha da Fábrica de Fósforos (1990). Mais que isso, os personagens seguem agindo com um certo medo, como se tudo que vivenciassem fosse inédito; sentir, amar e cuidar são palavras que só passaram a existir para Ansa e Hollapa quando seus olhos inesperadamente se cruzaram em mais uma noite de karaokê. Talvez, por terem dedicado tanto tempo para garantir o mínimo necessário à sobrevivência, agora comprar um buquê ou usar um casaco novo é o que há de mais importante a ser feito.  

 

São ações quase infantis, no melhor sentido da palavra, de uma suavidade que só pode ser atingida pela direção melodramática de Kaurismäki, que reencena, mas o faz como se estivesse se apaixonando pela primeira vez. O diretor não nos deixa esquecer que o mundo é, de fato, o lugar cruel e desumano que mostram as notícias da guerra em 2024, mas nem por isso Kaurismaki deixa de buscar a liberdade e a pureza dos encontros primários. 

 

No momento em que Hollapa sai do que poderia ser seu momento derradeiro e vê Ansa e o cão de nome Chaplin o aguardando, tanto os personagens quanto Kaurismäki e seus espectadores percebem que estão no mundo por uma vida que merece ser experimentada – ou que pelo menos o cinema pode ser esse lugar de inícios e reinícios, em que se perdem endereços, memórias e lágrimas, para que sejam encontrados lares, lembranças, e risadas.

 

 

BIOGRAFIA:

Henrique Guimarães é estudante, crítico e pesquisador de cinema, curioso pelas possibilidades que as imagens podem oferecer. Realiza curtas universitários e independentes, escreve para diversos portais.

 

A cobertura do 47º Mostra Internacional de Cinema São Paulo faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos a toda a equipe da Assessoria da Mostra por todo o apoio na cobertura do evento.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Rayane Lima