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Paraíso em Chamas (2023, Mika Gustafson) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Paraíso em Chamas (2023, Mika Gustafson)  | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Por Giuli Gobbato

 

Irmandade e união feminina vão além de conexões de sangue. E, no mundo patriarcal de hoje, discutir a independência feminina no cinema segue indispensável, ainda mais quando se trata da juventude — uma tendência em diversos campos culturais, como evidente pela popularidade de grandes mulheres da indústria da música como Taylor Swift, que sempre reiteram a importância da força feminina. No longa sueco Paraíso em Chamas (2023), Mika Gustafson nos convida a testemunhar estes fortes laços de forma quase imersiva, nunca julgando as mulheres com as quais nos deparamos, seja como vilãs, seja como vítimas.

 

A diretora e roteirista do filme levou, no Festival de Veneza deste ano, o prêmio de Melhor Direção da Mostra Orizzonti, além da honraria destinada pelo festival aos melhores diretores abaixo de quarenta anos. E esse destaque à jovialidade, de certa forma, ecoa o discurso principal do filme: não duvidar da força de crianças, principalmente de meninas. Na trama, três irmãs vivem sozinhas após o abandono da mãe, com a ajuda de si mesmas e de outras mulheres ao seu redor. Ainda que incompleto, este espaço seguro é posto à prova quando o Conselho Tutelar exige da irmã mais velha uma reunião com a mãe; a partir deste momento, a angústia toma conta da garota, que não conta para as mais novas o risco que as três correm, em seu paraíso particular.

 

Em momento algum, a mãe ausente é culpabilizada, na medida em que a irmã mais velha só quer encontrar alguém para substituí-la formalmente durante a reunião. E é com grande alívio ver as meninas seguindo em frente, com força própria, apesar da falta de uma figura de autoridade. Isso evidencia a particularidade de um olhar feminino, por parte da diretora, que demonstra a força das mulheres para além de suas fraquezas, e reconhece a importância de laços não familiares. Paraíso em chamas compartilha o tom com filmes sobre found family, normalmente relacionados a minorias, que tratam sobre a união entre semelhantes que passam pelos mesmos problemas. 

 

 

O filme se divide entre um coming-of-age e um ensaio. Nunca são feitas declarações absolutas e sempre é deixado espaço para nós, o público, preenchermos as lacunas com nossas próprias experiências. A forma aberta permitida pelo gênero ensaístico escapa às regras: não é possível traçar uma progressão da linguagem. A angústia da irmã mais velha cresce conosco, através da montagem frenética, entre planos sem muito contraste, que distorcem nossa percepção temporal. O contraponto criado pela diretora, entre momentos com tensão e planos mais longos e abertos do “paraíso”, contemplativos, estende os momentos de calmaria e nos traz para dentro daquele lugar, junto das meninas.

 

O aspecto ensaístico aproxima o filme da linguagem mais espontânea e livre de alguns dramas recentes do cinema europeu independente, em sua maioria com protagonistas jovens, como Aftersun (2022, Charlotte Wells) e Close (2022, Lukas Dhont). Paraíso em Chamas sabe exatamente o espaço em que se encontra e consegue explorar questões femininas a partir de um ponto de vista mais íntimo, emocional. Seu diferencial é essa leveza, a calma e o respeito com suas personagens, na medida em que não vitimiza, tampouco enfraquece as mulheres em tela. O filme apenas lhes dá o espaço para que possam se expressar, pedir atenção e dizer, com muita calma: “não precisamos de ninguém além de nós mesmas, estamos bem, obrigada”. 

 

 

Biografia:

Giuli Gobbato é cineasta, comunicadora audiovisual e escritora. Formada em Cinema pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), sempre explorou o som de todas as formas, inclusive na música. Foi montadora e diretora de som em diversos curta-metragens, além de dirigir e roteirizar dois curtas independentes. Atualmente pesquisa a acessibilidade na comunicação.

 

A cobertura do 47º Mostra Internacional de Cinema São Paulo faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos a toda a equipe da Assessoria da Mostra por todo o apoio na cobertura do evento.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino, Fernando Oikawa e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Rayane Lima