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Fotofobia (2023, Ivan Ostrochovský e Pavol Pekarcik) | 47° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Fotofobia (2023, Ivan Ostrochovský e Pavol Pekarcik) | 47° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Por Pasquale Vincenzo Galatro

 

Diante do caos, a linha entre o real e a fantasia pode ser muito tênue. Na esperança de fugir da realidade, o humano é capaz de se ver dançando ao som da valsa da destruição. Em matéria de guerra, um manual, um livro de regras ou um guia de instruções talvez não sejam as únicas coisas a que as pessoas recorram para continuarem vivas. Afinal, quando nossa sobrevivência é ameaçada, recorrer ao lúdico torna-se uma forma possível de praticar a nossa humanidade. 

 

É assim que, ao som de bombas, choros e lamúrias de uma guerra que se alastra há quase um ano e meio na Ucrânia, nasce uma amizade entre as crianças Nikita e Vika. Juntas, elas brincam, riem e imaginam um mundo bem diferente dos quais se encontram em um abrigo de guerra em Kharkiv. E é justamente deste ambiente subterrâneo, onde quase não há luz natural, muito menos acesso à superfície, que se dá o nome do filme: Fotofobia. E o que é a fotofobia? Nada mais do que pessoas com sensibilidade extrema à luz e que não conseguem olhar diretamente para a claridade. No filme, os personagens são privados da superfície, já que estão em um abrigo subterrâneo — ou seja, não podem ser expostos à luz natural. E, mesmo sendo da vontade de Nikita e Vika, eles não podem se dar a esse luxo, por conta da existência de uma guerra a apenas alguns metros acima deles.

 

O que surpreende e destaca esta peça audiovisual de outros “war movies” é a forma como Ivan Ostrochovský e Pavol Pekarcik conduzem sua narrativa de ficção. Ao mesmo tempo em que há um flerte com a estética do documentário, mostrando as pessoas no abrigo enquanto lamentam a morte de seus parentes e contam sobre suas perdas, há um outro universo onde, de fato, há a ficção: um cotidiano que se instaura diante da tragédia. Um idoso cantando suas aventuras românticas no violão, Nikita e Vika brincando no TikTok e correndo pelos trilhos da estação abandonada e dos sobreviventes cuidando de seus bichinhos de estimação: todas estas cenas mostram esta nova vida. O uso da estética documental, mesmo se tratando de uma ficção, pode revelar algo ainda mais profundo para o espectador: o personagem principal é o abrigo, e a guerra em si junto com a história das crianças são os fios condutores para esta narrativa. 

 

O que é esse abrigo de guerra, senão o resíduo de uma humanidade que ainda sobrou, uma dignidade que ainda não foi destroçada pelos mísseis ou tanques? Para retratar esta situação, Ostrochovskýe Pekarciktrazem empregam o mais alto nível de hiper-realismo, uma vez que o filme foi feito no abrigo de Kharkiv durante a guerra, mas o justapõe a uma ficção lúdica, algo que lembra a mesma estratégia utilizada no filme Cafarnaum (2018), de Nadine Labaki, também exibido na Mostra naquele ano.

 

 

A contida movimentação de câmera e os ângulos abertos reiteram este universo que ainda existe, ou melhor, subsiste. Quando a câmera está parada em plano aberto, é possível ver pessoas rindo, correndo, cuidando de seus animais ou pegando mantimentos: ou seja, revelando que, mesmo metros abaixo de uma carnificina, ainda existe uma vida sendo vivida. Em poucas palavras, a estética documental está nos planos abertos. Porém, não é por isso que o filme deixa de contrastar, através dos planos fechados de Nikita e Vika, a relação onde a ficção é tecida. 

 

Fotofobia é um retrato em 360º de uma guerra que não possui um, mas sim diversos ângulos. Da perda e da tristeza em meio a guerra, surge uma forma possível das pessoas tentarem sorrir e persistir — mesmo que falhem, às vezes —, em viver outra realidade; de tentar, por mais difícil que seja, realizar a dura tarefa de ser um humano na guerra, com todo sentimento do mundo.

 

 

Biografia:

Pasquale Vincenzo Galatro é formado em cinema pela FAAP, onde dirigiu e roteirizou curtas-metragens que ocuparam festivais como Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, UFA Youth Film Festival, Prêmio ABC, entre outros. Hoje atua como roteirista e redator publicitário.

 

A cobertura do 47º Mostra Internacional de Cinema São Paulo faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos a toda a equipe da Assessoria da Mostra por todo o apoio na cobertura do evento.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino, Fernando Oikawa e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Rayane Lima