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A Longa Viagem do Ônibus Amarelo (2023, Júlio Bressane) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

A Longa Viagem do Ônibus Amarelo (2023, Júlio Bressane) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Por Fabrício Laghetto

 

No dia 19 de outubro de 2023, o cineasta Júlio Bressane comparece à exibição de seu mais novo longa-metragem, de 7 horas de extensão, na 47° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Com o microfone em mãos, Bressane expressa seus agradecimentos àqueles que estão presentes na sala, por aceitarem participar de uma jornada heroica de aproximadamente 420 minutos de duração. Uma obra de intimidade tão singular quanto a experiência de se vislumbrá-la. 

 

Misturando imagens particulares feitas pelo cineasta em seu cotidiano e de imagens de seus filmes, Bressane amplifica as definições de sua linguagem cinematográfica ao penetrar sua própria vida nas entranhas do coeficiente cinematográfico. 

 

As obras cinematográficas possuem o objetivo comum de transformar o tempo em um conceito cada vez mais abstrato e ilusório: é para isso que existe o apagar das luzes da sala, o acender do projetor e o cortar entre diferentes planos. Portanto, em tempo de experiência cinematográfica, não é possível medir o novo filme de Bressane. Não é possível estabelecer o mesmo rigor analítico aplicado a exemplares de narrativa clássica; ele não respeita e não se submete a uma temporalidade determinada. É possível apenas debater sobre as impressões deixadas pelo caminho nessa longa viagem. 

 

A inquietude do estilo cinematográfico de Júlio Bressane é essencial para a análise. Os primeiros minutos do filme são de completo silêncio, apenas de imagens de suas viagens na Europa. No silêncio da sala de cinema, Bressane solta como um suspiro: “Este mundo não existe mais”. No momento que o som se faz presente, o cineasta apresenta um de seus aspectos mais marcantes, a música dissonante à imagem, trilha sonora em uma valsa de caos com o que se vê na tela. A performance de imagens assume ritmos e depois muda suas próprias regras. Em um momento ele nos mostra suas filmagens caseiras feitas no Egito com a sua família, em montagem descontínua e de ritmo anárquico; em outra passagem, mostra segredos dos bastidores de seus filmes ― com destaque para o diálogo entre Luís Fernando Guimarães e Maria Gladys no filme Brás Cubas (1985), no qual a atriz reclama da descontinuidade de sua calcinha moderna em um filme de época, gritando para Luís Fernando “me come assim mesmo, sem levantar a saia”.  Em outro fragmento, temos as cenas de seus filmes finalizados, como as perambulanças farsescas do Estrangulador de Loiras interpretado por Guará “Memórias de um Estrangulador de Loiras” (1971). Isso cria uma cadeia de imagens embriagantes, ora as relacionando tematicamente através do sexo, das sombras, das luzes e desejos reprimidos, ora desfazendo-as em puro ar.

Bressane leva o cinema a todos os seus limites sensoriais, mas nunca deixa de demonstrar ao público que tudo não passa de manipulação. O melhor exemplo dessa farsa é uma cena em que a câmera flutua debaixo de um viaduto, rodopiando, sem adotar uma movimentação organizada, e observando ruas e prédios de uma cidade em movimento. Ao final dessa cena, a câmera olha para cima, exibindo os manipuladores da câmera segurando as cordas em cima do viaduto, transparecendo  a verdade sobre a pantomima do cinema ― um teatro de bonecos. 

 

Mas é justamente nessa mentira que Bressane encontra uma bela singularidade. Por volta da metade do filme, ele posiciona um plano de amor verdadeiro. Não é possível descrever esse plano em específico, pois uma leitura pragmática consistiria em dizer que é apenas Bressane filmando sua esposa. Mas devido à conjuntura do que foi assistido até então, esse plano se torna a mais pura representação de paixão que um cineasta poderia proporcionar. Naquele momento, Bressane torna com as palavras “eu te amo”, ditas por sua câmera em forma de imagem, a mentira mais convincente já dita por um cineasta ao cinema. 

 

Aqueles  que se atrevem a escalar essa montanha são assim presenteados com imagens de um cinema puro e humano, em um período de tempo onde horas se desmancham em um fluxo de tempo para além da memória. Um vislumbre das belezas que são encontradas em uma sala escura e infinita. É necessário se entorpecer de imagens singulares, imagens de um homem guiado por um sonho, para acreditar que o amor é possível na arte.

 

Biografia:

Fabrício Laghetto é estudante de Cinema na FAAP, onde realizou um curta-metragem como diretor e roteirista, dois curtas como fotógrafo e quatro curtas como montador. Trabalhou como assistente de pós-produção na Clube Filmes e atualmente procura aprofundar cada vez mais seu conhecimento sobre cinema.

 

A cobertura do 47º Mostra Internacional de Cinema São Paulo faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos a toda a equipe da Assessoria da Mostra por todo o apoio na cobertura do evento.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino, Fernando Oikawa e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Rayane Lima