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20.000 espécies de abelhas (2023, Estibaliz Urresola Solaguren) - Festival Mix Brasil 2023

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20.000 espécies de abelhas (2023, Estibaliz Urresola Solaguren) - Festival Mix Brasil 2023

Por Bruna Medina

 

Escrito e dirigido pela espanhola-basca Estibaliz Urresola Solaguren, 20.000 espécies de abelhas aborda questões inerentes às relações familiares — a infância, o medo, aceitação e validação — dentro do recorte central de descoberta da identidade de gênero na infância. A  obra emerge como um sensível retrato do tema, propondo valorizar a escuta ativa dentro das relações. 

 

O longa-metragem, primeiro da diretora, teve sua estreia na Berlinale, em fevereiro de 2023, dando à atriz mirim Sofía Otero o Urso de Prata de melhor atuação. Estibaliz utilizou como motivo condutor a morte de Ekai, um ativista transexual basco que, em 2018, após muitos direitos negados, resolveu interromper a própria vida aos 16 anos. 

 

Nessa narrativa, que se passa em poucos dias, o casal Ane e Gorka está em crise. Ane vai com seus três filhos à casa de sua mãe, localizada em um vilarejo no País Basco. Dentre os conflitos que a permeiam estão a busca pela independência financeira, imbróglios familiares e a reconexão com o passado. Contudo, o filme se centra em seu (até então) filho caçula de seis anos, que demonstra insatisfação constante ao escutar seu nome de batismo, Aitor, e o apelido que lhe foi dado, Cocó. Apesar de deixar o desconforto evidente, suas reclamações são sempre ignoradas. 

 

Com diversos planos na altura dos olhos do caçula, é possível enxergar pela perspectiva da personagem e se aproximar cada vez mais de sua subjetividade. Observando atentamente as inúmeras possibilidades de experimentar a vida enquanto mulher — nas figuras representadas pela avó, tia, mãe e sua nova amiga —  Cocó percebe, mesmo em sua confusão, que a identidade que lhe foi atribuída não condiz com a sua autopercepção. Para dificultar ainda mais, a representação de seus irmãos, que cumprem com a função social normativa de gênero que lhes foi estabelecida, contrasta com a sua insistente sensação de inadequação. 

 

Quando a personagem finalmente consegue intervir na forma como é tratada, decide não ter mais nome, se ausenta da concretude. Afinal, como sua tia pontuou: “o que não tem nome não existe”.  Momentos como este, onde recebe a escuta da tia e sai para brincar com sua amiga da mesma vila (que diz estudar, em suas palavras, com um “garoto com pepeca”), são os pontos de virada na busca de autoaceitação e, não menos elementar, validação social. Cocó é Lucía: esse é seu nome, e é assim que sua existência cabe no mundo. 

 

Diferente de Diadorim, personagem excepcional do romance “Grande Sertão: Veredas” (1956, João Guimarães Rosa), que apresenta com facilidade elementos de transexualidade através das transformações de sua imagem e seus apelidos  (Menino-Reinaldo-Diadorim-Maria Deodorina), o enfoque de 20.000 espécies de abelhas se dá pela subjetividade da personagem, que nos convida a observar o desenvolvimento do seu aparelho psíquico através dos questionamentos existenciais que Lucía apresenta durante a narrativa. A dicotomia entre a maneira que se enxerga e a visão exterior que lhe é atribuída carrega a potência dramática da obra. 

 

Abordando o mesmo recorte temático de identidade de gênero na infância e os desdobramentos e embates relacionais que o tema implica, o curta-metragem ficcional Peixe Vivo (2023, Bob Yang, Frederico Evaristo), também parte da seleção do Mix deste ano, acerta na escolha dos atores mirins — (Aghata Maria e Gustavo Batista), duas crianças transexuais que interpretam a personagem principal em fase de construção da sua própria identidade de gênero. Além da primorosa atuação de ambas, os diretores se preocuparam com a representatividade da comunidade trans ao não elencar uma criança cisgênero para interpretar o papel de uma criança transexual. 

 

Mediante todas as questões pertinentes que 20.000 espécies de abelhas apresenta, o filme se destaca não somente por dar a ver a transformação pessoal da personagem principal, mas também os impactos desta transformação com a mudança na mentalidade e no comportamento familiar. Transitando entre a delicadeza e a pungência, a obra evidencia que, assim como as abelhas são as responsáveis pela diversidade da flora, a presença de Lucía expande as possibilidades de existência na sua família e no mundo. 

 

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Biografia: Bruna Medina é produtora e realizadora, com experiência nas áreas de assistência de direção, produção e produção executiva. Trabalha como assistente executiva na Associação Cultural Kinoforum e  no Festival de Curtas Metragens de São Paulo - Curta Kinoforum.

 

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A cobertura do 31ª Festival Mix Brasil faz parte do programa Jovens Críticos, que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos à Atti Comunicação e Ideias, Marcio Miranda Perez e a toda equipe da Associação Cultural Mix Brasil por todo o apoio na cobertura do festival.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta e Assistente de Produção: e Rayane Lima