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Curtas em Destaque - 31º Festival Mix Brasil 2023

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Curtas em Destaque - 31º Festival Mix Brasil 2023

por Felipe Palmieri

 

O Festival Mix Brasil deste ano traz em sua curadoria uma seleção robusta de curtas-metragens LGBTQIA+ + de todo o mundo, divididos em 15 categorias que possuem sessões próprias na programação. A serviço de exemplo, traz-se aqui a análise de quatro filmes que chamam a atenção pela trajetória percorrida, tendo recebido bastante visibilidade em festivais de grande importância ao redor do mundo — Rotterdam, Locarno, FID Marseille, entre muitos outros.

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O primeiro curta a ser destacado é Ob Scena (2022, Paloma Orlandini Castro), filme argentino que faz parte da mostra Meu Corpo, Novas Regras, que compõe uma seleção de filmes que dão enfoque à vozes da comunidade FLINTA* — Mulheres, Lésbicas, Intersexo, Trans e Agênero. Tem-se aqui uma exploração da forma documental em primeira pessoa, através de um relato íntimo e inventivo sobre sexualidade, rótulos e exploração. 

 

O filme se estrutura em uma divisão clara dos âmbitos sonoro e imagético, com a imagem jamais ilustrando diretamente aquilo que é dito pela narração — uma abordagem inicialmente caótica, mas que acaba por enriquecer profundamente a experiência. No entanto, temática e sensorialmente, há uma sincronicidade perfeita da linguagem. Se estabelecem nessa dinâmica três instâncias principais: os corpos, os rótulos e a arte. A maneira como estes são trabalhados em cada momento do filme leva à uma crescente libertação, na busca por uma catarse poética na relação entre a sexualidade do eu e a sexualidade do mundo — inclusive traçando um paralelo primordial entre a ideia de rotulação e a pornografia. 

 

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Outro filme a ser mencionado é Soberane (2022, Wara), um curta-metragem cubano-brasileiro presente na exibição Br no Exterior — que, como o nome sugere, é composta de produções de brasileiros em solo estrangeiro. Ideia esta, que, inclusive, é parte essencial da trama de Soberane. Acompanhamos Hakan, personagem brasileire que vive em Cuba e não deseja retornar à sua terra natal de Fortaleza. 

 

As noções de pertencimento e identidade guiam o filme, que se enraíza profunda e inteiramente na subjetividade de seu protagonista. Há um aspecto profundamente formalista para que isso se concretize, pois o tom emocional de cada cena é inteiramente embasado no controle da linguagem cinematográfica. Diferencia-se a percepção do mundo real e do mundo dos relatos de Hakan — que se grava através do celular emulando o diário de bordo de uma viagem sideral — através da cor, na dicotomia entre o preto e branco e as cores saturadas do celular. 

 

A manipulação emocional necessária a um drama do tipo é exercida com maestria, mas o ponto forte se encontra no discurso central do filme: o paralelo entre imigração e identidade de gênero. Wara faz das cores o termômetro do pertencimento, ao retratar a jornada imigratória de seu protagoniste como algo concreto e emocionante, mas sempre com o subtexto da não-binariedade latente.

 

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Outra obra radicada na subjetividade é Aí Vem as Rachaduras (2022, Daniel Mateo Vallejo), parte da sessão A Resistência é um Grito, que apresenta filmes-manifesto. O curta colombiano alia o real e o onírico ao redor de seu protagonista Keisi, e é uma narrativa solta, mas ainda efetiva ao traçar um percurso emocional catártico. Ele trabalha em uma galeria de arte asséptica, de paredes brancas como as de seu dormitório, mas circundada por uma floresta tropical. 

 

Tem-se, desde o início, uma tentativa de transpor através da esterilidade dos ambientes a noção de incômodo. Planos são inseridos na montagem de forma abrupta, forçando-nos a olhar diretamente para esse vazio higienizado, ao mesmo tempo em que Keisi tem sua individualidade reprimida pelo contexto — sua chefe o diminui e o espaço não o acolhe. É daqui que surge o caráter de manifesto do curta, que adota o surrealismo e a performance corporal como a linguagem de enfrentamento. A permissão da visão subjetiva, num amálgama entre dança e fotografia, é o que leva o filme à sua tese: a conexão com a natureza como necessidade física, e não apenas abstrata. 

 

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Também como parte da sessão A Resistência é um Grito, está o filme Catboy (2023, Cristian Sitjas), realizado na Espanha. Com a curta duração de 13 minutos, o filme é estruturado a parecer se passar em tempo real, em um fluxo contínuo de progressão. O protagonista Marc, um homem negro e gay, vivencia um contraste entre rejeição e aceitação, presente do primeiro ao último segundo.

 

O ambiente queer de uma balada é, para o filme, um local de emancipação. A câmera age como um holofote, dando enfoque, uma pessoa por vez, a performances diversas — principalmente através da dança — e lentamente afastando o sentimento negativo que é estabelecido no início: quando nos é exposto o preconceito sofrido por Marc em aplicativos de relacionamento. Dessa forma, Catboy se aproveita da forma fílmica para realizar um ode ao acolhimento, que apesar de extremamente objetivo e, por vezes, um pouco raso, faz juz a esta intenção. 

 

Por fim, deve-se admitir a impossibilidade de abordar o todo da seleção através de apenas quatro exemplos, mas que estes sirvam como uma pequena parcela da complexidade de perspectivas presentes no Festival. Mesmo dentro desse recorte, é possível entender a essência do Mix Brasil: a diversidade. Diferentes lugares, diferentes pessoas, diferentes linguagens e enfoques, uma mistura que — como em Catboy — é um ode ao acolhimento. 

 

BIOGRAFIA: Felipe Palmieri é estudante de Cinema na FAAP. Absolutamente fascinado por todas as pluralidades e sutilezas que a linguagem cinematográfica é capaz de abrigar, e pelas infinitas perspectivas que foram e serão materializadas através disso.

 

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A cobertura do 31ª Festival Mix Brasil faz parte do programa Jovens Críticos, que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

 

Agradecemos à Atti Comunicação e Ideias, Marcio Miranda Perez e a toda equipe da Associação Cultural Mix Brasil por todo o apoio na cobertura do festival.

 

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino

Edição Adjunta e Assistente de Produção: e Rayane Lima