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Corpo (Petra Seliškar, 2023) | É Tudo Verdade 2024

Corpo (Petra Seliškar, 2023) | É Tudo Verdade 2024

Por Davi Krasilchik

 

Tende a ser desafiador inserir uma narrativa pessoal em uma estrutura tradicional. Com o objetivo de construir um drama que se permite a lirismos, Corpo (2023) enfrenta uma insegurança em relação às suas próprias imagens. Suas tentativas de romper com uma estrutura clássica se refletem em boas passagens de experimentação visual, mas requisitando  apelos que atentam contra a própria sensibilidade.

 

Isso está longe de dizer que não se trata de um filme sensível, dedicado a dar voz aos enfrentamentos pessoais de uma amiga de sua autora. A documentarista Petra Selškar acompanha vinte anos da vida de Urška Ristić, uma pianista diagnosticada com duas doenças autoimunes extremamente raras. Ristić estuda os efeitos que as descobertas determinaram em sua vida, explorando suas tentativas de se readaptar ao marido e aos filhos, e suas dificuldades em redescobrir o próprio corpo, afetado pela doença.

 

Apostando na intimidade do material, são comoventes as perambulações que Petra propõe na alternância entre o passado e o presente. São associações que manifestam a potência da protagonista, transgredindo as normas impostas pelo tempo tal como a personagem desafia as imposições biológicas. É um recurso que autoriza, também, a miscelânea entre diferentes texturas que, em certa instância, espelham as incursões táteis construídas pela câmera.

 

Os grãos da película contrastam com a limpidez das câmeras digitais, reconstruindo a natureza imagética do documentário em uma espécie de associação à trajetória de Urška. Não é à toa que a água e sua fluidez se tornam signos recorrentes, encadeados pela trajetória de superação, e sempre remetendo à turbulência. Essa instabilidade é observada de forma bela, corroborando para as entrevistas que tratam da aceitação e as numerosas sessões de fisioterapia. Imperfeições, marcas e ruídos ganham a tela, tateando a dimensão mais corpórea do filme com alguma poesia.

 

A dificuldade se encontra no que diz respeito aos demais recursos, como as cenas que fabulam uma representação do interior humano. Abusando do vermelho sanguíneo e animando células em ilustrações metafóricas, sabotam a identidade inicial, íntima e pautada por uma montagem mais naturalista. É como se o apelo melodramático surgisse como espécie de justificativa, assinalando uma estrutura lógica que em pouco condiz com a criatividade das digressões até então apresentadas.

 

É claro que o testemunho da superação de Urška é comovente, especialmente nos relatos sobre o tanto que a presença de suas filhas, Zoja e Mia, adicionam em sua vida. Mas essa esfera do documentário é dirigida por um olhar mais clínico, que institucionaliza o todo pela forma como transmite os núcleos de entrevista. 

 

O filme alcança um estado de saturação, não pelo esgotamento de material ou excesso narrativo, mas por banalizar as ferramentas sobrepostas à essência dessa poesia corporal. Talvez esses desvios venham menos das intenções iniciais com a câmera e mais dos caminhos tomados na pós-produção, caso da apelativa trilha sonora que insistentemente atropela momentos reflexivos e silenciosos.

 

Corpo banaliza as suas ideias mais primárias, apostando em uma subjetividade tátil que se vê sabotada por um apelo comum a projetos mais dramatúrgicos. Fica a impressão de que o lirismo inerente ao corpo nunca é verdadeiramente valorizado, desperdiçando momentos de grande potencial.  

 

 

Biografia:

Davi Galantier Krasilchik é estudante de Cinema e Jornalismo na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), onde já roteirizou e dirigiu dois curtas-metragens. Ele também já fotografou dois projetos curriculares, além de produções por fora, e escreve críticas e reportagens para meios como a revista universitária Vertovina e o site Nosso Cinema. A sua paixão pela Sétima Arte se manifesta desde a infância, e atualmente ele trabalha na Filmoteca da TV Cultura, onde ajuda a preservar esse material por qual tem tanta paixão.

 

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A cobertura do 29º Festival Internacional de Documentário É Tudo Verdade faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino, Fernando Oikawa e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Rayane Lima