Milla Turajlić documenta as reminiscências de um fotógrafo da Revolução Argelina, em que o cinema foi usado como arma política contra o imperialismo francês.
Por Cecília Coêlho
Em um clima intimista, a cineasta Mila Turajlić homenageia a cansada batalha da Argélia por sua independência da França, através dos rolos de filme do acervo pessoal de Stevan Labudović. Fotógrafo e cinegrafista que foi um nome proeminente como cameraman nos cinejornais da ex-Iugoslávia (Filmske Novosti), além de ser de grande confiança do Presidente Josip Broz Tito a quem filmou suas jornadas diplomáticas.
Os Filmske Novosti eram curtas-metragens jornalísticos sobre política, cultura, esporte e eventos do mundo, exibidos todos os sábados nas salas de cinemas antes dos filmes desde 1944 até 1989. O cinegrafista filmou grandes encontros diplomáticos, principalmente de países recém-libertados, além de cobrir a chegada de Ho Chi Minh e Fidel Castro na Iugoslávia. Em 1959, Labudović foi enviado na missão de registrar a Guerra de Libertação da Argélia, em oposição à França. Lá, assessorou a Frente de Libertação Nacional (FLN), com foco na guerrilha das montanhas, onde, durante 3 anos, capturou material equivalente a 83 quilômetros de filme.
O clima intimista vem da relação entre a cineasta e o fotógrafo Stevan Labudović, que, de primeira, aparentam ser parentes ou, pelo menos, amigos próximos. , De início vemos Turajlić na casa de Labudović, ajudando a retirar objetos do armário, como rolos de filme e fotos antigas. De toda forma, essa relação se iniciou com o fascínio de Mila Turajlić por contar a política através da arte. Ela explica que, ao pesquisar sobre como a narrativa política da Iugoslávia foi construída pelo cinema, ela encontrou arquivos federativos perdidos pelo “vácuo legal” – devido à dissolução da Iugoslávia, pôs-se fim à legislação da antiga nação, resultando em arquivos do governo sem proteção legal – e assim conheceu os Filmske Novosti. Após seu primeiro contato com o fotógrafo, Turajlić se deu conta de que eles têm duas coisas em comum: nasceram em Belgrado e ambos são cineastas. Logo, Mila passou a seguir Stevan com uma câmera por toda parte durante três anos, até a morte do fotógrafo em 2017.
E, assim, o filme segue com longos diálogos intercalados por pausas escusáveis para filmar as atividades mundanas do fotógrafo. A despeito da forte química entre os dois, o filme age como se não houvesse algo interessante na relação entre eles, pois poucos detalhes nessa relação são destacados pelos enquadramentos: , como se os dois se entendessem muito bem, mas essa dinâmica não fosse plenamente comunicada pela presença da câmera. A diretora, que também opera a câmera muitas vezes, ao mesmo passo em que busca construir uma atmosfera íntima pela ao narrar a história revolucionária, também gera um distanciamento impessoal no que diz respeito aos seus protagonistas.
É decepcionante uma obra sobre as reminiscências fílmicas de uma jornada à Argélia ser tão carente em transmitir o que de fato aconteceu lá, ao contrário de um clássico como A Batalha de Argel (Gillo Pontecorvo, 1966), que cumpre o dever do cinema revolucionário, materialista ao ponto em que procura mudar a realidade, não literalmente, mas de forma de denúncia. Talvez seja uma equiparação muito díspar, mas é o que a diretora almeja, ao homenagear um dos maiores nomes da resistência argelina. A despeito da tentativa, ela não consegue mostrar a grandiosidade de Labudović, mesmo afirmando que seja o “Olho Cinematográfico da Revolução”.
A sonolência não é um sentimento ruim de se experimentar na sala de cinema, mas o tédio é. O documentário tem muito a mostrar, empobrece seu conteúdo. O exemplo mais gritante disso é a estética de “filtro do instagram” durante as passagens de arquivos filmados por Labudović: não há necessidade de se colocar, na pós-produção, um filtro analógico por cima de imagens que já foram captadas em filme, o que resulta em um granulado artificial cafona. Ademais, o filme se perde na perspectiva europeia da Libertação da Argélia, pela recusa em assumir categoricamente um lado, , mesmo que o título contenha a palavra “guerrilha” nele.
A propaganda oficial francesa, na época, alegava que a Argélia seria um território francês, negando o fato de que ela era, na realidade, uma colônia. O documentário, ao escolher seu foco no aspecto psicológico da guerra, ao invés de evidenciar os processos materialistas que envolveram a luta, diminui seu impacto para o espectador. A diretora documenta a política de “lavagem cerebral” praticada pelos franceses, ao limitar a produção de produtos culturais argelinos, mantendo a população iletrada, mas não aprofunda nas consequências. Ela também deixa de mencionar a importância do islamismo para a FLN.
A inclusão de imagens de arquivo que retratam Stevan na Argélia tem um toque de ironia, já que são, em sua maioria, encenações de confrontos ou atividades que aparentariam ser relevantes para a câmera. Porém não fica claro o porquê disso. Dessa forma, a diretora deixa várias lacunas que geram dúvidas para o espectador, um sentimento não de curiosidade, mas de confusão. Por isso, o documentário mais se assemelha a uma aula de História cujo professor é prolixo e causa sono nos alunos, do que aquela aula de um professor favorito e cativante. Pois um discurso documental se faz através do estilo, e a esterilidade estética que aqui se evidencia é nada inovadora para um filme que trata de uma revolução ligada ao cinema.
Biografia
Cecília Coêlho é obcecada por filmes e os enigmas da imagem. Graduanda em cinema na FAAP, onde realiza curtas independentes. É inclinada à área de roteiro, a qual tende ao experimental e ao vulgar.
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A cobertura do 28º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.
Equipe Jovens Críticos Mnemocine:
Coordenação idealização: Flávio Brito
Produção e edição adjunta: Bruno Dias
Edição: Luca Scupino
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