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Hot Club de Montevideo (2023, Maximiliano Contenti) – É Tudo Verdade 2023

Em Hot Club de Montevideo, Maximiliano Contenti e seus entrevistados assemelham a espontaneidade de uma sessão de jazz à estrutura de um documentário que preserva a memória do que por anos existiu apenas enquanto a música era tocada.

Em 2020, o Hot Club de Montevideo, instituição de jazz mais antiga da América Latina, completou setenta anos de existência e permanência enquanto lugar – não físico, por já ter passado por diversos espaços de Montevideo – de encontro do “jazz e nada mais”, nas palavras de alguns dos entrevistados. Através de depoimentos, histórias e arquivos tanto dos integrantes atuais quanto dos formadores do grupo, o cineasta Maximiliano Contenti, filho do trompetista e cofundador do clube Gastón Contenti, flui entre passado e presente para contar um pouco da trajetória do Hot Club de Montevideo.

O documentário, realizado a partir de depoimentos diretos intercalados com imagens preexistentes, se divide em cinco capítulos que ditam linearmente a vivência da instituição; desde o seu início em um porão na capital uruguaia nos anos 50, passando pela época de ouro, com presenças marcantes como Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, até o capítulo “Legado”, registrado no momento presente pela  câmera de Contenti. 

O filme encontra seu valor na preservação de uma  memória coletiva, de algo importante para a cultura local, dos anos idos e dos que virão. E, por mais que careça de originalidade no que diz respeito  à forma fílmica, Hot Club de Montevideo se sustenta pela espontaneidade dos entrevistados, pela sua vontade de compartilhar  com qualquer um que queira ouvir a história do clube e de relembrar o porquê deste ainda existir. 

A obra, então, opera como uma espécie de jam session (quando os músicos não seguem uma partitura e tocam aquilo que surge da inspiração momentânea, do improviso natural da sessão de jazz), e se constrói pelo que cada participante escolhe contar àquele que o observa -o que muitas vezes foge, e Contenti é feliz em deixar que fuja, do controle do diretor. 

A partir dessa liberdade discursiva, surgem os momentos que justificam a existência do filme, como quando um dos fundadores do Hot Club se encontra com Lydia García Millán, diretora de Color (1955) – um dos primeiros filmes experimentais coloridos do Uruguai, para o qual os artistas do Hot Club de Montevideo fizeram a trilha sonora. Após contarem como se deu a sonorização do projeto (através de um processo de observação das imagens e produção de sons associados às sensações provocadas), ambos concluem que, embora idosos e após terem passado anos oferecendo tudo que podiam à arte, ainda “estão vivos”. São instantes de verdade somente possíveis pelo documentário. Por mais que a situação do encontro seja montada pelo filme, o que acontece depois disso está além do controle do diretor, as conversas, os gestos e as conclusões são instantes da realidade que sempre está ali, cabe à câmera registrar a vida que ainda pulsa.

E não falta vida à Hot Club de Montevideo. As entrevistas são bem colocadas para dar ritmo à duração, enquanto a trilha, formada pela transição da música diegética (aquela ouvida também pelos personagens) para a não diegética (de conhecimento apenas do espectador), é composta tanto pelo jazz presente nas entrevistas e exibições que nelas ocorrem, como também das diversas apresentações dos integrantes do Hot Club na celebração de aniversário da instituição, momento em que aparecem em tela para situar o público e mostrar que os 70 anos merecem ser muito mais.

Uma publicidade, mas por que não? O Hot Club de Montevideo deve ser propagandeado, não apenas por ter resistido a todo esse tempo – como refúgio da ditadura uruguaia (1975-1983) que passou por mudanças de lugares (porões, galpões, bares, casas), problemas financeiros  e saídas de integrantes, como o sempre lembrado Paco Mañosa, mestre fundador do clube.  Mas também por, durante sua permanência, ser lugar de encontro de música e músicos, por acompanhar a evolução do jazz como arte espontânea e metamórfica, por ser espaço de preservação de tantas histórias que sequer o documentário consegue dar conta. 

Apesar de envolver boa parte da trajetória do clube, a obra de Contenti parece se apressar para resumir tudo o que quer contar em pouco tempo, o que não é de todo ruim, pois mostra que são possíveis mais setenta anos de Hot Club, para que o legado preserve a cultura em transformação, e que outros cineastas venham futuramente a explorar memórias que existiram e existirão enquanto o jazz for presente. Pois não existiria filme sem o Hot Club, que, por sua parte, não existe sem jazz. Mas este está para os ouvintes tal qual Hot Club de Montevideo está para os espectadores.

Em um documentário que se dá espontaneamente como uma jam session, ocorre um processo de interdependência entre cinema e música, filme e clube, um precisa do outro para continuar vivo: da mesma maneira que as notas vibram e a câmera se esforça para acompanhar tal força de expansão, as imagens também surgem e o som deve dar sentido ao que não vemos, o que está nas vidas que passaram e precisam passar pelo Hot Club de Montevideo. 

Biografia

Henrique Guimarães é estudante, crítico e pesquisador de cinema, curioso pelas possibilidades que as imagens podem oferecer. Realiza curtas universitários e independentes, escreve para diversos portais. 

A cobertura do 28º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação idealização: Flávio Brito

Produção e edição adjunta: Bruno Dias

Edição: Luca Scupino

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