Por Makita Almeida
Utilizando uma linguagem poética para tratar de um tema brutal, “A Frota Chinesa” estabelece uma ligação forte com o espectador a partir do momento em que o filme começa. Partindo de um assunto muitas vezes ignorado no Ocidente, os diretores Ed Ou e Will Miller constroem uma narrativa que nos transporta para o universo implacável da indústria pesqueira chinesa, perfeita para aqueles que apreciam uma abordagem documental mais lírica.
O documentário apresenta a vida dos pescadores chineses como uma alegoria pungente da exploração moderna. A narração, feita por um personagem sem nome, traz à tona a história de seu pai, um homem que trabalhou em alto-mar, descrevendo o sofrimento vivido naquela existência isolada. O narrador detalha como é estar longe da família, o cheiro nauseante dos navios que se assemelham a mictórios, e o seu maior medo: ser obrigado a se submeter ao mesmo destino de seu pai. Esse relato confere ao filme uma sensação de brutalidade que se entrelaça com a abordagem poética, transformando a realidade dura em uma fabulação perturbadora.
A coragem dos cineastas é evidente na forma como eles abordam a situação crítica de vida dos pescadores, tratando o insumo extraído do mar como uma metáfora para as próprias vidas mercantilizadas. A câmera captura esses homens com uma sensibilidade que torna palpável a exploração a que estão submetidos. Em muitos momentos, a cinematografia se destaca, especialmente nas cenas que retratam os barcos iluminados à noite em meio à escuridão do oceano, parecendo estrelas acesas no céu. Essas imagens, combinadas com as tomadas subaquáticas, que mais parecem retratar um cenário alienígena, criam uma metáfora visual poderosa para a exploração desenfreada dos recursos naturais e humanos.
Essa estética alienígena é particularmente eficaz ao ilustrar como o mar e seus habitantes estão sendo explorados ao limite. O narrador reforça essa ideia ao descrever os barcos como naves espaciais que raptaram seu pai, prometendo-lhe um futuro incerto. Esse toque poético aprofunda ainda mais a crítica à maneira como os poderosos fantasiam e prometem um futuro melhor, apenas para aprisionar mais pessoas em um ciclo de exploração.
O filme também explora, com habilidade, a conexão entre a destruição ambiental e a mercantilização das pessoas. A visão dos milhares de barcos de pesca, descritos pelo narrador como cativeiros, evidencia como a necessidade de alimentar uma nação gigantesca leva à exaustão dos recursos naturais e à exploração extrema da força de trabalho. No entanto, aqueles que lucram com esse sistema permanecem invisíveis, uma ausência que o filme aborda de maneira implícita, mas que poderia ter sido desenvolvida de forma mais explícita.
No geral, “A Frota Chinesa” leva o espectador a refletir sobre as implicações do crescimento populacional e do capitalismo globalizado, destacando como ambos contribuem para a miséria – material, física e espiritual. É uma obra que não apenas informa, mas também transforma, nos forçando a confrontar as duras realidades de um sistema que mercantiliza tudo e todos.
Biografia
Makita Almeida, 21 anos, é um produtor cultural e documentarista residente na zona norte de São Paulo. Com diversas formações técnicas em cinema e escrita, Makita traz em suas críticas uma sensibilidade única, moldada por sua vivência nas periferias e pela compreensão do mundo cruel ao seu redor. Sua abordagem crítica reflete essa realidade, buscando sempre destacar a humanidade e a complexidade dos temas que aborda.
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