“Interior da Terra” (2022) | 13ª Mostra Ecofalante de Cinema por Pietra Bianco
Convocando um chamado de atenção e escuta, o filme exibido em duas sessões da 13ª Mostra Ecofalante de Cinema propõe uma reflexão sobre o Interior da Terra e das memórias que ela carrega consigo. A partir da perspectiva e dos ensinamentos do povo Mura, indígenas que habitam as áreas do rio Madeira, no estado do Amazonas, a diretora Bianca Dacosta rememora que um ecossistema sempre irá depender da floresta e seus rios, mesmo que alguns de seus seres vivos sejam moradores das cidades.
O filme, para além de uma linguagem documental convencional, trabalha em alternância uma segunda, mais empírica em formato. Essa retrata, ora por quadros macro, ora micro, a interdependência das ações e suas consequências, evidenciando ao espectador aquilo que superficialmente não se quer enxergar: ao negligenciar a escuta do meio ambiente e fomentar o extrativismo das matas, estamos cavando a própria cova.
O curta se inicia com uma imagem do cosmos. Entre a vasta escuridão que ele representa é possível vislumbrar pontos de luz, quase como um mapa com o qual se busca conhecimento. A imagem seguinte rompe com a primeira, não por materializar um plano mais realista, e sim por ilustrar a ausência desse mapa: um quadro verde recheado de floresta, em um zenital – plano visto de cima – que se fecha em zoom in, corrompendo a continuidade visual de seu entorno e revelando uma área parcialmente despida. Um retângulo de terra marrom resultante do desmatamento desmesurado no norte do país, que colabora para uma ocupação sem raízes ou memória alguma.
A narrativa dialoga, portanto, em alternância com o simbólico e o literal, partindo de um ponto de escuta contínuo e espacial. Enquanto acompanhamos uma mulher do povo Mura em mais um dia de seu cotidiano, ouvimos através dela – e eventualmente por outras narrações – , a importância da interdependência e respeito com tudo em seu entorno. A escolha de escutá-la permite a compreensão do espectador sobre a cultura, o território e a memória Mura, trabalhando, a partir dessa linha documental mais direta, a interação da personagem com os rios, a floresta e os seus ritos.
Em uma representação da resistência e do conhecimento ancestral, somos confrontados por um plano detalhado do fluxo do rio. “Desenvolvimento vem de cima para baixo, sem considerar nossa existência”, ouvimos a mulher introspectivamente, enquanto ela é atravessada pela água com apenas seu rosto reflexivo acima da correnteza. Esse olhar duro da personagem denuncia o avanço desenfreado do “desenvolvimento” e defende as existências que esse pressuposto ameaça. Retratado muitas vezes por quadros abertos das poças sujas que se formam em um terreno destruído pelo desmatamento, e mais sutilmente por meio do silêncio da floresta caída ao chão.
Tanto as imagens do cosmos quanto as imagens microscópicas da terra, por sua vez, caracterizam a linguagem mais indireta do filme. Elas sugerem uma proximidade que vai além do simples ato de observar, e convidam o público a traduzir a terra em sua maior vulnerabilidade. A começar com imagens do cosmos, e sua vastidão e mistério, o curta sugere que a narrativa a seguir é parte de algo muito maior, uma pequena fração de um grande todo. Já as imagens microscópicas nos trazem uma perspectiva íntima e detalhada do solo, revelando as camadas ocultas e muitas vezes negligenciadas do nosso mundo imediato e superficial.
Essa dualidade simbólica entre o macro e o micro, em suas diferentes escalas, representa a totalidade da existência e a forma como tudo está interligado e possui mutualidade. O filme utiliza dessas alternâncias para criar uma retórica sobre como as ações, por menores que pareçam, assumem ressonâncias que ecoam desde o universo maior, até as menores partículas da terra.
Essa terra, que é recheada de história, tradição e memória, demanda por escuta, e assim o curta se despede com a mulher e seu cachimbo em uma cantiga: “…Mura para resistir, Mura para relembrar…”.
Biografia
Pietra Bianco é estudante de Cinema na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), onde atuou majoritariamente na área de produção, também sempre deslumbrada com o lado acadêmico da redação e sua poesia. Se aproximou ao longo do curso de matérias em artes visuais, hoje com foco em produção cultural por projetos dentro e fora da faculdade.
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Coordenação e Idealização: Flávio Brito
Produção e Edição: Bruno Dias
Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino e Gabriela Saragosa
Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Caio Cavalcanti
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