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1968: Um ano na vida (2023, Eduardo Escorel) – É Tudo Verdade 2023

Saindo da grande imagem histórica para uma abordagem particular, o documentário do diretor Eduardo Escorel 1968: Um ano na vida revisita os marcos do ano de 1968 através das lembranças de sua irmã Silvia Escorel, registradas em seu diário pessoal durante a época. 

Por Rayane Lima

Responsável pela abertura do 28º Festival Internacional de Documentários na cidade do Rio de Janeiro – no dia 13 deste mês – o diretor e montador Eduardo Escorel apresenta seu novo filme 1968: Um ano na vida  no Cine Marquise em São Paulo, que conta com uma visão pessoal e familiar acerca de eventos históricos no país.

Apesar do fato de que seu tema já foi amplamente discutido em diversas obras – como o próprio diretor apontou em seu discurso de abertura -, o documentário traz uma nova perspectiva sobre o ano de 1968, que ficou marcado pelos inúmeros conflitos e acontecimentos que se desenrolaram em todo o mundo, como a intensificação da ditadura militar no Brasil, invasões soviéticas na Tchecoslováquia, protestos contra a Guerra do Vietnã nos Estados Unidos, revoltas estudantis na França e uma série de transformações políticas ao redor do globo. 

A partir do registro das memórias de Silvia Escorel – irmã de Eduardo – em seu diário pessoal, que ela denominou de Lost (perdido), o longa traça uma linha do tempo que percorre o ano de 1968 através do olhar de uma jovem mulher que acabou de terminar seu casamento e entrou em profundas reflexões sobre sua própria vida. Isso tudo enquanto presenciava os embates e eventos que se desenrolavam naquele fatídico ano. 

A obra conta com narração da própria Silvia, com base em uma carta recente que escreveu para seu irmão, comentando tudo o que foi anotado durante o período. Portanto, por mais que a produção aborde um tema com uma carga emocional tão profunda, o sarcasmo de Silvia narrando – 54 anos depois – as ironias de sua vida aos vinte anos trazem um ar leve e descontraído, como quando ela resolveu mudar seu visual por influência do musical Hair, que estreou naquele ano, ou as desilusões amorosas que resultaram em transcrições de poemas. 

Embora o texto conte com esses respiros – que também contextualizam e dão um recorte do momento no qual Silvia estava vivendo -, a narração em primeira pessoa traz um impacto maior no espectador diante da descrição de intensas situações pelas quais ela passou. Um dos exemplos, que se torna um grande ponto chave, é quando ela detalha a ocasião em que dois de seus amigos foram abruptamente parados e levados pela polícia em um dia que caminhavam juntos pela cidade do Rio de Janeiro. Com a junção dos conteúdos do diário e da carta, o longa nos abre uma janela para a  angústia e medo de Silvia nos meses que se seguiram sem notícias dos amigos, ao mesmo tempo comenta as torturas e interrogatórios que eles foram submetidos no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), e que só puderam revelar mais tarde ao serem liberados.

Esteticamente, a produção é composta por uma exposição de arquivos, pois insere imagens registradas na época – tanto fotos como vídeos – para ilustrar os relatos de Silvia. Além disso, o próprio diário também se torna fonte imagética, uma vez que as páginas do caderno servem de exemplificação do texto narrado, o que contribui para a dimensão visual, visto que as páginas do diário não abrigam apenas texto, mas colagens de pedaços de revistas, jornais e livros que a narradora coletava e montava. Desta forma, as cenas do documentário incorporam a estética fragmentária do ano de 1968. 

Conforme assistimos ao longa, é evidente notar a sensibilidade de Silvia em relação aos acontecimentos do mundo. Mesmo não fazendo parte ativa de alguns eventos, como as movimentações dos estudantes ou os conflitos no exterior, ela sempre se sentia parte ou conectada com a ocasião, trazendo assim a proximidade dos espectadores com episódios que podem ser tão distantes para alguns, principalmente hoje em dia, inserindo-os de maneira próximo do que foi presenciar e viver em um ano tão conflituoso de uma perspectiva jovem. 

Biografia

Rayane Lima é formada em jornalismo e sempre demonstrou muito interesse pela escrita, principalmente de livros e filmes. Hoje ela estuda cinema na FAAP combinando suas duas áreas de paixão. 

A cobertura do 28º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação idealização: Flávio Brito

Produção e edição adjunta: Bruno Dias

Edição: Luca Scupino

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