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Diálogos com Ruth de Souza (2022, Juliana Vicente)- 12ª Mostra Ecofalante de Cinema

Misturando arquivos diversos e uma narrativa simbólica, Juliana Vicente adota a polifonia para falar de uma das atrizes mais marcantes do cinema internacional. Ciente da importância  que a transmissão desse legado tem, ela equilibra a trajetória entre a  clareza narrativa e uma experimentação digna da grandiosa Ruth de Souza.

Por Davi Krasilchik

Detentora de um legado incomparável, Ruth de Souza adquiriu prestígio como a primeira atriz negra brasileira a ser reconhecida pelo grande público. Profundamente apaixonada pelo mundo das artes, ela se debruçou sobre todas as oportunidades que lhe apareceram, das produções brasileiras ao prestígio internacional. É essa a trajetória que a diretora Juliana Vicente, munida de uma enorme paixão por sua entrevistada, estuda em seu “Diálogos com Ruth de Souza”, documentário em que mistura diferentes fontes de mídia para abordar a resiliência da figura estudada.

Partindo de uma narrativa abstrata que é encenada em paralelo, e que envolve a peregrinação de uma mulher através de uma perigosa floresta, chama atenção a maneira com que o filme elege a ficção como força unificadora. Por mais tradicionais que sejam alguns dos recursos – haja visto os diálogos que dão nome à obra -, o uso de fragmentos de produções que Ruth estrelou sempre emergem como uma maneira de garantir coesão à montagem. Conferem, assim, ritmo a uma produção que não é marcada por grandes variações dramáticas, mas que ainda assim interpola diversas facetas da personagem estudada.

Embora a diretora não consiga exprimir o lado íntimo de Ruth – o que inclusive surge como um alívio cômico, pelas caras e bocas que a atriz entrega ao ser questionada sobre seu passado romântico -, Vicente faz um trabalho sagaz ao reconhecer essa dificuldade como um dos méritos do documentário.

Da polifonia das vozes de arquivos, que compõem visões diversas sobre a atriz e aprofundam sua trajetória, à multiplicidade de formatos dos materiais utilizados, são muitos os recursos que apontam para uma suspensão entre a Ruth mulher e a sua personagem pública. Isso ganha um escopo ainda maior na relação com cenas encenadas pelo filme, que se ambientam em uma floresta percorrida por figuras negras para tratar da força inspirada por Ruth.

O uso desse tipo de recurso estabelece a amplitude do documentário, sem este se desvencilhar de uma função didática mais imediata. A homenagem, calorosamente guiada pelos voice-offs de Juliana, anuncia igualmente o intuito informativo da obra, preocupada com a preservação de um conhecimento direto quanto aos feitos de Ruth.

Seja a passagem da atriz pelo primeiro grupo teatral negro a se formar no país, o Teatro Experimental do Negro (TEN) – e que a levaria a conquistar uma bolsa de estudos nos Estados Unidos -, o convite para o seu primeiro papel nos Estados Unidos, ou a participação em uma bateria de carnaval feita em sua homenagem, em 2019, a história de Ruth de Souza é olhada através de uma construção bastante clássica de documentário.

Esses momentos de preocupação mais didática partem de uma estruturação diferente da trajetória ficcional com a qual o filme é entrelaçado, haja vista a caracterização subjetiva dos atores e do espaço em que esse simbolismo acontece. Mas as diferenças estilísticas são insuficientes na separação de duas demonstrações da força da atriz, que atravessa um caminho incerto em busca de demonstrar seu brilho inato. Muito pelo contrário: é esse entrelaçamento o que confere multiplicidade às suas formas de resistência pela arte.

Diálogos com Ruth de Souza exibe um carinho enorme pela personagem-título. Munida de uma grande paixão pela retratada, é interessante como Juliana Vicente desconstrói uma possível idolatria com a atriz e ambienta suas conversas em uma relação de igualdade entre cineasta e sujeito. Por mais que essa escolha não atinja os lugares mais íntimos a que possivelmente intencionava, isso abre uma grande margem para a construção cinematográfica, que autoriza um curioso intercâmbio entre a ficção e a realidade documentada. Honra, assim, a magnânima atriz que revolucionou a representação negra no cinema mundial.

Biografia

Davi Galantier Krasilchik é estudante de Cinema e Jornalismo na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), onde já roteirizou e dirigiu dois curtas-metragens. Ele também já fotografou dois projetos curriculares, além de produções por fora, e escreve críticas e reportagens para meios como a revista universitária Vertovina e o site Nosso Cinema. A sua paixão pela Sétima Arte se manifesta desde a infância, e atualmente ele trabalha na Filmoteca da TV Cultura, onde ajuda a preservar esse material pelo qual tem tanta paixão.

A cobertura da 12ª Mostra Ecofalante de Cinema faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.

Agradecemos à Atti Comunicação e Ideias e Francisco Cesar Filho por todo o apoio na cobertura do evento. 

Equipe Jovens Críticos Mnemocine: 

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção: Bruno Dias

Edição: Luca Scupino

Edição Adjunta e Organização: Rayane Lima

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