×

Concurso Curta Ecofalante | 13ª Mostra Ecofalante de Cinema

Por Beatriz Panico

Na sessão do dia 07/08 da programação do “Concurso Curta Ecofalante”, que contou com a presença de duas das diretoras das obras, foram exibidos quatro curta-metragens que variaram entre o formato documental e ficcional. A sessão buscou uma discussão sobre a experiência feminina, visto que todos os filmes abordaram a posição da mulher na sociedade. Do processo de amadurecimento na juventude às dificuldades enfrentadas por mulheres em ramos do mercado majoritariamente masculinos, os curtas instigam os espectadores a refletirem sobre como o feminino é enxergado até o momento presente.

O primeiro curta exibido, Além do Impedimento (2024), da diretora Heloisa Lawanda, aborda as adversidades enfrentadas por atletas do futebol feminino, desde a falta de investimentos até os comentários negativos que buscam impedir o desenvolvimento do esporte. Mais do que os desafios, o filme procura retratar a força e a resiliência dessas figuras que insistem em  lutar pelo reconhecimento de sua profissão.

Explorando as diferentes possibilidades que o documentário oferece, o curta utiliza imagens de arquivo que apresentam jogos de futebol feminino e seleções nacionais inteiramente formadas por mulheres, datados da metade do século XX. Através de relatos de jogadoras profissionais, que compartilham suas jornadas árduas para chegar ao ponto em que se encontram atualmente, o filme reitera as contribuições de figuras femininas para o desenvolvimento do esporte desde a sua origem.

Dando voz a uma nova geração de atletas que demonstram a sua paixão pelo esporte, o curta se configura como uma corajosa denúncia das injustiças sofridas por diversas mulheres pela  falta de incentivo ao esporte feminino, não limitada ao futebol. 

Tereza (2023), de Bea Souza, foi o segundo curta da  mostra. O documentário gira em torno do relato de Tereza Trautman, diretora de “Os Homens Que Eu Tive” (1973), dado como o primeiro longa de ficção do cinema moderno brasileiro, segundo Luiza Lusvarghi e Camila Vieira da Silva em seu livro ”Mulheres atrás das câmeras”. O filme permaneceu censurado durante toda a Ditadura Militar Brasileira após se manter por apenas seis semanas em cartaz.

O filme abre com dados coletados pela Ancine, que concluem que menos de 20% de todos os filmes brasileiros foram dirigidos por mulheres. A decisão de revelar tal constatação, logo aos primeiros segundos, evidencia a vontade de chocar o espectador com informações que relembram o público da posição feminina em um ramo extremamente competitivo e ocupado principalmente por homens.

Apesar de buscar diferentes planos ao longo do relato, dinamizando a experiência para o espectador, a abordagem é, em grande parte, mais técnica e formal. Em um cenário em que a direção poderia se utilizar de uma câmera mais intimista para explorar com mais profundidade a vivência de Tereza como uma mulher no ramo cinematográfico dos anos 70, e como a censura afetou o andamento de sua carreira, o filme se encontra preso em águas rasas.

Transmitindo uma sensação de impessoalidade, este se torna puramente informativo, não fazendo esforços para que o espectador se conecte com a narrativa de Tereza ao não se utilizar de outros recursos além de seus relatos. Ainda que não usufrua de todo o potencial para tratar da experiência da diretora como pioneira do cinema nacional feminino, o curta ainda se configura como um documento extremamente rico para compreender o passado de figuras não-reconhecidas e que estabeleceram uma base para novas cineastas.

Em contrapartida às duas primeiras obras exibidas em formato documental, Manchas de sol (2023), de Martha Mariot, introduz a história de Adriana, uma senhora aposentada que vive tranquilamente  com sua esposa, Paola. Quando sua filha distante, alheia ao seu relacionamento e sexualidade, vem lhe visitar, Adriana deve lidar com sentimentos conflituosos.

O filme se propõe à mergulhar na vida privada do casal, retratando, em sua rotina diária, um tipo de intimidade que só pode ser formada por  pessoas que estão juntas há muito tempo, amplificando o segredo que Adriana guarda da filha. Embora crie algum tipo de intimidade com as personagens, a câmera, e consequentemente o espectador, parece sempre se encontrar na posição de observador externo, dificultando a formação de um vínculo entre o público e as personagens.

A abordagem é sutil, deixando que o espectador compreenda a natureza do relacionamento entre as três mulheres por si só. Por mais que essa estratégia possa se configurar como um elemento enriquecedor da obra, neste caso apenas torna a história confusa e supérflua. Sem explorar nenhuma das possibilidades oferecidas a partir do conflito das personagens, como a relação distante entre mãe e filha, a história se perde entre diálogos rasos e sem conteúdo, que não contribuem para o andamento da narrativa.

Mesmo com falhas em sua execução, o filme ainda proporciona momentos tratados com cuidado e sensibilidade. No momento final do curta, Adriana e Paola desempenham outra  atividade diária, pendurando roupas em seu varal quando são consumidas pelo impulso de dançar juntas. Durante essa cena, Adriana se deixa levar pelas demonstrações rotineiras de carinho no casamento, sem saber que está sendo observada por sua filha, que sorri com o segredo.

O último curta do programa foi Pelos (2024), de Emma Marques. Ao longo do filme, acompanhamos a tarde de Olivia e Luiza, duas estudantes do ensino fundamental que desbravam juntas os novos territórios da pré-adolescência, enquanto aguardam a festa de uma colega. De forma sensível, o espectador é convidado a acompanhar a jornada de amadurecimento das duas garotas enquanto elas aprendem a lidar com os dilemas do avanço da idade.

O curta se destaca por seu uso de cores e planos criativos, tendo como exemplo marcante um plano em que apenas os tênis vibrantes das protagonistas são vistos elevados e apoiados contra uma janela, enquanto estas discutem os dilemas amorosos de Luiza, com suas vozes em off. A narrativa é conduzida de forma fluída e natural devido à abertura criativa dada às atrizes, que incorporam muito de si mesmas em suas personagens. Tal decisão foi revelada pela diretora durante o bate-papo após a sessão, em que discutiu as contribuições das garotas no desenvolvimento do diálogo para torná-lo mais realista e atual.

No decorrer do curta, a questão do desenvolvimento das garotas é abordada em torno da depilação como metáfora, visto  que os pelos são centrais para a questão de gênero. Enquanto para garotos eles são vistos como um símbolo da masculinidade clássica, e um sinal do desenvolvimento para se tornar um homem, para as mulheres são tratados como motivo de vergonha, levando a maioria destas a passar por diferentes processos de depilação para serem vistas como mais “femininas” na sociedade.

Desse modo, a decisão de Olivia de depilar apenas uma perna demonstra, simultaneamente, a sua inocência e sua vontade de corresponder aos padrões estéticos estabelecidos para mulheres assim que atingem a puberdade. O filme caminha em uma linha tênue entre infância e adolescência, explorando os primórdios do auto descobrimento das meninas, que embora já discutam assuntos mais maduros, ainda se comportam como crianças.

Evidenciando a diversidade da curadoria e dos tópicos abrangidos pela proposta do festival, a experiência total da sessão, com sua variedade de curtas e o envolvimento direto com as diretoras, exemplifica a importância desses espaços de exibição e diálogo. 

Biografia

Beatriz Panico é uma estudante no segundo semestre do curso de cinema na FAAP. Apaixonada por leitura e escrita desde cedo, desenvolveu um interesse especial pelas áreas de história do cinema, roteiro e crítica.

Coordenação e Idealização: Flávio Brito

Produção e Edição: Bruno Dias

Edição: Davi Krasilchik, Luca Scupino e Gabriela Saragosa

Edição Adjunta e Assistente de Produção: Davi Krasilchik e Caio Cavalcanti

Share this content:

Publicar comentário