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Atlântida Cinematográfica

Por Pedro Santana
Publicado originalmente em 14 de outubro de 2005

“O fenômeno cinematográfico que se desenvolveu no Rio de Janeiro a partir dos anos 40 é um marco. A produção ininterrupta durante cerca de vinte anos de filmes musicais e de chanchadas, ou a combinação de ambos, se processou desvinculada do gosto do ocupante e contrária ao interesse estrangeiro” — Paulo Emílio (Gomes, 80, 92).

No dia 16 de outubro de 1941 nascia a companhia cinematográfica de maior longevidade do cinema brasileiro. Nos seus vinte e um anos de atividade, a Atlântida produziu 66 filmes (sem contar com Assim era a Atlântida, de 1974) num ritmo contínuo e com boa resposta de bilheteria.

No início da década de 40, o cinema brasileiro passava por um momento de recesso após a eufórica criação dos estúdios da Cinédia, Sonofilmes e da Brasil Vita Filme. A Cinédia alugou os seus estúdios para as filmagens de It’s All True, de Orson Welles; a Brasil Vita Filme, de Carmen Santos, ainda estava envolvida com a produção de Inconfidência Mineira, iniciada em 36 e só concluída doze anos depois; a Sonofilmes paralisa as suas atividades após o incêndio em novembro de 1940.

Buscando dar continuidade a sua atividade como diretor, iniciada na Sonofilmes, Moacyr Fenelon se junta aos irmãos Paulo e José Carlos Burle para a fundação da Atlântida Companhia Cinematográfica do Brasil S.A., que ainda contou com o apoio do conde Pereira Carneiro, proprietário do Jornal do Brasil. Segundo o seu manifesto de inauguração, a Atlântida nasce com o intuito de contribuir para o desenvolvimento da indústria cinematográfica brasileira e propõe o desenvolvimento do cinema nacional como alavanca do progresso do país. “No Brasil, o cinema ainda representa muito menos do que deveria ser e, por isso mesmo, quem se propuser, fundado em seguras razões de capacidade, a contribuir para seu desenvolvimento industrial, sem dúvida estará fadado aos maiores êxitos. E também prestará indiscutíveis serviços para a grandeza nacional” (VIEIRA, 87, 154).

A princípio, foram produzidos cinejornais. Com a experiência adquirida no cinejornal Atualidades Atlântida, a companhia produz o primeiro longa, o documentário IV Congresso Eucarístico Nacional de São Paulo (1942), que era exibido juntamente com o média Astros em Desfile (1942), de José Carlos Burle. Astros em Desfile apresentava números musicais com Luiz Gonzaga, Emilinha Borba e Quatro Ases e Um Coringa, entre outros, já prenunciando a fórmula que combinava música e cinema e que faria o sucesso da Companhia.

O primeiro sucesso da Atlântida foi um filme baseado na história daquele que seria um dos seus maiores astros: Grande Otelo. O roteiro era inspirado numa reportagem de Joel Silveira e Samuel Wainer publicada em Diretrizes, baseada em dados biográficos da vida de Otelo. Segundo o depoimento do diretor do filme, José Carlos Burle, Moleque Tião(1943), narra a história de um garoto pobre do interior de Minas Gerais que sonhava ser artista. Atraído pela notícia de uma Companhia Negra de Revista que vinha fazendo sucesso, Tião viaja para o Rio de Janeiro, onde se consagra após muita luta e persistência. O filme perdeu-se e não existe nenhuma cópia. José Sanz destacou “a introdução de alguns elementos do neorrealismo italiano, como por exemplo a filmagem em locações e o privilégio de uma ambientação mais pobre, identificada com classes trabalhadoras” (VIEIRA, 87, 155).

Nos próximos quatro anos, a Atlântida irá se consolidar como a principal produtora do país, emplacando doze filmes, entre eles Tristeza Não Paga Dívidas(1944), de José Carlos Burle. Neste filme atuam juntos pela primeira vez Oscarito e Grande Otelo; estes dois atores formarão a dupla de comediantes mais famosa do cinema brasileiro e serão lembrados para sempre como uma marca da Atlântida. Entre 43 e 47 são produzidos filmes como Não Adianta Chorar(1944), de Watson Macedo, e Gol da Vitória (1946), de José Carlos Burle, que abordam temas populares como o futebol e comédias musicais. Mas em Este Mundo é um Pandeiro (1947), de Watson Macedo, a chanchada ganha a forma definitiva que fará o sucesso da Companhia. Neste filme, Macedo mistura os elementos que serão a base das chanchadas: a paródia ao cinema hollywoodiano e a abordagem bem humorada dos problemas sociais do país, tudo isso aliado a números musicais.

O ano de 1947 será decisivo para a disseminação das chanchadas. Neste ano, Luís Severiano Ribeiro Jr. — dono de uma cadeia de cinema, uma empresa de distribuição e um laboratório para processamento dos filmes — torna-se sócio majoritário da empresa e consolida a penetração das chanchadas e comédias musicais da Atlântida no mercado interno, garantindo a perpetuação desses filmes por mais de uma década.

Com a integração dos setores de produção, distribuição e exibição, repetindo o modelo instaurado na “bela época”, só que desta vez com um viés estritamente comercial e voltado para o mercado, as chanchadas da Atlântida atravessam a década de 50 lotando salas e mantendo uma produção constante inédita no cinema brasileiro. No entanto, Severiano Ribeiro não tinha qualquer intenção de contribuir para a industrialização do cinema brasileiro. Com o domínio do setor de exibição, o empresário tinha interesses em comum com as distribuidoras americanas, de quem exibia filmes sem investir na produção com público e retorno garantido.

Para entendermos a entrada de Severiano Ribeiro na Atlântida devemos voltar ao ano de 1946, quando o presidente Eurico Gaspar Dutra assina o decreto 20.943, que amplia a reserva de mercado para os filmes brasileiros. Segundo o decreto os cinemas são obrigados a exibir anualmente, no mínimo, três filmes nacionais por ano. Assim, Severiano entra na produção de filmes visando produzir seus próprios filmes para cobrir a reserva e auferir o maior lucro possível. Para isso, a Atlântida não fez uso da isenção de impostos para a importação de equipamentos e material cinematográfico, conseguidos pelo Sindicato Nacional da Indústria Cinematográfica em 1949; manteve as precárias condições técnicas dos estúdios — a produção era artesanal, para se ter uma idéias das condições, os filmes eram revelados no próprio estúdio e enrolados à mão; enfim, a Companhia permaneceu trabalhando com reduzidas equipes técnicas, mantendo a improvisação como “regra” de produção.

Dentro dessa política de redução de custos e produção voltada para o mercado, a Atlântida produziu nos anos Severiano Ribeiro (47-62), 51 filmes, uma média de 3,4 filmes por ano, justamente o número suficiente para o cumprimento da reserva de mercado estabelecida em 1946. Diante deste quadro, bem distante do manifesto elaborado pelos seus fundadores, Moacyr Fenelon abandona a Atlântida e produz, de forma independente, oito filmes fora da Companhia entre os anos 1948 e 1950. Fenelon teria que esperar até 1952 para inaugurar o seu próprio estúdio – Flama Filmes – com um filme de sucesso talhado para o carnaval: Tudo Azul, que foi recentemente restaurado pelo o Centro de Pesquisa do Cinema Brasileiro.

No final da década de 50, o país passa por um momento de mudanças: a política dos “cinquenta anos em cinco”, de Juscelino Kubitscheck, abriu o país para o capital e a cultura estrangeira, acelerando o desenvolvimento industrial; o neorrealismo italiano influencia o cinema brasileiro, que começa a se voltar para temas que abordam a denúncia social, o que seria uma prévia do Cinema Novo; os Congressos de Cinema de 52 e 53 despertam uma consciência maior a respeito dos problemas que assolam o cinema brasileiro e a necessidade de um cinema industrial com o apoio do Estado. No entanto, a Atlântida permanece repetindo as mesmas fórmulas, sem mostrar capacidade de renovação, e, com o esgotamento do filão das chanchadas e do filme musical, a Companhia paralisa as suas atividades em 1962.

Em 1974, o diretor Carlos Manga, que dirigiu alguns dos maiores sucessos da Companhia — Matar ou Correr (1954), Nem Sansão Nem Dalila (1954), O Homem do Sputinik (1959) – dirigiu Assim era a Atlântida, um documentário com trechos dos principais filmes produzidos pela Companhia.

Bibliografia
GOMES, Paulo Emílio Salles. Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra/Embrafilmes, 1980.
SANZ, José. Ritrattto sincero dell’Atlantida. In: Il Cinema brasileiro. Gênova, Silva Editore, 1961.
VIEIRA, João Luiz. A Chanchada e o Cinema Carioca IN: RAMOS, Fernão (Org.) História do Cinema Brasileiro, São Paulo: Art Editora, 1987.

Biografia
Sandro Santana é mestrando do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da FACOM/UFBA.

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