Fancy Dance (2023, Erica Tremblay) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Por Giuli Gobbato
Apesar do fenômeno da miscigenação, em países como os Estados Unidos a cultura de povos originários é isolada do restante da população, tanto pelo governo quanto pela sociedade. A injustiça — ou melhor, a ignorância e negligência para com essas culturas — é a espinha dorsal de Fancy Dance (2023), de Erica Tremblay, cineasta estadunidense de origem Seneca-Cayuga, povo indígena da América do Norte. Apesar de já ter experiência na direção e roteiros, por ser integrante da equipe de Reservation Dogs (2021, FX), série de protagonismo indígena, trata-se da estreia da diretora no formato de longa-metragem.
A Torre Sem Sombra (2023, Zhang Lu) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Por Fernando Oikawa Garcia
“Você não acha que é vulgar falar assim?”, diz, em determinado momento, o protagonista de A Torre Sem Sombra (2023), dirigido pelo veterano Zhang Lu. Ao que o personagem ouve como resposta: “não é vulgar falar claro”. Tal interação, breve diante dos mais de 140 minutos do longa-metragem chinês, é todavia bastante sintética do dilema central dos personagens deste filme — a incapacidade de encarar frontalmente os dramas da vida. Crítico gastronômico que não ama a profissão e homem divorciado cuja filha é criada pela irmã, Gu Wentong é a figura que personifica esta crise: é um homem gentil mas amargurado, carregando angústias só para si e habitando um filme igualmente repleto de gentilezas e arrependimentos calados.
Não Espere Muito do Fim do Mundo (Radu Jude) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Por Gabriela Saragosa
Há diversas maneiras de retratar a experiência do capitalismo neoliberal no cinema, seja através do drama melancólico e claustrofóbico de Eu, Daniel Blake (2016, Ken Loach), da tragédia satírica de Parasita (2019, Bong Joon-Ho) ou da comicidade de Triângulo da Tristeza (Ruben Östlund, 2023) . Em Não Espere Muito do Fim do Mundo, Radu Jude, cineasta romeno que não é estranho à utilização do humor como instrumento de elucidação e crítica, elabora este retrato com maestria através do mais puro cinismo.
Sem Coração (2023, Nara Normande e Tião) | 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Por Fernando Oikawa Garcia
“Tudo lá parecia impregnado de eternidade”
Evocação do Recife, Manuel Bandeira
Sem Coração (2023) é um desses filmes cuja existência parece diretamente conectada ao seu espaço. Ao longo de um verão em 1996 na praia de Guaxuma, no Alagoas, um grupo de jovens aproveita seus dias entre o mar e o mangue, brincando na areia, dançando em festas, invadindo casas de veraneio. Eles sabem todos os caminhos, conhecem quais os imóveis abandonados, quem são as pessoas dali. Nesse dia a dia, permeado por brincadeiras (lícitas ou não) e amizades cúmplices, as vivências parecem pertencer à eternidade, como é próprio da juventude. O futuro é apenas potência, a realidade parece que nunca vai se esgotar. No entanto, o tempo é imparável: esta eternidade, tal como o verão e a juventude, está condenada ao fim. É dessa morte e vida da eternidade que fala a obra de Nara Normande e Tião.
Quem Fizer Ganha (2023, Taika Waititi) | 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Por Giuli Gobbato
Determinado a discutir sua própria identidade em tela, o diretor neozelandês Taika Waititi, mais uma vez, fez bom uso da plataforma que conquistou em Hollywood. Depois de ter dirigido os blockbusters Thor: Ragnarok (2017) e Thor: Amor e Trovão (2022), Waititi aproveitou a atenção que recebe para voltar os olhos do público à cultura polinésia em seu novo longa, Quem Fizer Ganha (2023), que retoma o estilo do início da carreira do diretor.
Fotofobia (2023, Ivan Ostrochovský e Pavol Pekarcik) | 47° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Por Pasquale Vincenzo Galatro
Diante do caos, a linha entre o real e a fantasia pode ser muito tênue. Na esperança de fugir da realidade, o humano é capaz de se ver dançando ao som da valsa da destruição. Em matéria de guerra, um manual, um livro de regras ou um guia de instruções talvez não sejam as únicas coisas a que as pessoas recorram para continuarem vivas. Afinal, quando nossa sobrevivência é ameaçada, recorrer ao lúdico torna-se uma forma possível de praticar a nossa humanidade.