Por: André Quental Sanchez
Existe um dito popular que diz: “o Lobo sempre será mau se só ouvirmos Chapeuzinho Vermelho”. Este ditado demonstra que sempre há mais de um lado da mesma história, e existem diferentes pontos de vida e circunstâncias individuais que fazem parte de um momento. Akira Kurosawa demonstrou isso com maestria em Rashomon (1950), ao contar visões de diferentes pessoas sobre um assassinato, inclusive o do próprio morto, e agora Hirokazu Kore-eda explora o mesmo conceito em seu novo filme.
Vencedor do prêmio de Melhor Roteiro no festival de Cannes deste ano, Monster se utiliza de três diferentes pontos de vista para construir um quebra-cabeça que faz o público rever opiniões anteriormente formadas.
Inicialmente acompanhamos a relação estável de Saori (Sakura Ando) e seu filho Minato (Soya Kurokawa). Porém, quando seu filho começa a agir estranhamente, Saori vai à escola tirar satisfações com o professor Hori (Eita Nagayama). Por meio de Saori somos apresentados ao contexto e aos principais acontecimentos que irão compor o filme, mas a obra se destaca quando acompanhamos as outras visões, de Hori e de Minato.
O clima é de tensão, visto que o “monstro” do título muda de personagem e até mesmo de significado, diversas vezes. No desfecho, sabiamente, Kore-eda nos presenteia com um final aberto, permitindo ao público tirar as suas próprias reflexões sobre os acontecimentos apresentados. Esta é a melhor decisão para se tomar em um suspense que apresenta tantas camadas, uma história simples mas progressivamente complexa, a cada nova reviravolta, com um roteiro hábil em explorar as vulnerabilidades até dos coadjuvantes.
Conflito e fragilidade são o que mais existe dentro do filme, estejam no professor lidando com a difamação, na mãe querendo ajudar o filho sem saber como, ou no filho aprendendo a lidar com amizades, bullying e status. A trilha e direção de fotografia auxiliam na construção de uma tensão que permeia o filme, Kore-eda apresenta plena consciência do que deve ou não ser mostrado, apostando em subtextos poéticos como quando Minato toca trompete com a diretora, e refazendo momentos importantes por meio de diferentes pontos de vista.
Kore-eda, ao longo do filme, faz o público refletir sobre visões vistas como certas, do mesmo modo que o Lobo e a Chapeuzinho, quando vemos Saori acusando o professor de maus tratos, aceitamos como verdade. Porém, quando acompanhamos o ponto de vista de Hori, percebemos que não é bem assim; e quando acompanhamos o de Minato, novamente mudamos a visão sobre o quadro construído ao longo de toda a produção, que somente fica completo quando se enxerga todos os pontos de vista, sem pré-julgamentos.
Monster, dirigido por Hirokazu Kore-eda e estrelando Sakura Ando, Soya Kurokawa e Eita Nagayama, foi visto no dia 08 de Outubro de 2023 em uma sessão lotada do Festival do Rio. Tendo ganhado melhor roteiro no festival de Cannes 2023.
Biografia
André Quental Sanchez é graduado em cinema na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), onde roteirizou e dirigiu um curta-metragem. Tem muito interesse na área do som, crítica e roteiro, tendo interesse e gosto pelo campo cinematográfico desde que se enxerga como gente. Pretende seguir vida acadêmica no futuro.
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A cobertura do 25º Festival Internacional do Rio faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.
Equipe Jovens Críticos Mnemocine:
Coordenação e Idealização: Flávio Brito
Produção e Edição: Bruno Dias
Edição: Davi Krasilchik e Luca Scupino
Edição Adjunta e Assistente de Produção: Rayane Lima
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