Ao contemplar os fragmentos mais importantes de suas vidas compartilhados com o mundo, os participantes de famosos filmes documentais como A Escada (2004), Basquete Blues (1994) e“Os Irmãos Lobo” (2015), têm a possibilidade de revisitar e refletir sobre o impacto que a exposição pública de momentos pessoais gerou em suas vidas.
Por Victoria Neves
Em uma breve viagem pela evolução dos documentários na indústria cinematográfica, feita através da observação do crescimento de bilheteria e procura dos filmes desse tipo nos últimos anos, a obra realizada pelas diretoras Jennifer Tiexiera e Camilla Hall, logo conclui que após anos enfrentando uma jornada árdua e sem muita reverência devido à escassa demanda e interesse do público, o cinema documental passa agora por sua melhor fase. No contemporâneo, onde cada vez mais o voyeurismo se mostra presente, os espectadores se veem cada vez mais interessados em filmes não-fictícios e histórias que acompanham situações e vivências reais, e individuais. Subject, adere a um formato metalinguístico, trata-se de um documentário que analisa outros documentários.
O filme se propõe a levar novamente para as telas nomes e casos polêmicos do universo dos documentários. O documentário se debruça em narrativas que marcaram gerações, como o caso de Margaret Ratliff, uma das protagonistas da história de A Escada – série documental que acompanha a vida da família de Michael Peterson, acusado de assassinar sua esposa. Peterson, na intenção de se provar inocente e almejando transformar a opinião pública, contrata uma equipe de cinema para acompanhar a ele e sua família em meio ao processo de seu julgamento. Decidida a ajudar o pai, Ratliff abre as portas de sua vida e com isso, de sua privacidade, permitindo não só com que milhares de pessoas entrem para assistir e comentar suas vivências mais traumáticas, mas também que além delas, surjam: traumas e inseguranças que a assombram até hoje, causados justamente pela exposição no documentário. Com isso, Tiexieira e Hall entram, de fato, no tema central do filme -os tais subjects, ou melhor, os assuntos que tiveram suas histórias expostas e como lidaram e ainda lidam com esse fato.
Unidos pelo impacto que a exposição pública lhes causou, os participantes e protagonistas dos famosos documentários caminham para lados diversos, tratando-se das opiniões que apresentam em relação à transformação de momentos pessoais em algo coletivo. Alguns conquistaram oportunidades, dinheiro e até liberdade, enquanto outros acreditam ter sido explorados e mal-interpretados. A partir desses dois lados apresentados pelos protagonistas, o documentário se transforma em um instrumento de debate, suscitando questões na mente do espectador, sem se encarregar de trazer as respostas. Dessa forma, abre espaço para a reflexão tanto por parte dos espectadores, quanto dos retratados, passando por debates éticos do documentário que envolvem o direito dos protagonistas de ganharem parte do lucro gerado pelo filme, o lugar de fala e as complicações que podem surgir ao se contar uma história sem ter feito parte dela.
É a partir desse formato que o filme adquire capacidade de justificar sua existência. As diversas opiniões registradas carregam causas e justificativas que dizem respeito e se relacionam com a história de quem as manifesta, gerando ao espectador mais dúvidas no que diz respeito à formação de uma opinião concreta.
Protagonista de Basquete Blues (1994, Stevie James II) -um dos documentários explorados por Subject-, o já adulto Arthur Agee reflete sobre seus tempos de menino, quando sua vida foi usada como base para a produção do filme. Mesmo sem ter alcançado o sonho de se tornar um jogador de basquete profissional, Arthur Agee dá créditos ao documentário pelas oportunidades que surgiram ao longo de sua vida, como trabalhar falando sobre o esporte, pela quantidade de contatos e boas memórias que foi capaz de conquistar, além da grande parte dos lucros que os executores de Basquete Blues acharam justo compartilhar com os dois garotos que estrelaram o filme.
Nota-se que as opiniões como as de Margaret (A Escadaria) e Arthur (Basquete Blues) não poderiam ser mais diferentes, ao mesmo tempo que são ambas compreensíveis. O documentário salienta repetidas vezes tal distinção e suas causas, deixando o espectador ainda mais interessado na discussão provocada. Além do interesse, o filme igualmente ocasiona um novo vínculo entre o seu público e as obras do tipo documentário, como se por meio dele, fosse capaz de solicitar uma relação mais ética e empática de quem consome tal conteúdo em relação ao sujeito por ele retratado.
Isso posto, é inegável o poder intrínseco que se concentra nas mãos de quem opera uma câmera e, na maior parte das vezes, relata histórias que não lhe pertencem. A comparação da câmera com uma arma, também abordada pelo documentário, se faz mais adequada a cada ponto levantado de como a vida do protagonista pode ser completamente diferente dependendo da forma com que sua personalidade e decisões que toma são representadas pelas lentes dos responsáveis por contar sua história. A forma como serão vistos pelo público, se irão receber dinheiro pela contribuição e participação no filme, quais partes de suas próprias histórias irão contar e quais realmente estarão no produto final.
As discussões e principalmente as opiniões exploradas por Subject germinam curiosidade em quem o assiste. O documentário intensifica a vontade do espectador de assistir às obras mencionadas e analisadas, na intenção de conhecer mais das histórias e pessoas retratadas pelo filme, ao mesmo tempo em que entram no íntimo do espectador fazendo-o refletir sobre o nível de realidade apresentado pelos filmes documentais e até que ponto contar a história de alguém também pode ser uma forma de invasão. Desse modo, Subject usa de narrativas e personalidades inspiradoras e tocantes enquanto simultaneamente revela uma imagem incomum da indústria.
Biografia
Victoria Neves é estudante de Cinema na universidade FAAP. Completamente encantada por tudo o que se relaciona à escrita e suas possibilidades, se dedica a escrita de críticas de cinema, histórias e roteiros.
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A cobertura do 28º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade faz parte do programa Jovens Críticos que busca desenvolver e dar espaço para novos talentos do pensamento cinematográfico brasileiro.
Equipe Jovens Críticos Mnemocine:
Coordenação idealização: Flávio Brito
Produção e edição adjunta: Bruno Dias
Edição: Luca Scupino
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